Capítulo VIII - O Velho Trailer

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"Eu percorri quilômetros à pé aquela noite, Nana. Sim, eu andei a cidade inteira atrás daquele homem. Eu queria agarrá-lo como uma leoa agarra uma gazela. Não apenas pela morte de Laura, não. Dona Laura foi uma luz fugaz, que apagou-se tão rapidamente como se acendeu em meu coração. Mas ele tinha Suzana, eu sabia."

Athos sorveu-se de um gole maior do que o copo encerrava. Pediu mais cerveja, no que foi prontamente atendido. O velho sabia beber.

"O homenzinho careca foi indo, andava sem olhar para trás, e eu o segui, usando a penumbra daquela noite nublada como disfarce. A perseguição nos levou aos limites da cidade. Depois de mais de uma hora andando, o homem entrou em um velho trailer, daqueles que haviam na época. O veículo era bege e marrom, bastante imundo, não sabe? E eu não sabia bem o que fazer. Esgueirei-me para perto do veículo, logo após a sua entrada. As cortinas das janelas estavam puxadas, de modo que eu nada via. Mas pude ouvir."

Nesse momento, Athos fez uma pausa. Mais um gole. E outro. Então continuou.

"Suzana estava lá. Suzana Diolinda. Ela dizia 'Não faça isso, Isaac. Pelo amor de Deus, não faz isso'. Meus pensamentos dançavam freneticamente. O que o vagabundo estava fazendo com ela? Senti a arma no coldre me chamar. Empunhei-a, com o coração brigando pra sair do peito. Era a hora."

Aqui, Athos fixou seus olhos no meu. Eu poderia jurar ter visto um começo de sorriso.

"As coisas ficam embaraçadas. Entrei chutando a porta. O homem apontava uma arma para Suzana, amarrada e ajoelhada, no outro canto do trailer. Ele dispara. Eu também. O tiro dele faz Diolinda entrar em chamas. Tudo dura um segundo. Meu tiro acerta-o no peito. O trailer começa a pegar fogo. O homenzinho sangrava no chão, mas estava longe de estar morto. Mesmo deitado, ele tira um relógio de corrente do bolso. Eu estava desesperado, tentei salvar Diolinda. Juro, eu tentei. Eu daria a minha vida por isso, eu juro, eu daria! Mas foi tudo muito rápido. Muito, muito rápido, menina. Não era um fogo comum, era um fogo demoníaco. O fogo consumiu-a de imediato. Suzana morreu. Arrastei o corpo do homem para fora. Eu queria vingança, mas também queria resposta."

Nesse momento, Athos levantou, fez como quem aponta uma arma fictícia para quem estava no chão.

"Apontei a arma para a cabeça lisa e branca do filha-da-puta, eu queria acabar com a vida daquele merda. Mas ele disse 'Jovem Athos, você chegou bem a tempo' e cuspiu sangue. 'Eu esperava que nosso encontro fosse intenso, mas você nunca está verdadeiramente preparado para morrer, não é?' ele disse."

Athos fazia o gesto de uma arma em suas mãos enquanto encenava aquela cena ridícula.

"Ele tinha algo no olhar, Nana, ele tinha. 'Athos, não temos muito tempo, então escute tudo com atenção. Eu vim do futuro. Sou de 2089.' E o homem tossia. 'Uma praga, um vírus, vai disseminar toda essa região. Um vírus terrível, que começa com Laura Caldeira e termina com todos que tiveram contato com ela. E toda a linhagem que viria a seguir. Por isso ela teve que morrer, entende?' O homem dizia, mas a imagem de Suzana virando cadáver na minha frente gritava mais alto. 'Eu vou te matar, desgraçado, eu vou te prender e vou te matar!' eu dizia, sem saber direito o que falar. 'Escute, Athos, é muito importante. Lionel Caldeira e sua esposa deveriam morrer, e também Suzana. São três, quatro, comigo, que morrem para salvar milhares'. Mas eu não me contive. 'NÃO! Seu degenerado da desgraça!', disse enquanto chutava seu estômago, fazendo o moribundo morrer mais rápido."

Dessa vez, quem tomou um gole mais fundo fui eu.

"Mas havia algo, errado. A mente dizia algo, mas o cheiro da cena me contava uma história diferente. 'Athos, não tenho mais tempo.' E, nisso, ele tirou um envelope e me deu. 'Faça tudo como está aqui, homem. Tudo. O futuro de milhares de pessoas depende disso. Muitos não conseguiram. A cada tentativa, aretrohistória nos contava que outros viajantes haviam tentado voltar no tempo. A cada vez, alguém morria e mudava todo o curso da história no tempo. Eu sou só mais um, em quinze, vinte, quinhentos mil viajantes. A toda hora, uma realidade paralela se abre, na qual a humanidade segue por um caminho levemente diferente. Mas com os esforços de todos, podemos alterar tudo, Athos. E tudo foi calculado para que eu estivesse agonizando e você aí. Aproxime-se'. E eu me aproximei."

Athos volta a sentar, puxa a cabeça e enxuga o suor da testa.

"E o que ele fez em seguida, Magno?"

Athos me olhou nos olhos. Dessa vez eu pude ver claramente o sorriso.

"Ele encostou sua mão sobre a minha. O torpor da situação e o absurdo do relato do homem careca, Isaac, como Suzana gritou, me levaram a um estado no qual a frieza do pensamento teimava em me abandonar. E então ele fechou os olhos, imediatamente eu fui transportado para algum lugar e a todos ao mesmo tempo e assim eu pude ver."

"O que você viu?" a pergunta sincera não encerrava tudo o que eu gostaria de descobrir.

"Eu vi o futuro. Eu vi as pessoas morrendo pela praga. Eu vi tudo, Narjara. Eu entendi que deveria assumir a culpa por tudo, e aguardar na prisão. Eu havia de esperar pela hora certa, solitário, sempre solitário. Eu vi o mundo cair. Eu vi o homem mandar mais de mil viajantes no tempo, e a história, como um elástico, insistia em voltar para a posição inicial, apesar de sempre mais frouxo. E eu vi como eu poderia ajudar a arrebentar de vez a linha do tempo, de modo que as pessoas dessa região nunca vissem a praga, mesmo que para isso eu devesse morrer em desgraça. Eu tive a chance de fazer a coisa certa, eu estou fazendo. Eu vi tudo, tudo, Narjara. Eu vi meu futuro. E o de milhares de pessoas."

E no último gole, ele matou a cerveja.

"Eu vi você."

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