Capítulo VII  -  O Último Bar

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Athos era inocente ou louco. Mas se você está louco, de que importa a verdade?

Tanto detalhe, tantas informações. Até aqui, Athos poderia ter matado o Coronel e sua esposa. O primeiro, por ciúme. A outra, para acobertar seu crime. Isso faria sentido? Não sei. Não sou polícia, sou escritora.

Naquela noite voltei pra casa com mais cobranças chegando no celular.

O namorado com raiva da minha ausência, a mãe preocupada com o meu futuro. Não respondi nenhum dos dois. Agora, eu só me importava com aquela história, o futuro eu deixo pra depois.

Até então, duas pessoas já haviam morrido. Mas faltava a última peça do quebra-cabeça: Suzana Diolinda. A galega que era dona dos pensamentos do velho Athos. Onde ela estava, naquele momento da história? Será que foi ela quem arquitetou tudo isso? E com que motivos? Não sei. Uma historia de investigação é mais difícil de se escrever do que eu imaginava.

No dia seguinte, acordei com o café da manhã do Trípoli melhor do que nunca. Fui dar uma volta pela cidade. O clima estava agradável naquela cidadezinha: morte certa na exposição ao sol. Nada que um protetor solar não pudesse dar conta.

Passei o dia conversando com pessoas daquela cidade. O seu José, um velho, jornalista, não receou em amaldiçoar Athos Magno. Dona Josefa, antiga dona do bar da esquina, não mediu palavras para descrever a bondade do Coronel e a safadeza de Athos Magno, o "Incendiário dos Anos 70".

Mas ainda havia alguém.

Numa casinha de paredes azuis lavadas, uma senhorinha se escondia. Ela já tinha idade avançada, o que não a impediu de ter uma conversa agradável regada a café ralo. Dona Iara morava na rua quinze, palco de coisas estranhas na década de 70.

"Dona Iara, a senhora lembra-se da morte do coronel Lionel e de sua esposa?"

"Ô, menininha, e porquê não havia de me alembrar? Foi o causo mais doido dessa cidade."

Suas palavras saiam muito próximas uma das outras, mas consegui acompanhar.

"Tinha nessa ruazinha uma galega. Diolinda, se minha memória ainda funciona. Depois que seu Lionel morreu, o Coronel, a menina entrou pro seu barraco e de lá não mais saía."

Suzana Diolinda. O que você esconde? A velhinha continua.

"Mas aí, minha filha, Laura também falece. Eu me lembro sim. E então, um moço começa a frequentar a casa da Diolinda. Um moço estranho. Um careca, de roupas estranhas. Ah, isso eu me lembro, filha. Se tivesses esses negócios de telefone, até foto eu tinha."

E deu uma leve gargalhada. Eu ri também, mas só por fora. Por dentro, eu era ventania.

O mesmo homem estranho.

Então, saindo daquela casinha azul, não consegui evitar um pensamento ridículo.

"O careca é o Incendiário."

Naquela noite fiquei no hotel. Anotei tudo o que estava em minha cabeça, na esperança de que as palavras materializadas na tela trouxessem a solução mágica desse caso. Como estava enganada.

Encontrei Athos no bar da Vanessa, logo após o almoço. O velho me olhava como uma amiga íntima e distante. A história estava se acabando, será que ele já sentia saudade da nossa pequena viagem ao passado?

Enquanto Vanessa trazia uma cervejinha para nossa mesa, Athos Magno começou a falar.

"Vamos jogar um jogo? Se você pudesse fazer algo, algo que seria completamente ruim para você, mas que pudesse salvar alguém. Você o faria?"

É um teste, claro. Mas não sei a resposta certa.

"É um conhecido? Um parente? Sim, talvez. Alguém desconhecido? Não sei."

Athos riu de mansinho.

"E se você pudesse salvar milhares de pessoas. Milhões, talvez? Pessoas que você não conhece. Ora, Jesus fez isso, não é?"

"Seu Magno, eu não sou muito religiosa. Não sei mesmo."

Athos endireitou-se na cadeira. A empolgação com o enigma que ele havia me proposto passara.

"Depois da morte de Laura, as coisas começaram a complicar para mim. Mais cedo ou mais tarde, alguém apontaria um dedo sujo para mim, me acusando do assassinato dos Caldeira. Não seria tão absurdo, não é?"

Athos deu uns goles em sua cerveja e continuou.

"Mas eu fui ver. E fui atrás de Diolinda. Voltei a perguntar nas casas, mas ela nunca parecia estar em casa quando eu ia. Os vizinhos não sabiam se ela estava confinada lá ou se havia saído de vez. Então eu comecei a vigiar tudo mais de perto. Seguia cada pista, menina. Não havia nenhuma vendinha na cidade que ficou sem minha vigília. Até que um dia, saindo da praça central, eu o vi."

O velho virou o copo de cerveja e levantou o olhar para o teto do bar, como quem, lentamente, retoma uma imagem antiga e dolorosa.

"Você pode ficar até um pouco mais aqui na mesa de bar? O papo vai durar."

Não pensei duas vezes.

"Posso. Deixa eu só pedir algo pra comer."

Depois do meu pedido, Athos continuou.

"O homenzinho, esse, que eu avistei, ele era mais baixo que eu. Roupas brancas e esquisitas, diferentes do que se usava na época. A cabeça era de uma lisura só, sem um fio de cabelo naquela careca. Mas havia algo mais, menina. E agora, nesse momentinho, eu peço um pouco de atenção."

Mais um gole na cerveja recém posta na mesa.

"Esse homem, Nana Medeiros, ele não era daqui, nem era de outro lugar. Para te contar tudo preciso que você preste atenção e não zombe de mim. Você teria um tempinho para falar sobre viagem no tempo?"

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