Carnaval e seus fins - 4

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Segunda de carnaval – Tarde da noite

A demanda só aumentava, eu não tinha nem tempo para ficar impressionada. Era arte purpurinada atrás de arte purpurinada. Talvez fosse meu ego falando, mas havia grandes chances de eu estar ficando famosa.

As pessoas me gritavam na rua. Mesmo sem saber meu nome. Do nada eu ouvia:

– Ei, menina do gliter!

E eu avistava um rostinho sorridente olhando na minha direção. Em sua maioria eram rostinho sorridentes femininos. E quando eu dava a sorte de ser um rostinho sorridente masculino, nunca era a sorte que eu estava esperando.

Mas eu não podia me concentrar em esperas, eu tinha rostinhos sorridentes para purpurinar.

– Sério, menina, desde o primeiro dia de carnaval que eu te acompanho. E toda foto que eu posto com sua arte é uma chuva de likes. Claro, parte disse tem relação com meu ótimo senso estético, mas a maior parte do mérito é todo seu, de verdade.

– Hm, obrigada, eu acho.

– Não há de quê – a menina sorridente espanou meu agradecimento com a mão. – Aliás, minha tia perguntou se você faz sua arte em festas. Ela vai dar uma festa de arromba no mês que vem. Cinquenta anos, sabe como é, tem que comemorar mesmo. Eu disse que ia pegar seu contato pra passar pra ela, esse é o segundo bloco que eu te caço, por que você anda tão sumida?

– Eu estou sumida? – perguntei com espanto.

Talvez essa fosse a razão do meu problema. Eu passei o dia inteiro pulando de bloco em bloco. Rápidas aparições para purpurinar quem quer que estivesse pela frente e manter os olhos bem abertos.

Mas eu nunca via nada, porque na maior parte do tempo meus olhos estavam presos ao rosto que eu estava maquiando. Era muito difícil enxergar algo significativo além desse perímetro.

E devia ser igualmente difícil para alguém que estava me procurando, porque eu pulava de bloco em bloco antes de alguém ter chance de me achar.

Não que eu achasse que ele estava me procurando. Mas caso estivesse, aí estaria uma boa razão para não ter me achado.

Uma razão que ao mesmo tempo apaziguava e agitava minha imaginação.

Eu não tinha nada que estar imaginando coisas aleatórias com um menino aleatório, que eu mal sabia o nome. Tudo bem que ele se chamava Felipe, mas minha atenção deveria estar primeiramente focada nos três reais que eu receberia pelo meu trabalho, e em segundo lugar, em passar o contato para a festa da tia da Menina Sorridente.

– Ela vai te contatar logo no fim do carnaval, porque agora, imagino, ela deve estar pulando o carnaval como se não houvesse amanhã, muito embora haja amanhã, mas também é o último dia, não sei como vou sobreviver – a menina lamentou.

Eu fiz qualquer movimento com a cabeça que expressasse concordância. Porém, se eu pensasse bem, eu sabia muito bem como iria sobreviver, o carnaval tinha me ajudado a juntar o dinheiro necessário pra pagar meu aluguel e a promessa de festas após o fim dele era a minha esperança de conseguir sobreviver o próximo mês também.

Era para eu estar feliz. Radiante, até. Pulando o carnaval como todos a minha volta. Mas acho que eu estava cansada. Afinal, tinha sido um longo dia: cinco blocos, incontáveis rostinhos sorridentes, era para exaurir qualquer um.

Especialmente essa uma que nunca teve nenhum preparamento físico.

– Vamos embora? – eu falei para Alina.

– Antes de achar o menino surfista? – ela perguntou, quase ultrajada.

– Eu não estava procurando por ele – me defendi.

– Não mesmo – ela concordou. – Mas agora que você já conseguiu o dinheiro do aluguel, amanhã vamos ter o dia inteiro para procurar.

– Alina, eu não...

– E ai dele se a gente não achar – ela disse cheia de entusiasmo, praticamente dando uma bronca no menino que nem sequer estava presente na cena.

Ela claramente estava em seu modo contestadora e eu estava muito cansada para debater.

Até porque, no fim das contas, ninguém sabe o dia de amanhã até a hora que as coisas começam a acontecer.

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Último dia de carnaval (e de conto) se aproximando!

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