Capítulo II

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Pedro e Maria, no entanto, numa felicidade de novela, iam descendo a Itália, a pequenas jornadas, de cidade em cidade, nessa via sagrada que vai desde as flores e das messes da planície lombarda até ao mole país de romanza, Nápoles, branca sob o azul. Era lá que tencionavam passar o inverno, nesse ar sempre tépido junto a um mar sempre manso, onde as preguiças de noivado têm uma suavidade mais longa... Mas um dia, em Roma, Maria sentiu o apetite de Paris. Parecia-lhe fatigante o viajar assim, aos balouços das caleças, só para ir ver lazzaroni engolir fios de macarrão. Quanto melhor seria habitar um ninho acolchoado nos Campos Elíseos, e gozarem ali um lindo inverno de amor! Paris estava seguro, agora, com o príncipe Luiz Napoleão... Além disso, aquela velha Itália clássica enfastiava-a já: tantos mármores eternos, tantas madonas começavam (como ela dizia pendurada languidamente do pescoço de Pedro) a dar tonturas à sua pobre cabeça! Suspirava por uma boa loja de modas, sob as chamas do gás, ao rumor do Boulevard... Depois tinha medo da Itália onde todo mundo conspirava.

Foram para França.

Mas por fim aquele Paris ainda agitado, onde parecia restar um vago cheiro de pólvora pelas ruas, onde cada face conservava um calor de batalha, desagradou a Maria. De noite acordava com a Marselhesa; achava um ar feroz à policia; tudo permanecia triste; e as duquesas, pobres anjos, ainda não ousavam vir ao Bois, com medo dos operários, corja insaciável! Enfim demoraram-se lá até a primavera, no ninho que ela sonhara, todo de veludo azul, abrindo sobre os Campos Elíseos.

Depois princípiou a falar-se de novo em revolução, em golpe de estado. A admiração absurda de Maria pelos novos uniformes da garde-mobile fazia Pedro nervoso. E quando ela apareceu grávida, ansiou por a tirar daquele Paris batalhador e fascinante, vir abrigá-la na pacata Lisboa adormecida ao sol.

Antes de partir porém escreveu ao pai.

Fora um conselho, quase uma exigência de Maria. A recusa de Afonso da Maia ao princípio desesperara-a. Não a afligia a desunião domestica: mas aquele não afrontoso de fidalgo puritano marcara muito publicamente, muito brutalmente, a sua origem suspeita! Odiou o velho: e tinha apressado o casamento, aquela partida triunfante para Itália, para lhe mostrar bem que nada valiam genealogias, avós godos, brios de família — diante dos seus braços nus... Agora porém que ia voltar a Lisboa, dar soirées, criar corte, a reconciliação tornava-se indispensável: aquele pai retirado em Benfica, com o rígido orgulho de outras idades, faria lembrar constantemente, mesmo entre os seus espelhos e os seus estofos, o brigue Nova Linda carregado de negros... E queria mostrar-se a Lisboa pelo braço desse sogro tão nobre e tão ornamental, com as suas barbas de Viso-rei.

— Dize-lhe que já o adoro, murmurava ela curvada sobre a escrivaninha acariciando os cabelos de Pedro. Dize-lhe que se tiver um pequeno lhe hei de pôr o nome dele... Escreve-lhe uma carta bonita, hein!

E foi bonita, foi terna a carta de Pedro ao papá. O pobre rapaz amava-o. Falou-lhe comovido da esperança de ter um filho varão; as desinteligências deviam findar em torno do berço daquele pequeno Maia que ali vinha, morgado e herdeiro do nome... Contava-lhe a sua felicidade com uma efusão de namorado indiscreto: a historia da bondade de Maria, das suas graças, da sua instrução, enchia duas paginas: e jurava-lhe que apenas chegasse não tardaria uma hora em ir atirar-se aos seus pés...

Com efeito, apenas desembarcou, correu num trem a Benfica. Dois dias antes o pai partira para Santa Olávia: isto pareceu-lhe uma desfeita — e feriu-o acerbamente.

Fez-se então entre o pai e o filho uma grande separação. Quando lhe nasceu uma filha Pedro não lho participou — dizendo dramaticamente ao Vilaça "que já não tinha pai!" Era uma linda bebê, muito gorda, loira e cor de rosa, com os belos olhos negros dos Maias. Apesar do desejo de Pedro, Maria não a quis criar; mas adorava-a com frenesi; passava dias de joelhos ao pé do berço, em êxtase, correndo as suas mãos cheias de pedrarias pelas carninhas tenras, pondo-lhe beijos de devota nos pesinhos, na rosquinha das coxas, balbuciando-lhe num enlevo nomes de grande amor, e perfurmando-a já, enchendo-a já de laçarotes.

Os Maias (1888)Onde histórias criam vida. Descubra agora