Capítulo 11 parte 1

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Capítulo 11

***

Ela não podia parar, ele provavelmente a alcançaria. Correu para fora do prédio e lançou-se para a calçada, seguindo a direção contrária a que havia tomado na noite anterior. Precisaria despistá-lo. Fazer Vladímir acreditar que seguiu em outra direção, para enganá-lo, conseguir tempo até poder voltar àquela rua sem saída e conseguir ajuda.

Chovia, fazia frio e as ruas estavam muito molhadas. Asia corria pisando em poças d'água, acumuladas nas imperfeições das calçadas. Sua roupa, aos poucos, foi se encharcando, seus sapatos e sua calça ficaram manchadas com a sujeira das poças. Entrou no pequeno parque que havia ali próximo, o mesmo em que sua mãe a havia deixado anos antes. Estava escuro, atravessou o parque correndo, sem poder enxergar onde pisava, mas ela agora era diferente, tinha ciência de tudo o que ocorria à sua volta, nos pequenos detalhes. Enquanto corria, escorregou em uma parte do trajeto em que a passagem era comumente úmida, e caiu sobre o chão alagado e coberto de limo. Levantou-se novamente e seguiu em frente, correndo entre poças de água e lama. Ao sair do outro lado do parque, inclinou-se para direção da Avenida, queria dar a volta e retornar ao beco.

Era madrugada, havia poucos carros na rua. Uma moça correndo sozinha àquela hora chamaria a atenção de quem estivesse por ali, então, entrou em outra rua cortando caminho e seguiu correndo no sentido da rua sem saída. Asia percebia a diferença em seu corpo, de como era capaz de se mover com perfeição, e notava até como as gotas de chuva seguiam a mesma direção, dirigidas pelo vento, eram matematicamente precisas. Tudo era sentido e percebido sem que ela parasse de prestar atenção em sua direção e nos seus passos.

Finalmente, chegou à pequena rua, chovia, agora, de forma suave, mas não estava menos frio. Estava deserto, não havia ninguém ali. Enquanto caminhava pela acanhada rua, ouvia o barulho dos pingos grossos de água, que pendiam dos telhados dos prédios e caíam sobre caixas e latas amontoadas na calçada próximo à parede. Virou-se para a entrada do beco e não havia ninguém; ela não fora encontrada desta vez. Havia apenas o caminho que fizera, com o asfalto ondulado e molhado refletindo a luz dos postes da rua principal. Era uma visão triste, a claridade do dia era pouca, o beco estava vazio e a chuva fina caía. O som das gotas d'água que caíam sobre as caixas vazias era o som da solidão que a rodeava. Ela estava só, o rapaz da noite anterior não estava lá.

"Ele não estaria aqui, esperando por mim novamente. Que ideia tola." Asia observou o beco vazio sem saber como recuperar a oportunidade perdida. Era um momento único, que foi desperdiçado, e, agora, ela estava perdida, sem rumo, sentindo-se culpada por não ter sido capaz de seguir o caminho que lhe era destinado.

Estava amanhecendo, ela não poderia ficar muito tempo ali, porque Vladímir, mais cedo ou mais tarde, a encontraria, e depois de tudo o que havia acontecido, não tinha certeza de quais seriam suas intenções ao encontrá-la. Tudo era um exagero absoluto e ela não se sentia segura com ele.

Estava encharcada, os cabelos pingavam, os sapatos e a barra da calça estavam muito molhados e sujos. Foi até o fim da rua que se ampliava formando um pequeno "L" para a esquerda, e agachou em um canto próximo à parede, com os joelhos flexionados e os braços abraçando as pernas na altura dos tornozelos. Asia olhava o chão molhado sendo salpicado pelo chuvisco da garoa e ouvia o barulho das gotas que caíam grossas dos telhados, insistindo em dizer o quão sozinha ela estava.

Decepcionada, pensava no que fazer. Ponderou que talvez devesse procurar pela família que Marta havia mencionado: "Talvez eles possam me ajudar, ele veio me ver, Reinis... Não lembro o sobrenome... Como vou achá-los? E se me levarem de volta para Vladímir? Não, não posso. Mas, vou arriscar, explicar a eles que preciso de ajuda. Deve ter algum modo de encontrá-los, Reinis não é um nome tão comum. Estão ligados a universidades, talvez eu possa achá-los. Não posso ficar aqui, vão me encontrar.". Asia, encolhida e gelada, observava a chuva fina que caía. Se desistisse de fugir, acabaria indo para Santa Catarina: não era seu destino, tinha certeza. "Devia ter perguntado a Marta qual era o nome 'dele'. Como vou achá-lo, agora? Preciso sair daqui. Minha bolsa ficou no apartamento, meu dinheiro e meus cartões também. Para onde posso ir?"

Nemtsi e Selvagens - As almas cativasOnde histórias criam vida. Descubra agora