Capítulo 1: Majestade

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Brasil — século XXI

O calor e a poeira da feira faziam Mariana ter vontade de voltar correndo para casa, enfiar-se debaixo de uma boa sombra e reler seu livro favorito, ou simplesmente continuar lendo aqueles três que começara semana passada, mas com todos os programas de babá arranjados pelos pais, estava difícil terminar sequer um capítulo.

— Leca, não! — Ela puxou a irmã pelo pulso antes que alcançasse a traseira do cavalo, fazendo sua irmã mais nova revirar os olhos. Tinha parado de formar grandes sentenças de repreensão, já que jamais eram ouvidas. Comandos simples funcionavam muito melhor e gastavam menos tempo. — Papai, quanto tempo mais o senhor pretende demorar?

— Perdão, o que disse, Amorinha? — Mariana respirou fundo enquanto o outro fazendeiro com quem seu pai conversava olhava para ela com uma cara que refletia perfeitamente seu apelido infantil. "Amorinha". Ela tentou não se irritar, sabia que o pai não fazia de propósito, apenas não conseguia evitar.

Leopoldo, seu pai, criava gado leiteiro e tinha um fascínio por cavalos, o que fazia com que passasse quase todo tempo na fazenda. Mariana, tendo nascido e sido criada no mato, assim como suas irmãs, estava bastante adaptada à tranquilidade daquela vida e não se queixava, mesmo que as livrarias ficassem longe e que o correio demorasse um pouco. Aos vinte anos, ela ainda não sabia ao certo o que queria fazer da vida. Ainda não tinha passado os olhos por uma profissão que fizesse seu coração bater mais rápido. Leopoldo tinha uma firme e inabalável convicção de que ela seria a mão ideal para cuidar de suas terras.

Mari tinha suas dúvidas.

Se alguém lhe perguntasse quem seria a pessoal ideal para administrar a fazenda, ela com certeza defenderia o partido de Letícia, a irmã mais nova. Claro que agora, aos 9 anos, ela não era a mais afável das criaturas, mas dividia com o pai uma paixão que Mari ainda não tinha encontrado.

— Vamos demorar? — Ela suspirou, sentindo o calor grudar na pele e o suor escorrer por baixo da blusa. A feira rural era um lugar bastante animado... mas não para ela. Havia churrasco, peões, barracas de todo tipo de utensílio rancheiro, gado — de todo tipo — cães de lida, fardos de feno, ração, mugidos, relinchos, tilintares, gritos, música muito alta, sol, poeira, cerveja. Ela queria apenas uma sombra e uma boa história.

E silêncio.

Não era pedir muito.

— Vou só negociar mais um lote de cabras e talvez aquele pastor alemão que está me olhando há horas...

— Cabras? — A voz de Mari subiu algumas oitavas. — Não temos cabras!

— Agora teremos!

Mari calculou que o pai demoraria ao menos duas horas nessas negociações. Isso se nenhum amigo o convidasse para ir a algum leilão. Aí ela estaria perdida.

— E eu quero andar no boi manso! — Letícia acrescentou. Mari contemplou a fila crescente de crianças que queriam subir no dorso do imenso boi malhado, calmamente sendo puxado de um lado para outro pelo criador.

— Amorinha, leve sua irmã, por favor. — O pai se adiantou.

— Claro... — Ela tentou soar animada, mas algo deve ter transparecido em sua expressão que alarmou o pai. Ela não queria aborrecê-lo, mas também não queria estar na feira. E sabia muito bem que só tinha ido por insistência dele, e para ser babá de Leca.

Não que ela achasse que Leca precisava de uma babá. Uma coleira talvez...

Leopoldo se aproximou para passar um braço ao redor de seus ombros.

Majestade: A história do Cavalo BrancoOnde histórias criam vida. Descubra agora