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Será que o dia de alguém pode terminar pior que o meu? – foi com este pensamento que deixei minha mesa de trabalho no escritório contábil da S&Scontabilidades. Estou exausta, trabalhei o dia inteiro sem tempo nem pra almoçar dignamente e ainda tive que fazer intermináveis horas extras. Se bem que muitas pessoas têm dias piores... Mas, para mim este, com certeza, não foi um dos melhores, ou foi? Talvez. Normalmente sou uma mulher pacifica e bem humorada, porem passar um dia de cão e ainda ter que sair na chuva é mesmo o fim. Pelo menos minha amiga Dinha ainda está me esperando.

- Desculpa Dinha, é que hoje todos os processos do meu setor misteriosamente foram bagunçados, não sei por que, mas vou ficar de olhos bem abertos daqui pra frente. Tem alguma coisa errada acontecendo e vou descobrir o que é.

- Não se preocupa vamos pegar nosso ônibus e ir pra casa de uma vez por todas. Falou minha amiga sempre acolhedora.

           A chuva resolveu ser intransigente a ponto de nos fazer perder o ônibus e esperar quarenta minutos pelo próximo. Nessas horas sinto falta do meu carro que está guardado na garagem, tudo por causa do meu medo bobo de dirigir nesse stress que é o transito. Quase sempre prefiro o transporte público, menos em dias chuvosos. O caminho até o ponto do ônibus não foi de todo ruim, eu e Dinha sempre temos assunto de sobra pra conversar e as muitas marquises dos prédios serviram bem para nos proteger da chuva. O nosso problema maior é a chegada em nosso bairro.

            Moramos em um bairro estritamente residencial, com casas recuadas de muros baixos e pequenos jardins. Lá não há prédios, nem muitas lojas. O mundo parece que parou nesse lugar. Todos os vizinhos se conhecem pelo primeiro nome e a maioria é mais que vizinho, têm algum tipo de parentesco, primos, irmãos, pais e filhos, no mínimo compadres e comadres. É um lugar magnifico de se morar. Eu acho que sou a única pessoa que não tem parentesco com ninguém, sou apenas amiga de todos. Até a Dinha que não tinha família por aqui já conseguiu trazer um irmão pra morar no bairro e conquistou varias comadres e compadres.

            Quando descemos do ônibus lá estava à chuva nos recepcionando. Após os primeiros passos um homem se aproximou de nós, pela silhueta vi se tratar de um homem forte e alto. Ele falou com Dinha, pareceu até intimo dela. Será que ela já arrumou outro passatempo e não me falou nada... Não se beijaram apenas apertaram as mãos. Pode ser algum parente dela que chegou do interior, a família dela não cansa de ficar pra lá e pra cá. Mas tenho que admitir namorado ou parente, a Dinha conhece cada exemplar dessa espécie, fico me perguntando como ela faz isso... Saindo dos meus devaneios vi que minha amiga estabanada me chamava insistentemente com uma cara de quem diz, desce da lua mulher...

- Oi Dinha o que você quer. Respondi meio ríspida.

- Venha aqui quero te apresentar meu amigo Miguel. – Miguel essa é a Antônia minha melhor amiga. – Antônia esse é Miguel um amigo do colegial.

- Prazer em conhecê-lo Miguel. Falei sem muito humor e entusiasmo apenas estendendo a mão para ele.

- o prazer maior é meu. Respondeu ele segurando firme minha mão e me dando o primeiro frenesi que senti na vida diante do toque de um homem. Geralmente esse contato me causa sensações ruins, até mesmo raiva e repulsa. Dessa vez foi diferente tive uma sensação de contentamento meio estranha. Seria possível que eu pudesse sentir prazer ao ser tocada por um homem... E quanto a tudo o mais... Só posso tá ficando doida...

              Puxei a mão rapidamente, amedrontada e ao mesmo tempo fascinada por aquela nova sensação. Quando dei por mim estávamos na frente da Casa de Dinha. Não ouvi nada do que conversavam. Perdi-me no tempo e nos meus pensamentos. Eu deixava minha amiga em casa todas as noites e depois seguia meu caminho, pois minha casa ficava a uns quarteirões de distância. Enquanto nos despedíamos Dinha teve a magnifica ideia de sugerir que Miguel me acompanhasse e mesmo sob tantas recusas minhas ele também acabou insistindo. Usou o pretexto de que as ruas estavam desertas e que eu corria perigo andando por ai sozinha. Como se com esse homem magnifico ao meu lado também não corresse perigo.

