Recepção

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Saímos de João Pessoa bem cedo, por volta das cinco da manhã. Fomos por Natal, passando por Açu e Mossoró, que aliás me admirei com o calor. Paramos para abastecer e fui ao banheiro lavar o rosto na tentativa vã de me refrescar um pouco.

A água que saia das torneiras era quente, melhor, pegando fogo. Pensei até que era aquecido artificialmente, mas olhei para os lados e não vi nenhum equipamento. Ao sair vi Miguel escorado no carro esperando terminar de encher o tanque.

− Porra Miguel, a água daqui é quente!

Miguel já conhecia aquela região como ninguém, já passou diversas vezes por aquela estrada quando ia visitar os parentes no Ceará. Só ouvia sua gargalhada alta.

− Mossoró é conhecida por suas águas termais. Qualquer que seja a estação do ano as águas são quentes. Logo a frente existe um hotel com nome Termas justamente em associação as condições únicas da região.

− Cara, mas é muito quente!

Seguimos nossa viagem sempre olhando os mapas, na época não existia GPS como hoje, almoçamos em Fortaleza e decidimos seguir viagem para chegarmos antes do Entardecer. Paramos em algumas localidades na estrada para tomarmos um café e sempre perguntávamos se Marco estava longe, para nossa surpresa as pessoas não sabiam onde ficava esta cidade.

Chegando em Umirim, paramos novamente e vimos algumas pessoas sentadas numa praça.

− Meu senhor! − Gritei tentando chamar atenção de um deles. Todos olharam em nossa direção e um homem alto e magro levantou e veio em nossa direção.

− Opa moço! Em que posso lhe ajudar.

− Estamos indo para Marco e queria confirmar se o caminho é por aqui mesmo!

Aquele homem alto olhou para os lados como se procurasse a resposta e com a mesma mão afastou ligeiramente seu chapéu para trás e coçou a cabeça.

− Não sei dizer não moço, não conheço. − Enquanto falava olhava para trás como se pedisse ajuda aos amigos, e todos faziam gestos de negação.

− Obrigado amigo! − Agradeci tentando voltar aos meus mapas da estrada. Vi que no caminho havia uma outra cidade, aparentemente maior que já havia visto algumas vezes na TV. − E Itapipoca é por aqui?

− Ah! Itapipoca eu sei onde fica, o senhor sai da BR na primeira a direita. É todo asfalto até lá. − Animou —se o homem.

− Obrigado! Vamos em frente!

Na minha mente só passava o pensamento de como deveria ser pequena a cidade que estávamos indo, pois embora constasse no mapa, até aquele momento ninguém a conhecia. Mas tudo bem. Passamos da entrada de Uruburetama, por Itapipoca, Tururu, Amontada e avistamos a primeira placa indicativa da cidade que estávamos indo.

"Marco — 35 km"

Realmente ela existe. Estávamos perto. Passamos numa localidade chamada "Triângulo de Marco". Restam apenas 7 km e o sol já começava a se por.

Chegamos na entrada da cidade, "não pega celular, droga!". Cidade pequena tem suas vantagens, quem não conheceria o secretário de saúde? Conseguimos chegar direto na frente de sua casa, paramos o carro e descemos, batemos na porta e um homem aparentando uns 35 anos, calvo veio até a porta.

− Estamos procurando Valdo.

− Sou eu. Vocês são os médicos?

− Sim somos. − Respondeu Miguel. − Acabamos de chegar.

− Caramba! Vocês vieram mesmo! Lá da Paraíba! − Parecia não acreditar Valdo, enquanto gesticulava para que entrássemos. − Vocês são bens novos, acabaram de ser formar não?

− Sim. − Respondi. − Só faz 4 meses que colamos grau.

− Sejam bem-vindos! − Neste momento já estávamos sentados à mesa e ele nos servia um liquido amarelado que estava numa garrafa sem rótulo. Sem saber o que era e cheirei o liquido que tinha um cheiro levemente adocicado.

− Isso é Cajuína, nosso produto da região. Não tem álcool nem açúcar, feito com o cozimento do suco do caju.

Provei e confesso que não gostei de primeira, mas olhava para Miguel que tomava com o maior prazer do mundo. Terminei meu copo, mas o segurei para não ter o risco de repetir.

− Vocês vão ficar, a princípio, no Hotel Municipal por conta da prefeitura enquanto procuram alguma casa para alugar.

Fomos ao hotel, bem simples, mas aconchegante e no momento a coisa que mais queria era um banho e descansar, afinal foram mais de 12 horas de viagem. Nos deram para cada um quarto, me sentia importante, até pouco tempo atrás, quando estudante, tudo era dividido, mas agora tinha um quarto só para mim.

Por volta das 20 h estava com fome, o recepcionista me indicou uma pizzaria que ficava ao lado da praça da prefeitura, fomos a pé mesmo, eram apenas 3 quarteirões de distância. A cidade possuía algumas ruas bem estreitas e outras um pouco mais largas, algumas mal passariam dois carros lado a lado, imaginei ser a parte mais antiga da cidade. Enquanto andávamos eu olhava em direção das casas, a sua maioria geminadas e sem jardins, em busca de alguma placa de aluga —se.

− Miguel. Percebe que não vemos uma placa de aluga —se? Acho que teremos que dar um bom giro na cidade amanhã e começarmos a procurar.

− Estava percebendo isso, mas deve existir alguma.

Chegamos na pizzaria, o cardápio só possuía 4 sabores. Calabresa, Muçarela, Mista e Bolonhesa. Fomos na Calabresa mesmo! Enquanto esperávamos, vimos um grupo de jovens, uns quatro ou cinco deles conversando em roda do outro lado da praça e tive a ideia de ir até lá e perguntar sobre alugueis. Deve existir alguém conhecido na cidade por alugar casas.

− Boa noite pessoal. − Disse enquanto me aproximava. − Vocês sabem dizer de alguma casa para alugar por aqui?

Por alguns instantes eles conversavam entre si como se decidissem ou lembrassem o nome de alguém.

− Moço, tem umas pessoas que alugam aqui, uns comerciantes geralmente alugam a parte de cima. Talvez Gilmaro, seu Zé de Fátima...

Antes que o rapaz terminasse sua resposta, senti que alguém, que não fazia parte do grupo, escorou —se em meu ombro direito e parecia estar caindo. Num reflexo estendi as mãos e consegui segurar a pessoa junto com um dos rapazes da roda de amigos. Era uma moça loira e bonita, não aparentava mais que 17 ou 18 anos de idade, olhou para mim e disse.

− Prazer Betânia.

Ela havia simulado uma queda e usado como artifício para se apresentar, fiquei meio paralisado, não estava acostumado com isso. A garotada rindo. Percebi que a moça já estava devidamente equilibrada sobre os dois pés e voltei a mesa onde estava Miguel. O safado mal continha o riso.

− Você viu aquilo Miguel?

− Cara... que descarada! Deve ser ruim do juízo!

Realmente aquilo seria o presságio que muitas histórias ainda estariam para acontecer naquela pequena cidade do interior do Ceará, às margens do Rio Acaraú.    

***

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Memórias de um Médico no SertãoWhere stories live. Discover now