Capítulo IX

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A lua que iluminava aquele lugar estava linda, um enorme círculo no céu deixando tudo claro, junto com as estrelas que o cercavam. Enquanto Victoria e Marta dormiam tranquilamente, sem nada as preocupando mais que a criatura que havia corrido atrás de Marco pelo campo aberto. Victoria não fazia ideia do que estava acontecendo, nem o porquê que aquilo estava ali na cidade, o vento que por pouco não tirou sua vida, muito menos sabia se seus pais voltariam para a salva-la.

Marta dormia ainda com um grande pesar de que não poderia contar para Victoria o que se passou dentro da casa antes de se encontrarem, as coisas que ela viu, que ela sentiu, tudo era muito até pra ela mesmo conseguir raciocinar, as imagens que tinham em sua cabeça atormentava seus sonhos, transformando estes em terríveis pesadelos que a fez acordar completamente molhada pelo suor, sua expressão era de aflição querendo fugir e com medo do pior acontecer.

O buraco estava envolto à um clima pesado, de uma forma que não parecia que só tinha um mal ali dentro, mas sim uma legião que tomava conta de todo o espaço, fazendo com que tudo que ali caía viesse a se corromper. Marco sentia dores fortes do tipo que em nenhum momento da sua vida chegou a sentir. Os ossos do rapaz começavam a se moldar e alongar junto de sua pele, ganhando outra forma diferente que o seu corpo tinha, os gemidos de dor eram constantes, podia sentir o sofrimento em seus olhos, sua orelha começou a desgrudar e simplesmente cair deixando apenas um buraco com algumas ondulações em volta, todos os pelos que haviam em seu corpo caíram, a pele ganhou um tom acinzentado viscoso e sobre seus olhos uma camada de pele foi crescendo cobrindo toda a região, o seu nariz, assim como a orelha, também veio a cair, deixando apenas furos onde seriam as narinas, a boca começou a esticar para os lados ganhando o dobro do tamanho original, seus dentes, que antes eram tão certinhos e cuidados, caíram e outros serrilhados e pontiagudos como os de um tubarão nasceram no lugar.

As únicas coisas que ficaram um pouco intactas, foram as roupas que agora estavam apertadas, por conta da transformação, agora Marco era um lacaio, assim como os outros mortos, ele agora servia ao líder dos Lacranos. Quando terminou de se transformar, um processo lento e doloroso, recheados de gemidos e gritos, boa parte da noite havia se passado, terminando segundos depois de Marta acordar de seu pesadelo.

Ela escutou um som ecoando por toda a cidade, sabia que não estava ali, pois parecia distante, um som como de um animal feroz que soltava todo o ar dos pulmões em um único urro de animosidade. Marco tinha dado o primeiro sinal que estava vivo, Marta se arrepiou quando escutou aquele som, que chegou a fazer as janelas estremecerem, Victoria que estava dormindo acordou assustada com o som que tinha escutado, em um salto da cama, correu para onde Marta estava e as duas se olharam antes de correrem para a janela, tentando descobrir o que produziu aquele som que fazia a alma se arrepiar.

- Temos que sair agora da cidade. - Disse Marta aterrorizada. - Não pode ficar aqui nem mais um segundo.

Ela tinha pressa de sair dali, Victoria não retrucou na decisão da amiga e foi logo atrás dela. As duas correram para a sala onde estavam as mochilas com os outros materiais que usariam em caso de extrema emergência, com tudo arrumado foram seguiram em direção ao porão para saírem dali pelos túneis e tentar escapar do mau que estavam atrás delas.

Enquanto percorriam os túneis por baixo da cidade o líder e seu mais novo lacaio Marco retornaram à cidade seguidos pelo som que elas faziam correndo pela casa, agora com um risco a mais, pois Marco sendo agora um lacaio ele ainda lembrava de tudo anterior a transformação, podendo mostrar ao líder como se guiar pelos túneis da cidade o que deixaria a vida das garotas um caos completo.

Depois de andarem o bastante pelos túneis, Marta e Victória chegaram até um ponto mais distante de onde estavam, conseguindo entrar em uma casa sem fazer barulho, subiram até o telhado e correram os olhos na cidade para ver se estavam seguras, foi quando enxergaram ao longe duas figuras, uma o líder dos Lacranos e a outra seria...

