O caminho foi curto. Nunca havia entrado em uma carreta. Foi a mesma coisa que dar pirulito para criança pela primeira vez. O caminhoneiro se chamava Valter. Um homem que só sabia reclamar da vida e passar a mão na barriga de Pedro. Eu fiquei atrás, ansioso até chegar em São Paulo de novo.
Descendo em São Paulo, meus olhos encheram de lágrima e tive uma crise de recordações. Não sabíamos para onde ir e o que fazer. A primeira coisa que fizemos foi ir até uma lanchonete e comer algo. Aquela coxinha estava maravilhosa. Quanto tempo não comia algo tão gorduroso assim.
A cada mordida profunda que dava, surgia a dúvida: "E agora, para onde vou?" Aposto que Pedro também tinha a mesma dúvida. Não era possível que ele já tivesse algum lugar para ficar.
– E agora, Pedro, para onde vamos? – perguntei descrente.
– Não sei, Bernard. Você tem algum lugar para dormirmos?
- Vamos garotos. Saiam daqui. Tem mais gente querendo sentar – disse um jovem garçom em tom bastante estupido.
– A gente tá comendo ainda moço – respondi
– Aqui não é lugar de vagabundo, não. Saiam logo, antes que eu chame a polícia.
Meu coração acelerou, conseguia senti-lo na minha boca. Só de ouvir a palavra polícia já imaginei voltar para o orfanato. Pegamos o resto da coxinha e saímos correndo de lá. Corremos uns cinco quilômetros pela mesma avenida em que chegamos.
– Chega, chega. Não consigo correr tanto – disse Pedro ofegante.
Abri a mochila e contei quanto tínhamos ainda: R$ 180,00. Daria muito bem para passarmos a noite em algum hotel. Merda! Somos menores de idade. Não era possível que Pedro não conhecesse ninguém aqui nessa cidade. Ele também morava aqui.
– Pedro, você não conhece ninguém aqui em Sampa?
– Não, velho – respondeu.
– Você não morava aqui?
Ele se virou para mim com tanta raiva e respondeu:
– Vai se foder, cara. Já disse que não.
Não respondi. Iria causar uma briga desnecessária. Ainda à tarde, lembrei de Ana e falei para Pedro:
– Há quantos quilômetros estamos da 25 de Março?
– Ah, não sei, cara. Estamos bem longe, acredito.
– Então, tem uma amiga da minha mãe que mora por lá. Eu tenho certeza que se a gente pedir ajuda para ela, ela vai deixar ficarmos lá. Disse
– E como vamos chegar lá? A pé não rola – respondeu Pedro.
– Vamos de táxi.
Pedro deu uma gargalhada profunda e se retorceu por uns minutos.
– Do que está rindo? – perguntei indignado.
– Táxi, mano? Cê tá achando que a gente é rico agora? No máximo que podemos fazer é pegar um metrô e sair por lá.
Foi feito como Pedro disse. Pegamos o metrô e chegamos à casa de Ana. Caminhando vagamente, recordei um pouco da minha vida. Parecia que estava cheirando um ar de casa, sentia como se isso fosse verdade. Mesmo o ar de São Paulo sendo poluído era melhor do que o do orfanato. Não demoramos muito para ficar frente a frente à antiga casa de Ana. Um verdadeiro mausoléu, como uma casa de filme de terror, e o jardim um verdadeiro matagal. Pedro tomou iniciativa e tocou a campainha.
– Oi, quem é? – uma voz soa no interfone.
– Queria falar com a Ana – disse
– Só um minuto, por favor.
Foi o prazo de me virar para Pedro e escuto:
– Merda, tia, você precisa arrumar essa porta – gritou de dentro da casa.
Eis que vejo a cara dela pelo portão de grade. Com um olhar de desdém, ela diz:
– Quem é você? – Sou Bernard, filho de Vera.
– Não conheço Bernard, nem Vera. Deve ser engano.
Assustado, olhei para Pedro, sem reação. Escutamos a porta da casa batendo e a conversa dentro da casa:
– Quem era Ana? (Mãe)
– Uns pivetes pedindo comida. (Ana)
– São Paulo é uma merda de cidade mesmo. Odeio isso daqui. (Mãe).
Lágrimas escorreram dos meus olhos. Como ela podia fazer isso comigo? E ainda me chamar de pivete. A sensação era de ódio e desproteção. Na verdade, mais tarde fui entender que realmente eu seria um pivete.

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Bernard - Agilmar Ferreira
Misteri / ThrillerBernard é uma história de um garoto que após um incidente percebe que a vida não é mais tão fácil como era antes. Ele é obrigado a fazer coisas que sempre julgou errado e perigoso, entretanto, precisava de algum dinheiro para sobreviver. Uma misteri...