Respirando Fundo.

6 2 0
                                    

Preciosa estava na escada rolante de um shopping procurando impaciente uma poltrona de massagem, era a única coisa que tirava totalmente o seu estresse. Passaram dias procurando o novo apartamento de Cálaham mas não encontraram nem sequer uma pista. O mesmo se aposentara como inspetor a uns meses atrás e depois disso, ninguém o vira mais pela cidade. Sabiam apenas que ele ainda estava morando por alí mas a cidade era grande e centenas de condomínios e apartamentos foram construídos, não daria para passar em todos eles em poucos dias. A situação era desesperadora e o que a garota queria naquele momento era esquecer as preocupações e tentar pensar com calma.
Ela passa em frente a uma vidraçaria e olha seu reflexo em um dos espelhos expostos para venda. Ela usava um short jeans azul claro, uma camiseta estampada e calçava uns tênis branquinhos, talvez teria comprado naquela semana ou ela devia ser zelosa a berça. Seu rosto porém estava decaído, usou um pouco de maquiagem para disfarçar mas seu cansaço era nítido. Antes que continuasse sua busca pela "máquina anti-estresse" sentiu seu celular vibrar no bolso.

*Mensagem de Mamãe*

Querida por favor passe no mercado e traga algumas coisas para mim:
-Leite
-Molho de tomate
-Ovos
-Manteiga
Não se esqueça que hoje temos visita então volte cedo! Beijos, sua mãe te ama.

Ela não sabia quem iria fazer a visita mas também não quis perguntar, já que ela obviamente não queria levantar suspeitas, guardou o celular no bolso do short e avistou as poltronas de massagem perto de uma banquinha de doces no outro lado do shopping.

