Capítulo 7 - Parte VIII

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O caminho foi curto. Nunca havia entrado em uma carreta. Foi a mesma coisa que dar pirulito para criança pela primeira vez. O caminhoneiro se chamava Valter. Um homem que só sabia reclamar da vida e passar a mão na barriga de Pedro. Eu fiquei atrás, ansioso até chegar em São Paulo de novo. 

Descendo em São Paulo, meus olhos encheram de lágrima e tive uma crise de recordações. Não sabíamos para onde ir e o que fazer. A primeira coisa que fizemos foi ir até uma lanchonete e comer algo. Aquela coxinha estava maravilhosa. Quanto tempo não comia algo tão gorduroso assim. 

A cada mordida profunda que dava, surgia a dúvida: "E agora, para onde vou?" Aposto que Pedro também tinha a mesma dúvida. Não era possível que ele já tivesse algum lugar para ficar. 

– E agora, Pedro, para onde vamos? – perguntei descrente. 

– Não sei, Bernard. Você tem algum lugar para dormirmos? 

- Vamos garotos. Saiam daqui. Tem mais gente querendo sentar – disse um jovem garçom em tom bastante estupido. 

– A gente tá comendo ainda moço – respondi 

– Aqui não é lugar de vagabundo, não. Saiam logo, antes que eu chame a polícia. 

Meu coração acelerou, conseguia senti-lo na minha boca. Só de ouvir a palavra polícia já imaginei voltar para o orfanato. Pegamos o resto da coxinha e saímos correndo de lá. Corremos uns cinco quilômetros pela mesma avenida em que chegamos. 

– Chega, chega. Não consigo correr tanto – disse Pedro ofegante. 

Abri a mochila e contei quanto tínhamos ainda: R$ 180,00. Daria muito bem para passarmos a noite em algum hotel. Merda! Somos menores de idade. Não era possível que Pedro não conhecesse ninguém aqui nessa cidade. Ele também morava aqui. 

– Pedro, você não conhece ninguém aqui em Sampa? 

– Não, velho – respondeu. 

– Você não morava aqui? 

Ele se virou para mim com tanta raiva e respondeu: 

– Vai se foder, cara. Já disse que não. 

Não respondi. Iria causar uma briga desnecessária. Ainda à tarde, lembrei de Ana e falei para Pedro:

– Há quantos quilômetros estamos da 25 de Março? 

– Ah, não sei, cara. Estamos bem longe, acredito. 

– Então, tem uma amiga da minha mãe que mora por lá. Eu tenho certeza que se a gente pedir ajuda para ela, ela vai deixar ficarmos lá. Disse 

– E como vamos chegar lá? A pé não rola – respondeu Pedro. 

– Vamos de táxi. 

Pedro deu uma gargalhada profunda e se retorceu por uns minutos. 

– Do que está rindo? – perguntei indignado. 

– Táxi, mano? Cê tá achando que a gente é rico agora? No máximo que podemos fazer é pegar um metrô e sair por lá. 

Foi feito como Pedro disse. Pegamos o metrô e chegamos à casa de Ana. Caminhando vagamente, recordei um pouco da minha vida. Parecia que estava cheirando um ar de casa, sentia como se isso fosse verdade. Mesmo o ar de São Paulo sendo poluído era melhor do que o do orfanato. Não demoramos muito para ficar frente a frente à antiga casa de Ana. Um verdadeiro mausoléu, como uma casa de filme de terror, e o jardim um verdadeiro matagal. Pedro tomou iniciativa e tocou a campainha. 

– Oi, quem é? – uma voz soa no interfone. 

– Queria falar com a Ana – disse 

– Só um minuto, por favor. 

Foi o prazo de me virar para Pedro e escuto:

– Merda, tia, você precisa arrumar essa porta – gritou de dentro da casa. 

Eis que vejo a cara dela pelo portão de grade. Com um olhar de desdém, ela diz: 

– Quem é você? – Sou Bernard, filho de Vera. 

– Não conheço Bernard, nem Vera. Deve ser engano. 

Assustado, olhei para Pedro, sem reação. Escutamos a porta da casa batendo e a conversa dentro da casa: 

– Quem era Ana? (Mãe) 

– Uns pivetes pedindo comida. (Ana) 

– São Paulo é uma merda de cidade mesmo. Odeio isso daqui. (Mãe). 

Lágrimas escorreram dos meus olhos. Como ela podia fazer isso comigo? E ainda me chamar de pivete. A sensação era de ódio e desproteção. Na verdade, mais tarde fui entender que realmente eu seria um pivete. 

Bernard - Agilmar FerreiraOnde histórias criam vida. Descubra agora