Capítulo I

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Belowood distante de tudo que poderia se dizer que ainda estava longe. Uma cidade que parecia morta literalmente isolada da sociedade, a cidade mais próxima ficava tão longe que para chegar até ela teria que se andar meses sem parar. Era pequena não tinha muitas ruas, nem muitas casas, era o bastante para o povo que um dia habitou ali, no total poderia se contar no máximo dez ruas, com alguns comércios como uma loja de conveniência, um posto de gasolina que não tinha combustível a anos, um hospital completamente abandonado com as janelas quebradas, as portas já não fechavam mais, poderia se rodar um filme de terror só dentro deste hospital que seria sucesso de bilheteria.

Na cidade existia uma loja de armas, com todo o tipo de arma possível, com uma sala repleta de munições, pelo fato de ser uma pequena cidade eles sempre tinham o cuidado de se manterem seguros contra qualquer um que viesse de fora para os roubar, ou fazer coisa pior. As casas feitas de madeira já velhas com as varandas repletas de flores mortas dando um aspecto tão fúnebre para a cidade, que poderia dizer que não existia nem população de formiga ali.

Mas essa seria uma afirmação falsa, por mais que ali não tivesse muitas coisas para se fazer, nem sinal de vida, por algum motivo ainda era abastecida com energia e não muito longe existia uma nascente que levava água até um lago, de onde eram desviados canos que entregavam água em todas as casas, sem falar que os alimentos não se perdiam, iam acabando aos poucos, tinham o prazo de vencimento longo, a maioria eram plantados ali mesmo em um canteiro que o povo da cidade havia feito. Tudo ali na cidade parecia que exalava vida mesmo parecendo morta.

Em meio ao silêncio que se fazia na cidade pode se escutar o ranger da proteção que existia na porta de uma casa, esta abriu dando passagem a uma garotinha que tinha lá seus 16 pra 17 anos de idade, que caminhava como se a cidade fosse apenas dela e realmente era apenas dela, não existia mais ninguém na cidade, estava sozinha ali vivendo e cuidando da horta que os antigos deixaram.

Victoria Lorenzo era seu nome, o sobrenome não faria a diferença, não ali afinal não tinha mais ninguém na cidade. Seus passos eram tão calmos, que o som dela pisando no passeio cheio de terra acumulado pelo tempo, era como instrumentos tocando uma bela canção, sua botinha marrom cobria seus pés, uma calça que não passava da canela estava enfeitada com flores rosas, e a blusinha branca com detalhes de flores também estava a cobrir o corpo da menina, que usava um chapéu de palha como o que sua avó usava e completando seu estilo, uma espingarda calibre 12 apoiada no ombro sendo segurada por apenas uma das mãos, enquanto a outra ia tocando pelos bancos de madeira e metal que ainda enfrentava o tempo ali resistindo ao castigante clima da cidade, além de alguns postes que ela encontrava pelo caminho.

Mesmo que ainda muito jovem ela vive em Belowood a muitos anos ela já sabe atirar e consegue se defender muito bem, além de conhecer a cidade como se fosse seu próprio corpo. Cada canto que seus olhos passam durante seu caminhar ela já conhecia, alguns ela preparou para uma eventual necessidade pudesse usar a seu inteiro favor, uma garota precavida que soube se cuidar durante anos sem precisar da ajuda de ninguém. Por saber que estava sozinha ali ela pegava algumas pedras que com um pouco de mira conseguia lançar através dos marcos das janelas, ou dos espaços onde faltava um pedaço do vidro, continuando a caminhar, sem animais na cidade nem qualquer outra forma de ser vivente, tirando, claro, as minhocas que tinham na horta da cidade que por sinal ficava bem atrás da casa onde Victoria morava.

A menina depois percorrer alguns metros ergueu as mãos e empurrou uma porta que estava meio quebrada dando-a liberdade para que entrasse na lojinha de conveniência que ali existia, os alimentos e outras coisas que antes abundavam, hoje já começava a fazer falta, os alimentos iam acabando aos poucos deixando cada vez mais tristonha a menina que já não tinha tanto ânimo para entrar no estabelecimento, sua face mostrava nitidamente o desespero por alimentos ou por produtos de higiene que já começava a acabar, tendo apenas para durar alguns meses isso se ela poupasse o máximo que conseguisse.