* * *
Depois de horas na massagem Preciosa se encontrava de volta ao prédio em que morava já com as sacolas de compras da sua mãe nas mãos. Já havia trincado dois ovos no corrimão da escada e não via a hora de chegar em casa. Colocou as sacolas em um braço e pegou a chave da casa para abrir a porta. Quando a abriu, seu pai estava na sala assistindo um telejornal sentado no sofá, enquanto na cozinha escutou sua mãe conversando com alguém, o que ela imaginou ser a visita.
-Nossa eu não sabia disso, sempre fiz de outro jeito. Oh querida ainda bem que você chegou o Arthur está me ensinando a fazer um bolo gelado delicioso.
Preciosa ficou com a cara no chão! Aquela realmente não era a cena que imaginara ver: Arthur com avental batendo algo no liquidificador e sua mãe fazendo o almoço ao lado dele dando risadas e fazendo elogios. Não, ela só poderia ter confundido a casa.
-Ué mãe, o Arthur é a tal visita que a senhora falou?
-Não querida, quem vem almoçar aqui hoje é a sua tia Josélia que chegou de Londres. O Arthur já é de casa, eu chamei ele para fazer um dos bolos deliciosos que ele sabe fazer.
-Fazer o que né? Não dá pra dizer não pra vocês. Pre é o que você mais gosta.
Ele mostra a lata de chocolate e tira uma colher pra dar a Preciosa. Ela se senta no banquinho do balcão e observam os dois cozinharem lambendo a colher de chocolate na mão. Mesmo achando a cena uma completa loucura, teria que disfarçar e agir como se aquilo fosse comum.
-Preciosa e seus ovos trincados... Quando é que eu vou ver você chegar nessa casa trazendo um ovo intacto?
Sua mãe diz rindo e Preciosa acha engraçado o fato de ela já ter feito isso outras vezes sem saber.
-Mãe, a tia Josélia vai passar quanto tempo por aqui?
-Uma semana no máximo, já que ela trabalha muito.
-Certo.
-Porque?
-Por nada, só perguntando mesmo.
-Conversamos sobre isso esses dias e você já se esqueceu?
-A Pre esses dias só pensa em estudar pra prova.
Arthur fala para Estér e ela se contenta com a resposta.
Minutos depois que o almoço ficou pronto todos foram para a sala e esperaram Josélia aparecer. A campainha toca e logo Estér se levanta para abrir a porta.
-Mana!
-Estér!
E se abraçam numa alegria imensa.
-Cunhado não vem me receber não?
-Olhai a JP criou vergonha e tirou folga.
Felipe brinca e a abraça. Ela olha para o sofá e vê Preciosa e Arthur sentados olhando para ela.
-Eu não acredito que é minha princesa... Meu Deus como cresceu!
E mais abraços rolaram, gritinhos de alegria, brincadeiras, tudo para uma recepção calorosa, claro, era o mínimo para a tia favorita da família.
Josélia Palacine era uma mulher bonita de pele dourada, olhos puxados e cabelos castanho claro. Usava uma calça justa e uma blusinha branca solta encaixada perfeitamente em um blazer. Morava em Londres e trabalhava na polícia investigando casos, motivo dela nunca ter tempo para viajar.
-Arthur querido, ajude minha irmã com a mala.
-Na hora!
E guardaram as malas no quarto de hóspedes que ficava lá em cima. Almoçaram, conversaram, assistiram televisão e Josélia mostrou algumas fotos das viagens, até Estér pedir para que todos deixassem a visitante descansar. Felipe e Estér foram pro quarto e os outros fizeram o mesmo, Preciosa abriu a porta de seu quarto e Arthur se jogou na sua cama.
-Mas é muito folgado!
Ele põe os pés na cama cruzando-os e coloca as mãos na nuca.
-Agora sim, confortável.
Ela atravessa o quarto pega um travesseiro e joga em cima dele.
-Ande, você tem que me explicar muita coisa.
Ele fecha os olhos e faz uma careta.
-Não... Deixa eu quetinho aqui.
-Sério Arthur, você me deve explicações.
-Tá bom.
Ele se senta na cama e ela arrasta uma cadeira para se sentar também.
-O que você quer saber?
Essa era a hora difícil, como diria? Não dava pra perguntar de uma vez porque se o seu pensamento tivesse errado ela passaria vergonha.
-Arthur agente é o que? Tipo, eu e você somos...
-Pessoas?
Ela dá uma pequena risada mais continua.
-Não Arthur, eu me refiro a... Por exemplo, eu e minha mãe somos, mãe e filha, já nós dois somos...
-Ah entendi.
-Então?
-Não sei se sou da sua família.
-Arthur!
-Tá, nesse século agente namora.
E é aí que tudo se encaixa, o álbum de fotos, a conversa de Deyse, a intimidade com sua família... Tava claro mas não dava pra acreditar.
-Eu não acredito.
-Sem problemas eu tenho muitas provas.
Ele se levanta e abre uma gaveta escondida em sua escrivaninha. Mexe um pouco alí dentro e tira uma caixa branca com a tampa listrada que parecia bem grandinha para caber alí. Ele se aproxima de Preciosa e abre a caixa.
-Aqui você guarda uma coleção de coisas nossas: fotos, restos de flores, ingressos, papel de bombom, ursinhos de pelúcia... Enfim, tá tudo aí dentro pode vasculhar.
Ela segura a caixa e a põe em suas pernas. Era verdade, havia uma coleção alí dentro, tinha tanta coisa que ela se imaginou guardando tudo alí para servir como recordação, ou naquele caso como provas de uma enorme dúvida.
-Caramba, eu nunca imaginei que agente poderia estar juntos.
-Não se preocupe, agente pode ficar de boa. Sabe, não precisamos seguir isso ao pé da letra.
Ele olha pra ela e sorri e ela sorri de volta.
-Obrigada. É que no momento tudo está muito confuso, eu não tô conseguindo digerir tudo.
-Eu sei como é. Agora..
Ele vai até o closet e pega de lá uma roupa dele que Preciosa nunca reparou alí.
-Vou tomar um banho.
E sai pela porta. A garota fica sozinha, levanta da cadeira e se joga na cama suspirando logo depois.
-O que mais vou descobrir aqui meu Deus.

A Estante de Corações Partidos. (Em Revisão... Feito Em 2017 Atualizado Em 2024)Onde histórias criam vida. Descubra agora