             Afastei os pensamentos negativos e ao lado de Miguel iniciei o trajeto em silencio. Meus pensamentos estavam um inferno com Dinha e ao mesmo tempo refletia sobre tudo o que acabara de acontecer. O que a Dinha estava pensando me empurrando pra ir pra casa com um completo estranho? Como ela pode ser tão imatura? O que diabos aquela casamenteira estava querendo dessa vez? Isso não vai ficar assim. Mesmo sem saber por que tive certeza que tudo aquilo significava bem mais do que parecia ser.

Alguns passos à frente e Miguel parece que entrou na minha cabeça, então resolveu quebrar o gelo. O que era aquilo, além de lindo ele era um misto de vidente e psicólogo.

- Não brigue com a Edna, ela só pensou que você estaria segura ao meu lado, quero dizer, está chovendo, a rua esta deserta e não sabemos quem podemos encontrar pela frente. Disse isso e me deu um sorriso meio tímido que fez surgir um redemoinho em meu estômago.

Minhas emoções estavam mesmo uma bagunça, um cara que nem conheço me dando lição de moral há essa hora. Eu mereço... Pensei.

- Tudo bem, ela às vezes é protetora mesmo! -  Falei ainda um pouco chateada.

- Você tem namorado? Desculpe a pergunta, não me entenda mal, só perguntei por que se tem ele deveria acompanha-la em uma noite de chuva. Perguntou Miguel visivelmente constrangido e ao que me pareceu um pouco inseguro.

- Não, não tenho e sei cuidar muito bem de mim para precisar de babá. - Respondi seca.

- oh! Não se ofenda, por favor! Falou se desculpando.

- Desculpa, é que tive um dia cheio. Não que isso seja motivo para distribuir ofensas, eu não sou assim normalmente. - Falei em tom mais ameno. Ele relaxou e soltou o ar como se retirasse todo o peso do mundo dos ombros depois acrescentou.

- Sei que não é. Seus olhos já me disseram isso.

           Olhei pra ele, encarei seus lindos olhos, que só naquele momento percebi serem cor de mel, e alguma coisa revirou dentro de mim, não sei explicar o que foi, mas de repente meu coração veio parar na boca, eu só soube que tinha que degluti-lo de volta e fugir daquele olhar que me paralisava as entranhas, mesmo que me sentisse tão enfeitiçada por ele. Quando finalmente consegui respirar estávamos em frente a minha casa.

- Chegamos, obrigada por me acompanhar e mais uma vez me desculpa as grosserias.

            Miguel ficou parado me observando com um olhar enigmático, sedutor, cheio de promessas... e quando pensei em me virar para entrar em casa ele me puxou para seus braços. Enlaçou a mão livre em meu pescoço e me beijou. Que beijo! Um beijo que me tirou o fôlego, o censo e a razão, um beijo demorado, sexy, pleno e estonteante, não que eu tivesse um poço de experiência, mas aquele beijo foi além de todas as expectativas possíveis e impossíveis. Não pude deixar de notar que apesar de maravilhoso, o beijo de Miguel teve algo de sofrido, desesperado até.

              Desvencilhei-me e sem discernir sobre minhas próprias ações entrei em casa feito um furacão, tranquei a porta atrás de mim e ainda paralisada toquei meus lábios que agora estavam doces e ardendo pelo beijo de Miguel. Indignação foi o primeiro sentimento que me veio ao corpo. Como ele podia, mal acabara de me conhecer e já estava me roubando beijos acalorados? Que insolência foi aquela? E eu bobalhona fui logo retribuindo e me derretendo com o toque dele. – Meu dia não podia acabar pior, ou quer dizer, melhor. Pensei.

             Um pouco mais controlada, sem as pernas tremendo tanto, consegui dar alguns passos e chegar ao banheiro, depois de um demorado banho consegui vestir meu pijama favorito e ir pra cama. Deitar foi fácil, mas dormir não foi à mesma coisa. Não consegui entender por que mesmo estando tão indignada, odiando a atitude de Miguel com todos os meus poros, eu não conseguia para de pensar no beijo e no quão delicioso e forte ele havia sido.

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