Pimenta

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Doce ou Salgado? / Capítulo 15 – Pimenta

- Você está me dizendo que vocês brigaram por conta de comida? – Jack esfregou os olhos como se a ideia fosse difícil de processar.

- Quando você repete assim faz parecer fútil.

Jack gargalhou alto, ecoando no escritório comprido.

- Santo Deus Sebastian você passou na casa dela em plena madrugada, e se acha no direito de reclamar por ela não comer carne?

- Eu deveria ter desconfiado- Sebastian puxou uma cadeira para se sentar enquanto Jack se colocava de pé – Eu deveria ter percebido.

- Sebastian – O amigo respondeu em tom de recriminação – Você está se ouvindo? Não tinha como você saber. Você se quer saíram pra jantar juntos, foram uma serie de encontros casuais. Você não pode "se culpar" por nada.

- Imagina o nojo que ela deve ter sentido. O cordeiro super bem passado, o molho barbecue escorrendo-

- Pense pelo lado positivo. Ela ofendeu seu lado carnívoro e você ofendeu o lado chocólatra dela. Vocês estão praticamente quites, já podem casar.

- Você não entende nada Jack, nós somos tão contrários que discutimos até por comida.

- Ah cale a boca –Jack fez uma careta – Queria eu que meu único problema com mulheres fosse eu gostar de queijo e elas de goiabada. Porque já não aproveita e apresenta ela direito pra mim? – Jack sentiu quando Sebastian lhe fuzilou a nuca – Tente ver pelo lado onde a sintonia entre vocês é tão boa, que a maior discussão que tiveram até agora foi sobre não gostarem do mesmo tipo de comida.

Batidas na porta silenciaram os dois, Sebastian não era de receber visitas e Jack estava do lado de dentro.

- Está esperando alguém? – O amigo indicou a porta enquanto se esticava para abri-la, Bastian negou de força cansada. E Jack precisou descer o olhar para encarar a mulher a sua frente.

- Ah não – Sthella fez uma careta, encolhendo os braços que carregavam uma travessa coberta – Ele não veio trabalhar hoje?

Jack não arreganhara a porta para abrir, então ela não vira a figura igualmente atordoada de Sebastian sentada mais ao fundo.

- Bom nesse caso – Ela encarou o corredor como um velho amigo – Será que você poderia fazer um favor pra mim? E entregar isso pra ele – Ela estendeu a travessa, a simpatia se convertendo numa seriedade suspeita - Então você pode dizer a ele que nós vivemos em um mundo com um biodiversidade tão grande, que o homem em sei lá – Ela deu de ombros enquanto revirava os olhos – em vinte e dois milhões de evolução não foi capaz de registrar tudo?

Jack abriu a boca para responder, e nenhum som saiu. Sthella podia ser linda, e sorridente, passava a imagem de uma pessoa boa e inocente, em seu vestido rosa com borboletas dançando no busto você dificilmente a imaginaria brava ou perto de alguma emoção ruim.

No entanto sua figura séria e nervosa, frustrada pela ausência de Sebastian, raivosa com a critica em relação a comida, tensa por não estar e um ambiente comum, e super concentrada num único objetivo era mais do que excitante.

- Certo – Jack conseguiu trazer-se de volta a realidade ao estender os braços e sentir a travessa morna nos braços. – E o que é?

- Um risoto cremoso de aspargo com pimenta rosa – Ela deixou um sorriso escapar no rosto corado pelo nervosismo – E tem também um curry de carne de soja com legumes. Insisto que pegue um pouco pra você também, eu não falho em despertar gostos.

- Tenho certeza que não – Jack sorriu, mas sabia que não deveria tê-lo feito, Sthella sorriu em agradecimento, acenou e deu meia volta para ir embora. Quando Jack fechou a porta, Sebastian já o tinha alcançado.

