História de Pescador

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Na adolescência fui vizinho de uma pessoa espetacular, entre várias virtudes era mineiro e pescador. Desde esta época me fascinava ver todo o equipamento e conhecimento que ele possuía. Alguns meses após formado pude realizar o sonho de comprar equipamentos ao menos semelhantes ao dele.

Comprei duas boas varas de fibra de carbono, uns dois molinetes e uma carretilha, assim como diversos tipos de linhas, anzóis, chumbadas, boias, e não poderia faltar as iscas de várias cores e modelos. Eu tinha até umas minhocas de silicone, que eram tão perfeitas, repugnantes, pegajosas e fedorentas. Confesso que não sabia usar nem metade do que tinha, mas gostava que as pessoas pensassem que eu era expert.

Próximo da localidade onde trabalhava havia uma família de um grande proprietário de terras chamado Coronel Tomás. Certa vez o perguntei se ele achava —se rico e respondeu: "eu só vou me considerar rico quando tiver dinheiro para comprar arame para cercar as minhas terras", dizia todo convencido. Ele soube que eu gostava de pescar e me chamou para conhecer um dos açudes de sua propriedade. A barragem era utilizada como um criador tambaqui, um peixe da Amazônia, conhecido por atingir tamanho e peso de um homem adulto.

Ele me advertiu para levar equipamento pesado, pois lá existiam peixes grandes e só pescavam no lago as pessoas que ele autorizava. Separei uns anzóis de aço inoxidável para pescaria pesada e quando o sábado chegou fui com Miguel.

Levei umas iscas artificiais e rações específicas para peixes. Ao chegarmos lá os moradores disseram que eles estavam acostumados em comer banana. Não dei muita atenção. Não acreditei.

— Miguel vou ficar por esta sombra.

— Tudo bem. Vou mais ali para cima — disse ele se posicionando sobre um barranco.

Eu estava sendo comido vivo pelos mosquitos sem sequer ter jogado a primeira linha na água. Fui até a beira, peguei um pouco da lama e passei nas pernas. Fiquei lambuzado mas melhorou um pouco.

Por quase meia hora nada de fisgadas. Algo estava errado. Decidi seguir o conselho do morador. Peguei uma banana não muito madura e fatiei com casca e tudo. Coloquei no anzol e joguei na água. Estava segurando a vara de forma errada e a linha passava por baixo da palma de minha mão esquerda. De repente uma fisgada, e forte!

O solavanco quase me fez cair para frente, o atrito da linha queimou minha mão, uma dor em tanto! Mas segurei e gritei.

— Miguel, peguei um. — Disse todo confiante achando que eu o tinha pego, mal sabia eu que ele foi quem me pegou.

Antes mesmo que Miguel respondesse o peixe monstro levou 80 metros de linha em questão de segundos. Não tive como brigar com ele, tentei puxar a linha, mas ele a levou toda e quando chegou no fim do molinete arrebentou e desapareceu nas águas escuras.

Fiquei com cara de besta.

— Miguel. — Gritei.

— O que foi Adriano?

— Pelo amor de Deus Miguel. Aqui só tem tubarão. Desce homem, se você fisgar um ele te derruba daí de cima.

Quando já havíamos perdido três linhas eu decidi que não perderia mais nenhuma. Preparei uma de 200 metros com o chicote — a parte onde fica preso os anzóis — com 1 metro de uma linha de aço revestida de PVC, afinal tambaquis têm dentes bem afiados, lembram até dentes incisivos humanos.

— Vou até aí Miguel.

Subi o barranco onde ele estava e vi que ali possuía uma visão melhor do espelho d'água. Arremessei e fui trazendo lentamente. Repeti isso umas quatro ou cinco vezes quando senti outra fisgada forte. Desta vez eu tinha linha. Foi uma briga em tanto, o peixe corria quase toda a superfície do lago, eu puxava ele voltava, até que cansou e ficou meio que boiando virado de lado.

Desci o barranco e o puxei devagar até a margem. Não queria arrebentar mais uma linha. Deu certo, conseguimos tirá-lo da água. Este era pequeno, pesava uns 7 a 8 kg. Fiquei só imaginando quanto deveria pesar o primeiro que quase me puxou para dentro d'água.

Neste momento se aproximou um dos moradores.

— Doutores... vamos almoçar? Coronel Tomás está chamando os dois.

— Vamos sim. Vou recolher as coisas e vamos indo.

A casa do Coronel Tomás ficava mais no alto, uns 400 metros da lagoa. Estávamos satisfeitos demais com a pescaria. Ao chegarmos na varanda estava ele, sentado à uma mesa de madeira com um litro de cachaça numa das mãos e na outra um copo.

— Estão servidos?

— Não obrigado. — Respondeu Miguel. Ele até gosta de uma cachacinha, mas a garrafa estava sem rótulo e não quis arriscar.

Eu soube que Tomás, embora tivesse uns 50 anos bebia desde a adolescência, e atualmente não ingeria menos do que um litro por dia. Eu olhava para aquele homem e me vinha uma certeza que sua vida seria abreviada devido suas próprias opções.

— Então vamos almoçar. — Disse levantando e nos levando para uma varanda na parte de trás da casa junto à cozinha.

Sentamos à mesa e nos foi colocado um papelão com um prato típico cearense feito com fava, tripas e bucho. Miguel se esbaldava enquanto eu catava um ou outro caroço, nunca fui fã deste tipo de comida. Miguel, ao contrário, era acostumado a frequentar o Bar da Fava em João Pessoa.

— Oxe! — Interrompeu Coronel Tomás e veio em minha direção. — Parece que o doutor não gosta de papelada.

— Não. Gosto sim. — Tentei disfarçar, mas não fui convincente.

— Não senhor. Diga o que o senhor gosta e nós preparamos rapidinho. — Sem sequer me dar tempo de responder emendou outra pergunta. — Gosta de capote?

No Ceará, capote é a mesma coisa que Galinha de Angola e na Paraíba chama-se também de Guiné. Eu realmente gosto muito e não tive como disfarçar.

— Gosto sim...

Antes se terminar a frase, Tomás puxou uma espingarda, não sei de onde, nem tinha percebido que estava com uma e atirou em direção a vários capotes que passavam por perto. Acertou de primeira.

— O segredo para matar um capote é acertar na cabeça. — Disse gabando-se.

Rapidamente prepararam o capote e ficou delicioso, mas mesmo que não tivesse ficado eu havia ficado impressionado demais com a pontaria do Coronel Tomás, pois mesmo depois de um litro de cachaça acertou a ave bem na cabeça.

Levamos o peixão para casa, que por sinal ficou delicioso frito. Infelizmente não estávamos com nada para fotografar o peixe no ato, e até hoje acham que foi "história de pescador", mas juro que foi verdade.


***

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Memórias de um Médico no SertãoWhere stories live. Discover now