Segundas Chances - 2

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Quando toca o sinal do final da aula, Rosana ajuda as crianças a formar uma fila para irem para o pátio encontrar seus pais ou responsáveis, enquanto eu termino de corrigir e guardar o exercício de inglês na pasta de cada um.

Minha mãe dizia que eu amava buscar minha pasta no final do ano e rever todas as atividades feitas, por isso instituí o mesmo método com minhas turmas da Escola Crescer.

Guardo a última folha de papel a tempo de ver Rosana voltar com Bruno e Isabella nas mãos. Pelo relógio, já se passou mais de vinte minutos do horário de saída.

- O que aconteceu? – Pergunto.

- Ninguém veio buscar os dois. O que eu faço?

- Deixe eles comigo e vá para sua aula. – Sorrio.

Rosana é estagiária aqui na escola. Ela ainda está terminando o curso de literatura na faculdade e seu sonho é se tornar professora de português e literatura.

- Obrigada. Até amanhã!

E, com um aceno de mão, ela deixa nós três à sós na sala.

Isabella, como sempre, parece ótima. Ela está brincando com sua boneca e volta e meia faz alguma gracinha para perturbar o irmão, que se senta perto da estante de livros e apenas olha as capas coloridas.

- O que vocês acham de brincar no parquinho? – Pergunto.

- Oba!

Isabella sai correndo na frente, mas Bruno se arrasta e senta em um balanço.

- Não quer brincar com sua irmã? – Pergunto.

Ele nega com a cabeça e volta a encarar um dos livros que pegou na estante.

- Quer que eu leia pra você?

Ele diz que sim baixinho e eu me sento ao seu lado no chão. Abro na página do conto da Raposa e a Cegonha, um dos meus preferidos de quando era criança.

Bruno deixa escapar um sorriso pequeno quando a Cegonha dá o troco na Raposa e responde a moral da história antes mesmo que eu pergunte. É a primeira vez que ouço sua voz, um som tremido e muito tímido.

Ele mesmo passa algumas páginas e pede que eu leia o conto da Lebre e da Tartaruga, mas somos interrompidos por um Ramiro ofegante:

- Professora Bárbara, o pai das crianças chegou. – O inspetor diz, as duas mãos apertando o peito em busca de ar.

- Papai! – Isabella grita, correndo em direção à saída do parquinho, que fica exatamente ao lado do portão da escola.

Do lado de fora, o senhor Antônio está encostado em um carro preto, terminando uma ligação.

- Oi, filha! Se divertiu muito hoje?

Observo a cena de longe.

Observo a cena do portão. O esforço que esse pai faz para esconder das crianças toda a tristeza que eu pude ver em seus olhos no outro dia, me deixa quase emocionada. Ele sorri e pega os dois filhos no colo para abraçá-los.

- E aí, filhão? Brincou muito com a sua irmã?

Quando Bruno não responde, consigo identificar uma centelha de desapontamento no olhar do senhor Antônio.

- Ele está evoluindo. – Sorrio, e depois complemento: – Hoje, depois de semanas, ele me deu a honra de conversar comigo sobre o conto que lemos. Não foi, Bruno?

O menino faz que sim com a cabeça, mas logo esconde o rosto na curva do ombro do pai.

- É sério? – O senhor Antônio pergunta quase animado. – Ele falou com você?

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