Um vento diferente do que ela acostumou presenciar sopra do lado de fora da loja balançando um apanhador de sonhos que estava pendurado na varanda da casa de Victoria, no mesmo momento ela deixa no chão o cesto com as compras e prepara sua arma olhando escondida atrás de uma das prateleiras que já não tinha mais nada reposto do estoque que também não estava cheio. Seus olhos atentos as ruas ficava na defensiva esperando algum mal surgir. Victoria aprendeu a ter medo de tudo que não fosse do comum que já estava habituada a presenciar, essa era uma delas, o vento que soprou não era normal, realmente havia algo carregado naquele vento, mas passou junto com ele, a menina logo se apressou pegando o cesto e correndo para sua casa, agora mais ligeiros seus passos a levavam para dentro de seu lar seguro, ou ao menos era assim que ela imaginava que fosse até o momento. Ela apenas saia durante o dia, enquanto o sol iluminava a cidade ela se sentia segura, a partir do momento que a noite caia e as luzes dos postes começavam a piscar deixando algumas partes da cidade na completa e densa escuridão ela não arredava o pé, nem ao menos acendia luzes dentro de sua casa, tinha o medo de que alguém visse e fosse até ela.

Na manhã seguinte ela acordou e foi logo ver como estava as ruas, sempre tinha o cuidado de fazer o menor barulho possível tentando não ser descoberta, ela sentia que alguma coisa errada estava a rondar pela região, talvez estivesse ainda longe de seu recanto, ou não, mas de todo modo ela queria sempre estar no silêncio que sua cidade proporcionava. Após certificar que nada havia chegado a sua cidade ela saiu da frente da casa e caminhou até os fundos, passando por cima de barricadas e outras coisas mais que ela mesmo havia feito para em caso de emergência ganhasse tempo escapando para um lugar seguro enquanto o intruso se perdia em tanta bagunça.

Na horta ela se abaixava para cuidar das plantinhas enquanto cantarolava uma música que escutou a muito tempo quando era mais nova, um rádio que funcionava vinte e quatro horas seguidas até sua bateria acabar e ela ficar sem saber de nada do que acontecia no mundo lá fora. Como não existia mais ninguém na cidade ela meio que ficou muito tempo sem falar, apenas cantarolava algumas coisas, a menina gostou do que tinha visto, suas plantações crescendo saudáveis e se aproximando do tempo de colher para que ela pudesse usar em sua comida, animais não existia mais nas redondezas e a carne se foi muito rápido nos primeiros 3 anos que ela estava sozinha.

Os pais de Victoria saíram da cidade falando para que ela ficasse ali esperando por eles, que prometeram voltar para buscá-la, isso há exatos dez anos, ela não sabe o que aconteceu com eles, nos primeiros anos foram duros, muitas incertezas e preocupações que surgiram tomando conta de seu coração apertado que chorava sempre que seus pais não voltavam, até crescer e se virar sozinha.

De volta dentro de casa, soltou a porta que bateu atrás de si, nessa hora o mesmo vento que no dia anterior havia soprado, retornou, só que agora ele não veio pela frente da casa, passou atrás e quando ela percebeu e da janela, um pouco escondida, presenciou o que fez um arrepio tomar conta de seu corpo, o vento passou e balançou apenas uma de suas plantinhas que no mesmo instante escureceu e morreu, ela emitiu um curto som pela boca que em seguida silenciou, o vento que pareceu ter ido embora voltou e acertou o vidro com tamanha força que ela escutou o vidro da janela ranger parecendo que explodiria em milhares de pedaços, sua reação foi ficar imóvel, seus olhos arregalados deixavam escapar uma lágrima que escorreu pelos cantos dos olhos chegando ao queixo, em sua mente gritava. "SOCORRO!" Só que ninguém poderia a salvar daquele vento que açoitou a janela e com apenas um toque fez uma planta morrer, a proteção que tinha na porta dos fundos começou a bater violentamente durante alguns segundos e assim como havia começado a bater, parou deixando Victória alerta, agora com os olhos fechados pedindo pela sua vida, enquanto o silêncio lá fora era tão aterrorizante que ela não tinha coragem de se levantar nem para pegar sua arma que estava sobre a mesa da cozinha a sua frente. O tinir dos metais pendurados no apanhador de sonhos fez o arrepio voltar a correr em sua espinha, o que fosse que estivesse ali, percebeu a presença da jovem que não sabia o que fazer.    

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