- Marco!

Marta tapou a própria boca com os olhos arregalados quando viu o garoto que ela mais amava agora na forma de um lacaio, o identificou prontamente pelas roupas que  estava usando, sendo as mesmas que o rapaz usava quando a deixou na casa e fugiu desesperado, ela começou a chorar acreditando que era sua culpa, por ter feito o líder ir atrás dele e agora ele estar do outro lado.

- Não é ele Marta. - Victória tentou fazer com que a amiga não pensasse que fosse o rapaz. - deve ser alguma outra criatura que não vimos e acabou pegando as roupas dele depois de o devorar.

Marta não concordava, e balançava a cabeça descrença, ela sabia que era ele, sentia no seu íntimo que aquele era Marco, ela poderia lhe reconhecer de qualquer forma.

- É ele sim. - Disse ela chorosa. - E a culpa foi minha, foi eu que fiz o líder ir atrás dele enquanto estávamos dentro da casa.

Victoria ficou olhando para a amiga e não demorou muito para abraçá-la, ficando as duas assim por algum tempo. De longe o líder conseguiu escutar a voz das meninas e apontando a direção, ordenou que seu lacaio fosse atrás das garotas, sem pestanejar Marco sedento de fome seguiu as ordens indo na direção que seu líder havia mandado. O outro Lacrano mais forte, por sua vez, subiu em um telhado de uma casa próxima, em uma postura intimidadora olhando na direção das meninas tentando tirar a atenção delas enquanto Marco seguia até lá.

As meninas depois de se abraçarem e recuperarem um pouco o ar olharam novamente na direção em que os dois se encontravam, porém viu apenas o líder.

- Onde está o outro. - Sem pensar muito Victória disse. -  Corre!

Ela foi a primeira a entrar no sótão da casa e correr escada abaixo fazendo muito barulho, mesmo que tentassem escapar agora as coisas pareciam muito mais difíceis, com um lacaio que podia andar pelos túneis e ainda por cima estava recém transformado, sua fome era maior que as dos outros, sua força era maior que as dos outros, ele não tinha controle de seu corpo, então tudo que fazia, causava um estrago bem maior do que os outros.

Elas conseguiram chegar ao porão e quando entraram no túnel escutaram um estrondo que vinha de dentro da casa, Marco havia entrado com muita brutalidade destruindo a porta e jogando-a com força contra a parede, seus ouvidos buscavam sons para seguir, as meninas que estavam bem abaixo dele entraram rápido no túnel e da mesma forma que faziam antes, vedando a entrada impedindo que as criaturas as seguissem, quando a terra caiu Marco escutou o som produzido e correu na direção de onde o som vinha, ao chegar viu o túnel completamente fechado, ele começou a socar o lugar muitas vezes, fazendo com que a estrutura viesse a estremecer causando assim medo nas meninas. Depois de alguns golpes ele desiste daquela entrada, Marco voltou para dentro da casa, seguindo para fora da mesma, as garotas estavam com mais medo do que antes, começaram engatinhar para outro lugar diferente do que haviam pensado inicialmente, o líder foi até onde estavam guiado pelos sons que foram criados por todo aquele alvoroço.

Marco com sua agressividade aumentada, agora estava caçando suas antigas amigas para se alimentar, antes não ligava se elas sairiam vivas ou não ele só queria fugir. Agora, estava preso ali com um líder lhe dando ordens e querendo pegar as meninas para fazer delas seu primeiro alimento como um Lacrano, seu líder, se aproximou e parando ao seu lado, conseguia escutar as meninas rastejarem por debaixo da terra, e as seguiu para ver aonde chegariam.

As roupas sujas de terra e com suor escorrendo pelo corpo, as meninas percorriam longas distâncias ali por baixo, todos os lugares que pensavam parecia não ser seguro até que Marta para e sente algo estranho.

- Acho que não estou bem, tem alguma coisa errada comigo.

Ela leva a mão na barriga sentindo algo se mexer ali dentro, as duas trocam olhares sem dizer nada, nem precisava na verdade pois sabiam o que poderia estar acontecendo. O líder conseguia ouvir e agora sentir para onde elas iriam, parou no meio da rua com Marco bem atrás dele esperando ansiosamente para saborear sua primeira vítima.

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