Capítulo 2: O homem chamado Bernardo

306 23 4
                                    


Ela via, pelo tremular do bigode do pai e pelo silêncio no carro, que estava encrencada. O pai estava furioso.

— Eu disse para procurar um cavalo — ele falou em um tom assustadoramente calmo, quando cruzaram os portões da fazenda.

— E eu encontrei um cavalo.

— Não, você encontrou um homem estranho que resolveu empregar em meu nome! Pelo amor de Deus, Mariana, o que você tem na cabeça? Ele pode ser um ladrão! Não acha que aquele cavalo é algo demais para um sujeito como ele?

— Não me parece. — Ela deu de ombros — Ele fala muito bem.

Fala muito bem... — O pai fez uma careta.

— Verdade seja dita, em defesa do rapaz, ele tem um português quase perfeito, coisa rara hoje! Até me chamou de "senhorita"! Tem algo mais galante que isso? Quase me senti no século XVIII. Só seria melhor se me chamasse de milady...

— Ah, e lá vamos nós de novo. Livros, Mariana, sua cabeça anda enterrada em livros! Nós não vivemos em uma fantasia!

— Livros são fontes de saber, papai.

Ele fez um gesto vago, descartando o comentário.

— Falando em saber — Ele parou o carro em frente à casa e Leca desceu num pulo, deixando-a sozinha para enfrentar a bronca e provavelmente indo dedurá-la para a mãe —, diga-me, senhorita sabe de tudo, algum de seus livros informou o nome de nosso mais novo empregado?

Mari estreitou os lábios numa fina linha, imaginando como sair dessa. Não encontrou resposta.

— Foi o que pensei. — Leopoldo começou a descer do carro. Ela se apressou para descer também.

— Ele não pode ser tão ruim!

— Estou tentado a mandá-lo embora assim que vier até a fazenda amanhã.

— O senhor não faria isso!

— Claro que faria.

— Mas papai! E quanto ao cavalo? — apelou. Ok, era um golpe sujo.

— O que tem o cavalo?

— Ele não quer vendê-lo, mas falou que podemos conversar. Talvez acabe negociando em troca de poder estar perto dele, deve ser muito especial...

— Mariana, por favor!

— Mas isso é possível, papai. E... — Ela iria apelar de novo? Decidiu que ia — senti que aquele é meu cavalo. Senti que poderia até... sei lá, saltar com ele! Voar! — Ok, estava exagerando, mas seu pai sempre quis vê-la no dorso de um cavalo e ela achou que, afinal, era uma boa hora para usar esse recurso.

Talvez fosse a única chance de usá-lo.

Leopoldo parou um instante, mas logo retomou a caminhada, bufando.

— Decidiremos isso amanhã.

Era um pequeno começo.

Certo?


----

Mari estava se sentindo uma intrusa em sua própria casa, o que era bastante injusto. Marta, sua mãe, seu pai e suas irmãs, Leca e Laura, haviam colocado na cabeça que o homem que ela enlouquecidamente contratara num ato de pura estupidez impulsiva, — e uma dose de curiosidade — era um ladrão-estuprador-psicopata-degenerado que as roubaria, mataria, estupraria — não nessa ordem — e partiria sem deixar rastros.

Majestade: A história do Cavalo BrancoOnde histórias criam vida. Descubra agora