Escolhas.

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O mundo está completamente escuro. Não há cores, figuras, imagens e formas, apenas um vazio preenchido a nada.                       
Ali não havia felicidade, dor, nem sentimento algum apenas sons, que nem sentido fazia, circulava naquele espaço.
Aquela visão do mundo era enigmática e ousava a mente descobrir muito mais afundo.
Mas antes mesmo que ela pudesse tentar, tudo começa a criar cores e a vida parece nascer de novo.                       
Preciosa abre os olhos com esforço e a primeira coisa que ver é uma luz forte bem no seu rosto.                       
Seu olhar escorrega até as paredes, era um verde bem claro, acompanhado de uma janela branca de vidro que dava vista a um jardim.
Não parecia sua casa e nem conseguia imaginar onde estava.                       
Seus olhos exploravam o lugar e então percebeu que não conseguia se mexer, manteve-se calma e reparou que havia mais alguém ali com ela.                       
Ela estava usando macacão jeans, o cabelo preso em rabo de cavalo e seus olhos estavam fixos na tela do celular.
Sua tia estava ali com ela, sentada ao seu lado e foi aí que surgiu um pensamento: eu estou no hospital. O seu outro eu lhe dera uma colher de chá, agora era só descobrir o porquê de ela está ali.                       
Josélia percebe que sua sobrinha está acordada e logo dá um sorriso.
-Oi minha princesa, que bom que acordou!
Ela tentou responder mas as palavras não saiam então sua tia segurou a sua mão.
-Meu bem não precisa se esforçar, eu lhe explicarei tudo.
Preciosa ficava feliz em ver sua tia cuidar dela com tanto carinho e ficar apenas a observando falar não seria esforço nenhum. Ela aproxima a cadeira perto de sua cama e coloca o celular na bolsa.
-Você sofreu um pequeno acidente quando voltava do colégio, os médicos tiveram que fazer uma pequena cirurgia na sua cabeça por causa de uns pedaços de vidro que ficaram presos. Fora isso nada mais grave. Só ficou até agora aqui no hospital porque você não acordava então ficou de observação.
Preciosa escutou tudo que sua tia tinha pra dizer mas não ficou nervosa e nem teve reações ruins, apenas concordou com tudo e aceitou. Ela força um pouco a garganta e consegue soltar algumas palavras.
-Obrigada tia, você...veio no momento certo.
-Não há de quê querida, agora tudo está sob controle. Sabemos de todos os detalhes sobre o acidente e nada está fora do normal.
Preciosa sorri mas Josélia olha para cima e faz uma cara desconfiada.
-Existe apenas uma coisa que eu não entendi...
Ela olha firme para garota como quem quer fazer um interrogatório.
-Você é uma garota que dirige tão bem, até melhor do que eu, o que aconteceu para você se distrair tanto no volante?
Agora sua tia a pegou, não poderia mentir para uma policial que é profissional em solucionar casos e ainda mais com alguém com quem Preciosa dividia tudo com detalhes. A garota suspira procurando a melhor forma de explicar o acontecido e então escutam batidas na porta.
-Eu volto já.
E Josélia vai até a porta. Ela abre uma brecha e sai por ela não deixando a jovem ver quem estava do outro lado.
Preciosa sente falta dos seus movimentos naquela hora, queria sair por aquela porta e correr sem destino ou então para os braços de sua mãe, onde poderia encontrar consolo.                       
Mas estava presa ali sem poder fazer nada, ela fecha os olhos e tem uma lembrança.
Ela ainda criança sentada no chão encostada da porta de seu quarto trancada. Seus olhos estavam vermelhos e chorava sem parar.
-Mãe porque você não fica aqui comigo? Será que eu sou um monstro para ficar trancada aqui?
E soluçava sem parar sentindo desgosto da vida.                       
Ela logo afasta aquela lembrança de sua cabeça e tenta focar em outra coisa até pegar no sono.
Horas depois estava acordada, seus pais estavam no quarto do hospital fazendo companhia a filha adorada. Já estava com os movimentos quase recuperados, era apenas o efeito da anestesia nela e tomava sopa na cama pois já era noite.
