Capítulo 4: O príncipe de Dalriada

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Irlanda — Século VI d.C.

Quando os tempos eram outros e os homens pensavam de forma diferente, havia um reino chamado Dalriada. E também havia um príncipe que comandava seu clã, seus guerreiros, suas terras. Tudo que nascia ou morria dentro de seus limites estava sob seu comando e devia reverência e respeito. Seu nome era Daren e ele não era lembrado, no pouco tempo em que de fato foi lembrado, pela bondade que ia em seu coração. Na verdade, ele era conhecido como Daren, O Sem Coração.

Com o passar dos séculos, Daren foi esquecido, sua linhagem fora apagada como um sopro, nada restara de seu reinado. As ruínas de seu castelo foram ocupadas por outro príncipe e as histórias perderam-se. Muitos reis de Dalriada foram lembrados até os dias de hoje, mas de Daren nem mesmo uma frase restara, ele foi apagado como foi a vontade dos deuses, desde o momento em que provocara a fúria deles.

Mas, antes disso... numa noite chuvosa em Dalriada, no interior da fortaleza de Daren, os homens festejavam. Bebidas eram passadas de mãos em mãos e vozes desencontradas soavam em cantos de sombria alegria. Os caçadores do Sem Coração haviam voltado de uma caçada produtiva e a pele de suas presas enchia o piso com seu esplendor, as brasas das fogueiras esquentavam a carne da sangria que eles agora comemoravam. Não agradeciam ao deus da floresta que lhes fornecera as presas como um sacrifício, mas à sabedoria de suas próprias armas e astúcia dos guerreiros. Daren não estava disposto a dividir as glórias de suas famosas caçadas com divindade alguma. Para ser sincero, ele nem sabia se existia de fato uma divindade em algum lugar, visto que nunca tivera prova concreta da existência de algo assim.

Naquele momento, sentado em seu trono e envolto na grossa pele de lobo, o príncipe bebia da caneca de ouro e observava seus outros troféus espalhados pelas paredes de pedra. Um urso, a galhada de um cervo, a cabeça de um alce, o crânio de dois lobos, entre tantas outras pelagens que não se lembrava mais de onde vieram. Era um colecionador de vidas insatisfeito.

Seus olhos azuis cheios de malícia passaram pelo voluptuoso corpo de sua noiva, que servia mais bebida a um dos convidados, e então pararam sobre o espaço vazio no topo da porta principal. O lugar de honra, o lugar no qual esperava pendurar seu troféu.

Ele cantarolou uma antiga canção sobre sangue de unicórnios, deixando o trono.

Daren soltou a caneca e se aproximou da moça de cabelos ruivos que sorria suavemente para cada homem bêbado que teimava em puxar sua saia, falando uma palavra gentil a cada alma que assim necessitasse. Ela achava que a alma que mais precisava de salvação era a de Daren. Estava certa de que o deus da floresta e a grande mãe não seriam misericordiosos com ele, assim como ele não o fora — e nem era — com seus filhos e filhas selvagens.

Ele pegou-a por trás com um braço forte, rodando-a até que pudesse encostar a boca ávida em seu pescoço. Deidra o empurrou, os olhos cinzentos, límpidos como a água de um lago, cheios de reprovação.

— Aqui não!

— Aqui e onde mais eu quiser — ele respondeu, os olhos azuis devolvendo a ela a mesma frieza. Ele a puxou pelo braço até um espaço escuro, afastado da maior parte da agitação e da bebida, onde as pessoas não os incomodariam.

— Daren, me solte! — ela tentou se desvencilhar dele, mas Daren tinha o dobro de seu tamanho e, a bem da verdade, Deidra o temia. Ela procurou entre a multidão pelo pequeno druida que a acompanhara quando viera para a fortaleza do noivo, mas não conseguiu avistá-lo em lugar algum. Talvez o pobre homem tivesse partido, ela pensou com amargura, depois de tanto avisar a Daren das consequências de seus atos e de ser ignorado, ele certamente não mais ficaria sobre aquele teto.

Majestade: A história do Cavalo BrancoOnde histórias criam vida. Descubra agora