Capítulo 5 - Parte I

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Começo uma tentativa de erguer as pernas para verificar se consigo me mover. Uma tentativa inútil já estava enrolado por faixas. Ana se levanta, entra na casa e grita:

– Bernard, vou retirar essa faixa e colocar um curativo menor. Acho que você ficará mais confortável.

Ela volta com uma caixinha de primeiros socorros e se abaixa perto de mim. Com muito cuidado, levanta minha calça jeans e começa a desenrolar a faixa.

– Já deu uma melhoradinha. O sangramento parou. Vou passar um pouco desse medicamento e creio que você conseguirá se levantar com minha ajuda – começa então a limpar o ferimento.

– Nossa, Ana, esse remédio arde muito. O que é isso?

– É uma erva curtida no álcool que aprendi com a minha mãe. Ela é anestésica e ajuda a cicatrizar. Arde só um pouquinho, larga de ser mimado, garoto – Ana finaliza e coloca um curativo. – Pronto, vamos tentar levantar?

Ela pede para eu apoiar em seus ombros e levantar bem devagar. Com muito custo e dor fico em pé. Porém, sinto uma dor enorme.

– Ai, está doendo muito. Será que quebrei a perna?

– Acho que não, você conseguiu se levantar. Se tivesse quebrado você não conseguia.

Dou dois passos e peço para ela me colocar sentado no primeiro degrau da escada. Com muito custo, conseguimos.

– Mas, você vai se molhar com esse chuvisco.

– Não tem problemas, acho que preciso mesmo receber um pouco de chuva.

– Bom, eu não ficarei molhada de graça. Vou lá dentro preparar um chazinho para aliviar sua dor. Minha avó dizia que era uma porção mágica quando eu era criança.

– E você acreditava nisso? – pergunto.

– Claro que não. Mas, não custa tentar. Não é? Ela entra e procuro meu celular no bolso. Não encontro. Penso ter perdido na rua e xingo alto. Ana escuta e pergunta:

– O que foi Bernard?

– Meu celular, Ana. Não estou conseguindo encontrar. Acho que perdi por ai.

– Ah, filho, deve ter caído no buraco.

Tento me levantar e ir até o local, mas não consigo. A dor ainda estava insuportável.

– Ana, você pode ir até lá ver se encontra?

Ela então sai de dentro da cabana com uma lanterna e um guarda chuva rosa cheio de bolinhas. Pisava sobre a lama com muita delicadeza para não se sujar. Vejo a luz da lanterna de longe.

– Achei. Está ensopado – Ana volta e me entrega o celular cheio de lama. 

– Acho que precisará comprar um novo!

Peço a ela que o limpe e seque com um secador de cabelos. Felizmente, ela tem um. Mas aviso que não tente ligar o aparelho. Ela o leva para dentro e escuto o barulho do secador. Minutos depois, volta com o celular na mão. Tento ligar, sem sucesso. Digo que pode ser a bateria. Outra coincidência feliz, o carregador de Ana é igual ao do meu celular e ele logo está ligado à tomada dentro da casa.

Fico observando a rua sobre o tampão de madeira. Vejo apenas os faróis dos carros e os postes. Que horas serão agora? Deve ser bem tarde. Até as luzes dos prédios próximos estão apagadas. A companhia de Ana estava sendo super agradável, mas alguma coisa estava faltando. Tento me lembrar e não consigo. Procuro em minha mente as coisas mais comuns que fazia. Faculdade? Não. Nunca sentiria falta da faculdade. Celular? Já encontrei. Minha cama. Sim, com certeza poderia ser. Minha casa. Está muito longe. Já sei. É meu amigo André. Ele deve ter me ligado mil e quinhentas vezes. A essas horas, já foi em todos os hospitais, funerárias, até no IML procurar meu corpo. Riu sozinho. Ana volta com as xícaras e pergunta o motivo das risadas.

Bernard - Agilmar FerreiraOnde histórias criam vida. Descubra agora