Capítulo II - A Pergunta

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Aquele boteco era o confessionário. Eu não era padre, mas passei a escutar as confissões de Athos Magno, o incendiário.

"Acredite em mim, menina, eu sou inocente."

"Acreditar? Sim, mas ainda não ouvi seu lado."

Athos Magno adiantou-se para pedir mais uma cerveja no bar enquanto a tarde avançava sobre nós. Sem as habilidades de repórter, decidi seguir em diante com a primeira pergunta de qualquer jeito.

"O senhor se lembra de tudo o que aconteceu?"

Enquanto servia seu copo, os olhos gentis do velho assassino repousaram sobre os meus.

"Não. Não com tanta clareza, como há dez ou vinte anos. Mas está quase tudo aqui."

Respiro fundo.

"Seria pedir demais um panorama do que aconteceu?"

"Bom, você sabe de toda história. Você deve ter lido no jornal. Me diga você, Nana Medeiros, o que aconteceu?"

Pensei naquele dia, ainda em Brasília, quando me deparei com a matéria no site. Não era somente a história dele, mas sim uma lista com dez crimes bizarros que aconteceram em Goiás nos anos 70. Lembro também que, em outra aba do navegador eu pesquisava os preços de um cursinho.

"Um homem", comecei assim, sem querer acusá-lo "Foi preso, em 1972, depois de queimar três pessoas, no intervalo de uma semana. As vítimas eram o Coronel Lionel Caldeira, sua mulher, Laura Caldeira e uma empregada doméstica que morava na casa deles, Suzana Diolinda. É o que sei."

O velho sorriu. Que louco faria isso? A leve tremedeira nas pernas havia cessado, mas agora voltava a acometer-me. Servi-me de mais um gole de coragem enquanto Athos preparava sua resposta.

"Sim, sim. Isso é o que você leu nos jornais. Não seria bobo de dizer que isso está errado. O velho coronel morreu queimado em seu carro. Cerca de uma semana depois, Laura também se foi, dentro da casa dos Caldeira. Uma pessoa havia queimado aqueles pobres, ainda vivos."

"E o que você fazia?"

"Eu era da polícia."

Muita informação. Parei por alguns segundos. Ele continuou.

"Sim, menina, eu era da polícia. Eu conhecia o coronel de perto. E, em outra circunstância, também conheci Laura Caldeira."

Percebi que havia esquecido alguém.

"E...Diolinda?"

Athos Magno parou. Os olhos, tão gentis, tornaram-se inesperadamente confusos. O semblante todo daquele homem parecia contorcer-se dentro dele, evitando a resposta. Não precisei anotar no meu caderno que Suzana Diolinda era alguém importante para essa história. Só depois de um breve tempo de relutância foi que o velho tratou de responder.

"Diolinda foi a última a morrer. Por hora, é isso que você precisa ter em mente."

Athos Magno virou todo o copo de cerveja e, ao retorná-lo à mesa, colocou a boca para baixo, sinalizando sua intenção.

"Menina, ainda precisamos conversar mais. Mas não será hoje. Me perdoa, mas esse velho precisa ir."

Como aquelas ideias que surgem sem dar pistas de onde vieram, uma informação me veio à mente. Num surpreendente lampejo de coragem, me arrisco a mais uma pergunta.

"Sr. Magno eu tenho mais uma pergunta, o senhor se importa em responder?"

O velho já havia levantado-se da mesa e revirava a carteira atrás de um trocado para me dar pela cerveja.

"Diga, menina."

"Se o senhor é inocente, porque nunca tentou uma defesa, naquela época?"

Athos sorriu, mas só de canto.

"Essa era a pergunta pela qual eu estava esperando, menina. É aí que essa história fica um pouquinho mais...incomum. Nos encontramos aqui, amanhã?"

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