"Crianças não ouvem vozes na cabeça"

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CÁPITULO 2



Quando abro os olhos, ainda no ônibus, o céu está claro. Acordo com a cabeça pesada e os pés doloridos. Olho para o lado e Killena já está dispersa, brincando com o cabelo.


-Bom dia Bela Adormecida -ela diz.


-Bom dia. Já estamos chegando?


-Acho que sim. Acabamos de passar pela divisa.


-Ótimo. Vou ligar para minha vó.


Disco o número no celular, porém o telefone chama, chama, e ninguém atende. Pelo jeito teremos -que aparecer lá de surpresa. Vejo uma placa na rua, indicando a proximidade ao centro da cidade. Passamos por mais algumas ruas e logo entramos em um terminal.


-Chegamos. -anuncia Mike, na frente do ônibus.


Agarro minha mochila, e desço com Killena. O silêncio entre nós dois me incomoda, mas não há muito mais o que dizer. A guio para outro ponto e pegamos um ônibus municipal, rumo a um novo caminho.



* * *



Toco a companhia, e Wallace, meu avô, vem atender a porta. Com uma expressão de surpresa, ele me examina como quem não me vê a anos (o que é verdade), e logo me dá um abraço.


-Que surpresa velo por aqui! -ele diz, animado.


-Desculpe vir sem avisar vovô. Essa aqui é Killena, minha... Amiga.


-Prazer em conhecê-la mocinha. -ele estende a mão. Killena, ao invés de responder ao comprimento, se esconde atrás de mim.


-Ei, está tudo bem. Ninguém vai te machucar. -cochicho em seu ouvido, de modo que ela retribui o comprimento de meu avô.


-Entrem. Sua avó está na igreja, deve voltar logo.


Entramos, e o cheiro de casa me trás um conforto e paz indescritíveis. Aqui é a casa onde eu brincava feliz com meus carrinhos, comia bolo de chocolate e fazia desenhos para minha mãe. Aqui ficou o tempo em que as coisas eram felizes. Vovô vai para a cozinha preparar um café, enquanto eu me sento no sofá e puxo Killena comigo. Dez minutos depois, Wallace volta trazendo três xícaras, uma garrafa térmica, pão, manteiga e uma faca.


-Sirvam-se -ele incentiva, sorrindo - Vou buscar umas fotos, que tal?


Vovô sai, rumo ao seu quarto, e nós ficamos sozinhos. Enquanto eu me sirvo da bebida quente, Killena pega um pãozinho e começa a corta-lo. Sem nenhum motivo específico, ela para. Começa a olhar de maneira estranha para a faca, e solta uma risada histérica, quase psicopata. Seus olhos estão vidrados, e suas sobrancelhas tencionadas.


-Killena, me dê a faca.


Ela continua rindo.


-Killena, você está me assustando. Anda, me dê a faca.


Ela segura lâmina mais forte.


-Killena, por favor...


Ela para de rir. Vira a cabeça pra mim e me encara, ameaçadora. De repente, sua expressão estranha se desmonta. Ela me entrega a faca e baixa a cabeça, assustada consigo mesma.


-P-Perdão. -ela diz, baixinho.


Suspiro. Coloco à faca sobre a mesinha de centro, longe dela. Não consigo falar nada. Vovô atravessa a porta e se senta na poltrona. Abre o álbum de fotos, sorrindo. Começa a contar histórias para Killena, que não está nem de longe prestando atenção nele. Eu forço uma risada no final, e ela faz o mesmo.

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