-Toma tudo querida, quero que você saia o mais rápido possível daqui.
Josélia estava sentada próxima a janela e o celular não saía de suas mãos.
-JP quer que eu compre algo para você comer?
E ela continua observando a tela brilhante. Estér pisca o olho para Preciosa que logo entende a referência. Felipe se aproxima silenciosamente dela e espia o que ela tanto mexe ali. Ele aperta os olhos e depois anuncia para todos sem fazer segredo.
-Eu sabia que ela não abandona esse trabalho nunca.
E pega seu celular.
-Felipe!
-Estava achando muito você estar tirando férias JP.
E ri entregando o celular.
-Intrometido, você não tem o direito de me espionar.
Então pega um travesseiro de uma outra cama no quarto e joga no pai de Preciosa.
-Mas mana eu pensei que você tinha tirado folga nessa semana. No seu emprego é pra você prender as pessoas erradas e não prender a si mesma.
-Eu sei, eu sei. Mas existem casos tão interessantes e ao mesmo tempo complicados de si entender. Eu tento tirar uma folga e aí vem outro caso mais empolgante.
E se joga na cama no lado de Preciosa.
-Passei o natal, a páscoa, o ano novo e a primavera inteira focada em descobrir mistérios e acabei me perdendo no tempo.
Preciosa abre os braços para um abraço e Josélia se aconchega nela como uma garotinha.
-Tia Jô eu vou fazer de tudo para recuperar o tempo que você perdeu.
-Ah minha querida você já tem algumas semanas suas para recuperar ainda.
Preciosa engoli em seco. Semanas?
-Olha, já que vocês estão papeando aí, eu vou lá fora comer alguma coisa.
Felipe fala pondo a mão na barriga em sinal de fome.
-Mana vai também comer alguma coisa que eu cuido da infratora aqui.
-Ei!
Ela pisca pra Preciosa e ri.
-Tá bom então. Se cuidem!
E ambos saem pela porta, coisa que Preciosa já estava rezando para fazerem.
-Tia Jô, eu passei quanto tempo aqui no hospital?
-Um pouco mais de duas semanas... Quinze dias para ser exata.
Choque! Ela passou quinze dias em coma com os dias já contados!
Não podia ser.... Era tempo demais! E vida de menos. Teria que pensar em algo rápido.                       
Preciosa percebe que sua tia volta a pegar o celular.
-Tia...
-Desculpe meu bem mas é rápido! Só vou digitar aqui uma coisa...
E a jovem revira os olhos com a teimosia da menina adulta.
-Tia Jô, como é que você resolve casos estando aqui, bem longe do local do crime?
-Eu não trabalho sozinha. Existe uma galera investigando o caso e eu, por enquanto, estou apenas descobrindo e passando o endereço dos suspeitos.
-Ué mas como é que você consegue descobrir o endereço deles?
-Ah isso é moleza pra quem trabalha na polícia, porque tem um aplicativo de busca excepcional! Só que é uma perca de tempo procurar um monte de gente tendo muita coisa pra investigar.
-Entendi.                       
E elas encerram o assunto por aí, Preciosa vai descansar e Josélia fica sentada ao seu lado.
Na manhã seguinte as visitas começaram a chegar, mesmo Preciosa estando perto de receber alta. Parecia que as pessoas gostavam de visitar doentes no hospital.                       
Todos os "estranhos" que ela recebeu naquela manhã pareciam gostar dela e ela concluiu que eles poderiam conhece-la mais do que ela mesma se conhecia.                       
Enfim, o horário de visitas acabou e logo depois recebeu alta do hospital. Deyse havia ligado pela manhã e lhe dissera que a visitaria a noite quando já estivesse em casa. Não soube notícias de Arthur mais achou melhor não saber mesmo dele.                       
Preciosa estava com a cabeça longe naquele dia e não estava reparando os acontecimentos se passando. Pelo um momento se viu saindo do estacionamento do hospital e depois de algumas piscadas estava na cama de seu quarto. O único pensamento concreto era o de tentar salvar sua vida e isso exigia muito dela.