- Ela sabia que eu estava aqui – Levou a atravessa a bancada que separava a pia da sala, desfazendo do guardanapo colorido e fino que cobria – Ela fez tudo isso de caso pensado-

- Sebastian você está enlouquecendo-

- Carne de soja? – Fez uma careta enquanto caçava um garfo com voracidade – Ela só pode estar brincando comigo-

- Sebastian-

Mastigou a carne de soja com ódio, no inicio tentando imaginar o quão impossível seria levar a vida sem carne, sobre o quão suspeito era ela descobrir sobre sua queda quanto aspargos, o que era loucura porque não comia aspargos na rua, só aqueles que fazia em casa.

E Deus, estava com tanta fome assim? Ou a comida estava definitivamente boa?

- Maldita seja- Fechou o punho de contra a pia, inclinando o corpo, os olhos fechados.

- Diga que é horrível. Diga que é péssimo.

A explosão de sabores era certamente algo diferente, carne de soja não era carne, mas enganava bem, o aspargo estava macio e longe de ficar amargo como nas poucas vezes que arriscara comer fora, não era algo que o fazia procurar a carne no prato, ou encara-lo como se faltasse algo.

-Maldita seja- Socou pia outra vez, antes de caminhar até a rua e encarar o movimento oito andares a baixo como um suicida. – Sthella! – O grito ecoou pelo andar como um alerta.

- Ela está a oito andares a baixo Sebastian – Jack se aproximou da travessa com cautela – Os aviões estão mais pertos de ouvir do que ela-

- Você fingiu que não estava aqui dentro? – Sthella invadiu o escritório, a cor vermelha ainda presente no rosto, o suor molhando a raiz dos cabelos. – Você simplesmente ignorou que eu estava aqui do lado de fora?

Sebastian girou o corpo, pálido.

- Estava do lado de fora? – Voltou a entrar no escritório imenso.

- Eu sabia que tinha de alguma coisa errada – Ela juntou os cabelos no topo da cabeça – Eu tinha certeza, eu cheguei até o final do corredor, mas eu podia sentir sabe – Fez uma careta enquanto encarava Jack antes de voltar sua fúria para o outro – Então eu resolvi voltar, e pegar você nesse flagrante horrível-

- Flagrante? – Bastian ergueu uma sobrancelha, se tornando subitamente grande – Você invadiu o prédio onde eu trabalho!

- Você me perseguiu primeiro!

- Pela amor de Deus - Jack revirou os olhos enquanto ergui a voz pela primeira vez – Eu não vou ouvi-los discutir sobre isso, resolvam logo essa palhaçada de quem gosta de comer o quê pra que eu não tenha que trabalhar no final de semana.

- Você não tem de ficar aqui – Sebastian caminhou até o amigo, uma parede se movendo, forçando a saída de Jack do ambiente, Jack murmurou, tentando se defender, mas todos os comentários foram ignorados até que estivesse no corredor e a porta fosse definitivamente fechada.

Ah sim, por mais que Sthella fosse capaz de sentir o coração bater nas pontas dos dedos, manteve os pés firmes no chão, agora estava plenamente acordada e consciente para discutir o que fosse e trataria de resolver todas as desavenças fossem elas de maneira saudável ou não.

Ignorava a ideia da figura enraivecida de Sebastian, e de como ele se movia como um robô possuído andando do escritório até ela, dela até Jack, de Jack a porta. Ergueu o rosto para encara-lo nos olhos, e novamente não foi capaz de prever seus movimentos.

Ele veio convicto em sua direção, talvez para gritar, certamente para esbravejar, mas ele uniu as mãos em seu rosto tornando impossível a ideia de se afastar, e os lábios se encontraram com fome e dedicação.

Os problemas ainda estavam ali, sem se resolverem, escondidos como a sujeira debaixo do tapete, mas tudo a volta estava tão limpo que se tornou facilmente ignorado. Sthella não foi capaz de resistir, sentiu o corpo ceder como se derretesse, ele juntou os braços a sua cintura como se fossem incapazes de se separar.

Ergueu as mãos aos cabelos macios, inebriada no sabor da pimenta rosa.

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Doce ou Salgado?Onde histórias criam vida. Descubra agora