The Restart

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CAPÍTULO 12

Acordo desnorteado, numa cama do que aparenta ser um hospital, conectado a alguns fios. Me assusto, pois há um par de olhos negros de uma garota me encarando. Ela está vestida com uma camisola de hospital, igual a minha, e há hematomas em seus braços e um corte profundo em sua testa. Ela praticamente pula em cima de mim para me abraçar mas eu me retraio e a afasto. Depois, pergunto:
-Quem é você?
Ela me encara, confusa.
-Coren, como assim quem sou eu? É a Killena, Coren.
-Killena?
-É! Você se lembra de mim, não lembra?
Não estou entendendo o que essa garota quer.
-Por que deveria?
-Não, não, não, não! Sou eu Coren, sua garota de cabelos azuis! Não se lembra?
-Chama essa cabeça quase raspada de "cabelos azuis"? Você enxerga?
-Como você pode ter coragem de dizer isso?
-Já chega. Killena, volte para o seu quarto. -ouço uma mulher de idade vestida de branco, provavelmente uma enfermeira, dizer para a garota estranha.
-NÃO! O que está acontecendo com ele?
Comigo? Ela é louca, só pode ser.
-Vá meu bem, depois nós resolveremos isso.
-Não vou sair daqui até entender essa situação.
-Coren, irei chamar um médico pra examina-lo sim?- a enfermeira diz, direcionando-se a mim e sai da sala.
-Estou tão confuso. -digo, mas não sei se pra mim ou pra garota a minha frente.
-Eu perdi o chão.
Ela está parada, imóvel, de costas pra mim e olhando pra parede.
-Quem é você?
-Alguém que te ama. Que você ama.
-Eu não entendo. Não me lembro de você nem de ninguém.
-Óbvio que não. Amnésia retrógrada.
-O que disse?
-Amnezia retrógrada. Você sofreu um trauma físico, um acidente, e consegue se lembrar de eventos posteriores ao trauma, mas não consegue se lembrar de eventos anteriores a ele. Você provavelmente lesionou o córtex ou o lóbulo temporal.
-Impressionante Killena. É isso mesmo. -o doutor recém chegado ao quarto diz da porta, junto a enfermeira.
-Você é inteligente. -digo a ela.
-É. Eu larguei a escola porque não aguentava fingir saúde mental todos os dias praquelas pessoas. Mas é engraçado sabe? O meu cérebro tão estranho, sempre foi meu ponto forte.
-Largar a escola? Fingir saúde mental? Não estou te entendendo. -indago, confuso.
-Era pra você saber dessas duas coisas. Mas claro, você não sabe de nada. E nem vai saber.
-Não seja tão dura com ele Killena. Não é culpa dele não se lembrar de você. -o doutor me defende.
-Não, não é. Na verdade, a culpa é toda minha.
-Sua? O que você fez, tacou uma pedra na minha cabeça?
-Você sofreu um acidente. Um ônibus em que os dois estavam capotou.- o doutor me conta.
Antes que eu possa responder, vejo que Killena está falando com alguém ajoelhada no chão, mas... Não tem ninguém ali.
-Não posso, não posso, não posso...- ela repete, sem parar, e conforme fala o volume de sua voz aumenta, passando de sussuros a gritos em segundos.
-O que está acontecendo com ela?- praticamente grito para sobressair a voz da garota.
Sem que ninguém me responda, a enfermeira levanta-a do chão e, com muito esforço, pois ela se debate, leva-a corredor a fora para outro lugar. Penso em perguntar novamente o que deu nela, mas o doutor muda de assunto rapidamente.
-Coren, vou te fazer algumas perguntas e quero que tente me responder OK?
-Tudo bem.
-Qual seu nome?
-Coren Holt.
-Quantos anos você tem?
-18.
-Onde você mora Coren?
-Hã... Virgínia?
-Se você morar com seus avós, sim.
-Eu tenho avós? Como sabe disso?
-Eles chegaram ainda a pouco e ja já virão te ver.
-E os meus pais?
-Sinto muito Coren mas... Na sua ficha consta que você foi criado pelos seus avós pois seus pais não são mais vivos. Perdão.
Eu... Não tenho pais?
-Eu não vou me lembrar de nada?
-É o que descobriremos ao decorrer do tratamento. Temos que fazer alguns testes. Sua amnésia pode ser temporária ou permanente. Sempre há esperança.
-Por que tenho a impressão de que há coisas das quais eu não gostaria de me lembrar?
-Não sei, você ainda não está muito lúcido. Irei chamar seus avós, está bem?
Antes que eu responda, ele sai da sala e, minutos depois, volta acompanhado de uma senhora de idade baixa, gordinha, com várias sardas num rosto que já me transmite amor, de cabelos castanhos presos a um coque, e um senhor um pouco mais alto e muito magro, de cabelos brancos e barba igualmente branca.
-Coren querido! A quanto tempo! -a mulher diz enquanto ambos vem me abraçar. Permaneço imóvel.-O médico já nos adiantou sobre o que aconteceu com você querido, uma tragédia.
-Sua vó chorou tanto... Mas sabemos que irá recuperar a memória logo, logo. -o senhor diz.
-Trouxemos fotos para ajudar!
O médico me observa enquanto vejo fotos da minha infância espalhada sobre minha cama. Ao que parece, em todas as fotos estou numa chácara. Uma delas, em particular, me chama atenção: estou na frente de um lago com meus avós
-Ei, esperem... Eu lembro desse lago!
-Isso é um bom sinal Coren. Se conseguirmos estimular sua memória através de fotos, talvez recuperemos parte dela.
-É estranho, eu... Eu me lembro de fragmentos da minha infância, ainda que embaçados. Lembro de brincar com vocês dois. Mas não consigo me lembrar daquela garota, por exemplo. Ou do acidente.
-Já é bom que lembre-se de alguma coisa Coren, não tente se apressar. Vamos com calma. Sra Holt, poderia trazer mais fotos amanhã?
-Mas é claro! Trarei biscoitos também!
Dito isso, ela beija minha testa e sai da sala, junto ao meu avô. Eu volto a conversar com o doutor.
-Você sabe qual era minha relação com aquela garota? A Killena?
-Do jeito que ela fala de você? Eu chutaria que vocês eram um casal. Ou melhor, são um casal. Ela aparenta te amar muito.

