Capítulo 27 parte 1

72 25 76
                                    


***

Polônia, Outono de 1944.

Nos últimos três dias, Andrey trabalhou sob péssimas condições em um hospital semidestruído pela guerra. Tropas soviéticas estavam espalhadas pela cidade que se encontrava em ruínas e em absoluto caos. Ele chegou até ali se esquivando das batalhas e trabalhando como médico voluntário, seguindo a única pista que possuía a respeito do destino dado ao regimento a que Rainer fora recrutado. Mas as informações que obteve sobre sua localização e onde combatia se perderam diante das diversas batalhas travadas em campos soviéticos e ele não sabia como recomeçar sua busca.

Enquanto aguardava por novas informações, trabalhava fazendo o possível para ajudar os civis e soldados feridos, com os poucos recursos de que dispunha naquele local mal equipado. Foi surpreendido no final do terceiro dia ao encontrar Vladímir procurando por ele, em meio a casas e prédios em ruínas e montes de escombros.

Vladímir fora informado por Reinis, através de uma carta, sobre sua localização e sobre as dificuldades em se obter informações a respeito de Rainer. Queria ajudar, e se colocou à disposição para contribuir no que fosse necessário, propondo-se a obter alguma informação útil através de soldados prisioneiros.

No dia seguinte, Vladímir voltou ao hospital procurando Andrey, ainda sem notícias sobre Rainer e trazendo uma mulher muito bonita e bastante ferida para Andrey cuidar. Uma bomba havia sido detonada próximo ao prédio onde ela estava e ela ficou soterrada por dois dias. Ela foi retirada dos escombros por Vladímir, que percebeu sua presença e pôde localizá-la antes que morresse.

Depois de examiná-la e operá-la para retirar estilhaços de seu corpo, Andrey a encaminhou para uma sala um pouco menor e em boas condições, para que ficasse separada dos outros feridos. Ela não era humana e Andrey queria observá-la com mais atenção, pois acreditava que ela se recuperaria bem, já que não havia perdido muito sangue nem tinha ferimentos tão graves. O corpo dela estava cheio de cortes, alguns superficiais e outros mais profundos, que deixariam algumas cicatrizes, e havia uma lesão na nuca, seu ferimento mais grave, o que mais preocupou Andrey no início. Ele esperava que sua recuperação fosse mais rápida que a de um humano comum, mas estava preocupado com possíveis infecções, já que ficou soterrada muito tempo; no caso disso acontecer, teria que conseguir remédios para ela.

A moça, após a cirurgia, permaneceu inconsciente todo o restante do dia, e, durante a noite, chegou a falar algumas coisas, mas Andrey não a entendeu; parte foi em alemão e parte em polonês, apenas algumas palavras em francês. Vladímir não havia dito nada sobre ela, apenas pediu para que ele fosse solidário e cuidasse de seus ferimentos. O crucifixo que ela trazia em seu pescoço dizia a Andrey do que se tratava e o porquê de Vladímir se mostrar de maneira tão solícita ao pedir para ele ajudá-la. Andrey logo imaginou que Vladímir, humanitariamente, a trouxe para ser tratada e que a levaria presa em seguida.

Pela manhã, Andrey a encontrou retomando a consciência, aproximou-se e tentou conversar com ela:

- Olá, bom dia! Sente-se melhor? - Começou em francês.

- Sim. - ela respondeu ainda um pouco atordoada. Tinha a voz rouca e fraca, piscava os olhos que se irritavam com a claridade e moveu a cabeça, acompanhando os movimentos que Andrey fazia ao buscar uma cadeira para sentar-se ao seu lado.

- A maioria dos cortes irá cicatrizar bem. - continuou Andrey. - Quase não dará para ver, não se preocupe. - completou observando que ela erguia e verificava seus braços feridos e cuidados. Depois, instintivamente, ela apoiou as mãos em seu rosto, verificando se também estava machucado.

- No rosto não houve ferimentos, está tudo bem - disse ele serenamente tranquilizando-a. - Você recebeu uma forte pancada na nuca, mas creio que não houve danos. - Andrey apoiou a mão na cabeça da moça virando-a de lado, afastou os cabelos escuros que não haviam sido raspados e observou melhor o curativo. - Havia estilhaços em seu abdômen também - continuou. - Retirei todos, espero que não haja infecções. Por enquanto, está indo tudo bem.

Nemtsi e Selvagens - As almas cativasOnde histórias criam vida. Descubra agora