Mimadinha.

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Júlio Narrando.

Nada me deixava mais irritado do que ouvir o Felipe reclamando sobre a mesma coisa durante um tempo muito longo. O engraçado era que sempre sobrava pra mim. Ah, que falta de educação a minha, meu nome é Júlio Almeida, eu tenho 17 anos e tô no terceiro ano do ensino médio. Depois de um dia cheio na loja, trabalhando que nem um pião, eu tinha que ter paciência pra ouvir a moça do meu melhor amigo reclamar porque eu não queria em uma balada com ele, mas nem fodendo. Nem fodendo mesmo.

- Não fode, o Michel já disse que vai com você Felipe. – eu disse enquanto pausava o jogo de vídeo game, estava decidido a por um ponto final naquela merda.

- Que quê custa porra? – ele perguntou.

- Michel, fala aí. Fala pra esse porra que eu não quero ir. – cutuquei meu segundo melhor amigo.

- Não quer ir na onde? – revirei os olhos. Ele nunca prestava atenção em nada.

- Vamo aí mano, por favor!

- Eu não quero, combinei com a Nanda hoje. – falei e vi o Felipe se jogar no sofá de modo teatral e em seguida a cabeça do Michel ricochetear na minha direção como se alguém tivesse xingado a mãe dele.

- Nanda é o caralho. Levanta essa porra dessa bunda daí e vamo agora. – o Michel levantou e desligou e televisão. – tá trocando mulher por parceiro? – suspirei de novo. – vai te trocar.

Dois contra um, era palhaçada.

Olhei pro Felipe que estava me encarando com a sobrancelha levantada.

- Essa porra dessa balada de viadinho tem que ser boa pra tu tirar a gente da Zona Norte, andar a cidade inteira pra chegar nessa merda.

- E vai irmão, e vai! – ouvi o Felipe falar enquanto eu subia as escadas da minha casa como se tivesse indo pro corredor da morte.

E lá estava nós três sentado no fundo do busão indo pra essa baladinha, vida difícil, difícil pra caralho a minha. Eu trabalhava das nove as dezessete no shopping, e saia correndo do trampo direto pra escola. Eu trampava pra ajudar a minha mãe com as despesas de casa e pra ajudar na criação do meu irmão mais novo, João. O que era foda, porque devia ser o filho da puta do meu pai que devia fazer essas coisas, mas ele fugiu com uma mina com metade da idade dele e eu parei de procurar um motivo do sumiço dele na nossa família e passar a culpar apenas o lixo do caráter que meu pai tem. Claro que nessa caminhada, eu tinha meus dois melhores amigos, Felipe e Michel.

O Michel eu conheci quando tinha seis anos, ele já era completamente louco desde criança, lembro de conhecer ele quando ele tava tentando botar fogo numa criança que xingou a mãe dele, desde então viramos melhores amigos. E na real, dizem que a loucura transpassa o interior e vai pro exterior, ele tinha o braço inteiro direito todo tatuado e uma parte da perna esquerda também, a cabeça raspada e um piercing bem escrotão no nariz pra combinar com aquela merda que ele tem na língua que ele não consegue deixar na boca – se existe um cara que parece um skinhead, esse cara é o Michel, mas felizmente ele não faz mal pra ninguém.

E o Felipe, eu conheci há uns cinco anos atrás, ele estava tentando pegar a Nanda, o quarto elemento do nosso grupo – foi uma coisa ridícula de se ver, na real. Mas ele ficou tão arrasado que eu não pude deixar de ir ajudar o cara, e ele colou na gente que nem um chiclete, desde então ele nunca mais saiu de lá de casa. O Felipe é o contrário de mim e do Michel que estamos nessa vida por falta de escolha. Ele tem escolha, tem um pai, uma mãe, uma irmã – bem gosta por sinal – uma família estruturada e com dinheiro e quando o moleque resolveu sair de casa, o Michel como o bom melhor amigo que mora sozinho resolveu acolher o Felipe, então agora nos três somos três bostões que não tem onde cair morto se fodendo na vida pra tentar ter alguma coisa.

A Dama e o VagabundoOnde histórias criam vida. Descubra agora