Me esforço ao máximo pra ter qualquer vasto de memória daquela estranha garota. Nada. Porém, mesmo sem conhece-la, algo me incomoda. Parece que, desde que ela saiu, o quarto ficou frio.
Quem é você Killena?

*      *        *

No dia seguinte, ao acordar, me assusto de novo com aquele mesmo par de olhos negros me encarando.
-Bom dia. -Killena diz.
-Você precisa parar de me assustar assim!
-Gosto de ver você dormindo.
-O que você quer de mim?
-Não precisa falar assim. Não se lembra mesmo de mim?
-Desculpe...Ainda não consigo entender o que aconteceu. Não, não me lembro.
-Você precisa se lembrar.
-Mas que porra Killena, eu quero lembrar, mas não tenho culpa, como você mesma disse, a culpa é do meu glóbulo sei lá o que.
-Lóbulo temporal.
-Tanto faz.
-Eu só sinto sua falta está bem? Sabe quanto é difícil aceitar que você se foi?
-Você fala como se eu tivesse morrido.
-Talvez tivesse sido mais fácil aguentar isso do que cair no esquecimento. E pior, ser tratada que nem lixo.
-Temos mesmo que ter essa discussão tão cedo? Eu acabei de acordar.
-Foda-se. Eu nem ligo mesmo.
-Não adianta  dizer que nem liga, tá na cara que você liga.
- Por que não está interessado? Por que não pergunta o que nós éramos, o que vivemos ou qualquer coisa assim?
-Por quê não começar do zero?
-Do zero?
-É. Podemos começar sendo amigos.
-Amigos? Qual é o seu problema? Você não era assim Coren.
-Eu não faço a mínima ideia de como eu era. Só sei que tudo já está sendo difícil o bastante, não precisa jogar na minha cara.
-Dificil? Fala sério, tem noção de como é a única pessoa que se importa contigo não lembrar de você? E por que está me tratando assim?
-Assim como?
-Com indiferença. Como se não importasse pra você.
-O que você quer? Que eu te ame em  um dia?
-Quero que veja como preciso de você. Quero que precise de mim também.
-Me desculpa OK? Por favor, você precisa me ajudar nisso.
-Como posso te ajudar?
-Sendo minha amiga?
-Mas que porra, eu não quero ser sua amiga. Além dos seus avós, você não tem ninguém Coren. Desculpa te dizer isso, mas é a verdade. Eu sou a única que se importa de verdade com você e você não quer nem tentar.
-Não é isso porra!
-É sim!
-Você não entende? Eu não te conheço. Eu não consigo querer você desesperadamente desse jeito.
-Mas consegue me tratar mal não é?
-Não estou tratando mal.
-Sim, você está. Porque eu tô aqui por você e você nem liga.
-Como eu vou ligar se não me lembro?
-Isso não é questão de memória, e sim personalidade. Para de ser um babaca com quem só quer te ajudar.
-Se quisesse me ajudar, ficaria do meu lado sendo minha amiga até que as coisas se esclareçam.
-Se você me deixasse te mostrar que eu posso e deveria ser mais que isso, talvez tudo funcionasse melhor.
-Já chega. Sai do meu quarto  Killena.
-Eu saio Coren. Eu saio. Mas não venha se arrepender de não ter lutado quando me perder.

E pela segunda vez, ela sai e o quarto se torna frio novamente.

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