Capítulo 14

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Capítulo 14

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      Enquanto Andrey dormia, seu espírito cansado o arrastou de volta a seu passado, para a Hungria do séc. XVIII. Era a festa da colheita e aquele pequeno vilarejo Nemtsi, mesmo isolado dos outros, mantinha suas tradições. Ali, conviviam cento e vinte e oito Nemtsi e três Selvagens, um grupo muito pequeno que, pelo fato de abrigar Selvagens refugiados, permanecia afastado das outras aldeias Nemtsi existentes.

      Estavam em uma etapa de suas vidas em que tentavam superar suas tristezas. Já havia completado dois anos desde que passaram por mais uma situação muito difícil, e era necessário sobrepujar a dor e seguir em frente com a vida como eles conheciam.

      Andrey, com dezoito anos, estava escorado em uma cerca observando a todos. Reinis estava sentado à mesa conversando com Gabor e Ferd, que mantinha um violino em uma das mãos, preparando-se para tocar. Daina acabou concordando em acompanhar Reinis até lá, mas não queria compartilhar da alegria de todos, permanecendo por detrás da mesa onde arrumaram os pães, bolos e outros alimentos. Apenas ajudava Krista em tudo o que ela precisava.

      Andrey chamou Mathias, como Daina pediu, mas Mathias não quis ouvi-lo, não queria participar da festa, afastando-se dali. Andrey, então, voltou para lá contrariado e encostou-se naquela cerca apenas para satisfazer a vontade de Daina em vê-lo ali. Também não queria participar de nada e encontrava-se cansado fisicamente: pelo trabalho no campo, pelo excesso de empenho que dedicava aos treinos com espada e pela falta de ânimo gerado por uma vida presa ao vilarejo pequeno sem contato com o mundo externo. Não se sentia bem, e naquele momento queria poder deixar aquela comemoração que o aborrecia.

      Ferd se levantou e juntamente com um dos moradores do vilarejo, começou a tocar algumas músicas bastante conhecidas da região. Andrey, de onde estava, observou a movimentação de todos. Dois casais se puseram a dançar e Andrey pôde ver Reinis se levantar e caminhar até Daina, permanecendo a seu lado abraçado a ela, enquanto Gabor tirava a esposa para dançar.

      Após um tempo dançando com o marido, Krista percebeu Andrey distanciado de tudo. Ela, então, deixou Gabor e dirigiu-se sorridente até ele com a intenção de levá-lo para junto de todos e fazê-lo participar da festa. Segurou firme em seu braço e o levou para o centro do pátio onde outros casais dançavam:

      - Não, Krista! Não sei dançar e estou cansado. - reclamou Andrey ao ver que não podia escapar.

      - Não sabe dançar, olhe só que conversa! Um rapaz tão bonito... Veja se isso é possível! - dizia Krista arrastando Andrey consigo em passos desengonçados. - Alinhe-se, Andrey.

      Andrey era muito mais alto que Krista, e ficar um pouco curvado ao lado dela era até compreensível, mas havia algum problema. Andrey parou de se mover e inclinou-se mais sobre ela; sentia-se muito mal e pôde ver Reinis e Daina, que o observavam de longe, virem em sua direção antes de perder os sentidos e ir ao chão.

      Ele não acordou com o sonho que só mostrava uma parte distante de seu passado e que não lhe causava espanto, então, seus sonhos seguiram outro rumo, numa direção estranha e completamente inédita.

      Neste novo sonho, viu um Vladímir mais jovem, com os cabelos castanhos presos à altura da nuca e usando roupas alinhadas que pareciam pertencer a meados do séc. XVII. Ele estava em uma sala úmida, feita com paredes de pedra, e todo o ambiente era pesado, sombrio e até mal cheiroso. Havia muita palha empilhada em um canto, uma mesa de madeira simples, em que pousava um castiçal com velas acesas e um banco de madeira comprido e largo, que Andrey deduziu ser uma cama. Observava tudo como se fosse um espectro presente apenas em espírito e demorou a perceber que aquele lugar mórbido se tratava de uma cela de prisão.

Nemtsi e Selvagens - As almas cativasOnde histórias criam vida. Descubra agora