Ela estava vestindo um short de algodão rosa pastel e uma blusa de alcinha cor cereja, tipo de roupa que jamais usaria em seu antigo século, porém não achava nada ruim vestir algo leve com o corpo intocável.                       
Estér aparece em seu quarto trazendo canja de galinha e avisa que Deyse chegará em alguns minutos.
-Por favor coma, seus amigos ficarão preocupados se verem você assim.
-Calma mãe, é apenas a Deyse. Ela nem vai reparar em mim.
Disse e depois duvidou de sua própria resposta, Deyse reparava em tudo.
-Tá certo mas quero que se alimente do mesmo jeito. Vou lá em baixo terminar de fazer umas coisas, se incomoda?
Ela balança a cabeça negando e sua mãe sai do seu quarto com aquele olhar de "se cuida".
Depois que Estér saiu Preciosa repara que seu quarto está diferente: a cama estava bem ao lado da janela, dando vista a rua mesmo deitada. Sua escrivaninha foi colocada na outra parede junto de um móvel novo em que a Preciosa moderna comprara pela internet.
-Minha penteadeira!
Falou pra si mesma animada, havia algo nela que a deixava contente, talvez seja a mesma animação quando se ganha um presente de alguém. Preciosa nunca havia comprado nada mesmo tendo um bom dinheiro guardado, quem geralmente fazia isso era Regina sua preceptora.
"Hum... Onde estaria ela?" Se perguntou mas logo seu pensamento voltou para sua novíssima penteadeira. Ela queria senti-la, admirá-la e ver tudo o que tinha nela.
Colocou o seu prato na base da janela, empurrou o lençol de lado e fez força para se levantar. Olhou para o chão e viu um par de pantufas de bolinhas que quis calçar assim que pôs os pés no chão.                       
Meio desequilibrada caminhou através do quarto até se encontrar cara a cara com sua belezinha. Parecia bobagem! Naquele momento ela se sentiu uma garotinha de 5 anos admirando seu novo brinquedo. Apoiou-se em uma cadeira branca macia que foi colocada à frente do móvel e começou a observar cada detalhe.
Seus olhos deslizaram até o espelho e foi aí que toda a sua alegria desapareceu. Seu reflexo nele era meio apavorante: os braços rasgados, os olhos arroxeados e seu rosto coberto por pequenos furos onde suponhou terem sido pedaços de vidro. Mais acima, na cabeça, uma faixa branca em toda a volta cobrindo um pouco sua testa.
Enquanto se olhava uma porta se abriu atrás dela mas Preciosa não reparou.
-Que bom que já está de pé.
-Deyse?
Ela se vira com um pouco de esforço e olha sorridente para a sua amiga.
-A própria em carne e osso!
Ela se aproxima de Preciosa e lhe dá um abraço. Aquele gesto era muito confortante porém Preciosa não resistiu a um choro doloroso.
-Deyse e agora? O que vamos fazer das nossas vidas?
-Calma. Eu sei que temos poucos dias e nossas esperanças estão quase no fim mas a gente vai dar um jeito.
Aquele comportamento de Preciosa estava estranho. Ela não era tão emotiva e delicada assim, sempre teve uma personalidade forte e enfrentava os problemas olho a olho. Aquela não era ela.
Decidiu então perguntar o motivo das suas mudanças a Deyse e ela sabia o porquê. Ela disse que a medida que os dias se passavam o corpo deles estavam sendo dominado aos poucos pelos seus antigos donos e que depois quando o tempo se esgotasse seríamos varridos dele.
-Como um lixo.
Terminou Deyse fazendo drama.
-Certo. A única coisa que devemos fazer primeiro é descobrir o endereço de Cálaham.
-Um endereço...
-Pois é o problema Prê é que já procuramos em todos os possíveis lugares onde esse homem deve estar e nada.
Preciosa fez um olhar pensativo e depois sorriu, estava com saudades daquela sensação. Uniu todas as suas forças e se pôs ereta num ar firme e forte.
-Deyse você pode dormir aqui hoje?

A Estante de Corações Partidos. (Em Revisão... Feito Em 2017 Atualizado Em 2024)Onde histórias criam vida. Descubra agora