CAPÍTULO 3
Todos dizem que o tempo é capaz de curar qualquer ferida. Mas isso não é verdade. Já faz uma semana que sei o Killena fez, e estou me esforçando para perdoa-la, pois sei que ela precisa de mim. Mas a verdade, é que eu tenho medo. Medo de voltar a confiar nela.
Vovô e vovó ainda não voltaram. Eles ligaram dizendo que terão que ficar mais uma semana lá, pois o vôo atrasou. E sem falar direito com Killena, tudo está cada vez mais solitário. Essa casa passa seus dias em completo silêncio. Porém, as vezes, eu escuto seus gritos do quarto, e tudo que eu quero é ir lá e acalma-la, mas sei que não posso.
Me levanto do sofá que tornou-se quase uma extensão do meu corpo, para comer alguma coisa, já que não faço isso a dias. Como nada me apetece, abro uma barra de chocolate e jogo a embalagem no lixo. Porém, quando o abro, vejo dois tubos de comprimidos despejados ali. De novo. Posso não querer falar com ela, mas não vou deixa-la se agredir desse jeito. Sei que a essa hora ela está trancada no quarto, por isso vou direto pra lá. Quando abro a porta, encontro-a deitada na cama, deitada de ponta cabeça e observando o teto.
-Killena?
-Coren! -ela levanta-se rapidamente, animada.
-Não se anime tanto. Vim lhe perguntar uma coisa.
-Ah -o sorriso em seu rosto desaparece- O que?
-Jogou seus remédios no lixo de novo?
-Joguei.
-Killena, você sabe que precisa deles.
-Eu não gosto daquelas coisas. Elas não melhoram o que eu sinto, só servem pra me deixar dopada.
-Não interessa, você precisa delas e ponto.
-Qual é Coren? Você me ignora a semana inteira e depois vem me tratar como meu pai?
-Eu só estou preocupado com você.
-Se você estivesse realmente preocupado, tentaria cumprir com o que disse.
-Do que você está falando?
-Disse que me daria uma chance. Isso não é me dar uma chance.
-É. Eu disse. -suspiro - Tudo bem. Vou cumprir com o que disse.
-Obrigada.
Silêncio.
-Coren?
-O que ?
-Posso te dar um abraço?
O jeito que ela pede me comove. Vou até ela e eu mesmo a abraço. Bem forte.
-Me desculpa ok? Eu não sou assim. -Ela diz, no meu ouvido, sussurrando.
-Tudo bem Killena. As coisas vão melhorar.
Ficamos assim por um bom tempo, até que eu vejo o sol entrando pela janela e decido que aquele lugar está triste demais.
-Tive uma ideia.
Caminho até a mesma janela e abro as cortinas, enchendo o quarto de luz.
-Não podemos viver em um lugar desse jeito. Nós vamos pintar as paredes, trazer o sofá pra cá e deixar isso aqui um lugar mais feliz pros dois. O que você acha?
-Acho que vai ser incrível.
Sorrimos.
-Já volto.
Vou até o galpão atrás da casa, onde sei que meu avô guarda tintas e pinceis. Lá encontro uma lata de tinta azul, exatamente da cor dos cabelos de Killena, e outra vermelha, a minha cor favorita. Volto para o quarto com essas latas, pinceis e rolos de parede.
Começamos a arrastar os móveis para liberar espaço, e forramos o chão com um lençol velho. Depois, despejamos a tinta em potes distintos, e nos dividimos: Pintarei metade da parede de vermelho, e Killena pintará a outra de azul.
-Quer dizer que você gosta de vermelho? –ela pergunta, concentrada.
-É, é minha cor preferida. Irônico não?
-Por que irônico?
-Porque azul e vermelho são justamente cores opostas. Igual a gente.
-Os opostos se atraem Coren.
Rio da piada, e continuo o que estou fazendo. Depois de um tempo, o assunto acaba morrendo e eu decido colocar alguns CD’s para que possamos escutar enquanto pintamos. Ouvimos desde Avril Lavigne, por escolha de Killena, até A day to Remember, minha banda preferida.
Quando estamos quase terminando, sem motivo algum, ela fica séria, mudando completamente de humor.
-Coren, vem aqui, por favor. Preciso te contar uma coisa.
Caminho até ela, e quando estamos próximos, ela saca o pincel e faz um risco de tinta azul no meu rosto. Eu rio, e faço o mesmo com o pincel sujo de vermelho. Quando me dou conta, estamos no meio de uma guerra de cores, completamente sujos.
-Olha. – digo, apontando para a parede – Acabamos espalhando manchas azuis no lado vermelho e manchas vermelhas no lado azul.
-É. Como as marcas que um deixou no outro.
Nos olhamos. Involuntariamente, seguro seu pescoço e me aproximo dela. Killena fecha os olhos como se já soubesse o que viria a seguir: Seus lábios tocam os meus, macios, quentes, me levando a outro mundo. Desço os braços até seus punhos e os coloco ao redor do meu pescoço. Ela gruda seu corpo no meu e seus movimentos me guiam, por um beijo com cheiro de tinta que se acelera. Agarro sua cintura até que o mínimo espaço que havia entre nós torne-se inexistente. Ela sorri enquanto beijo sua clavícula, seu pescoço, suas têmporas, sua testa e, finalmente e novamente, seus lábios. E então, sussurro:
-Eu quero você. De tudo nesse mundo, você é a minha única certeza. Quero os beijos, os abraços e os momentos bons, assim como quer estar com você durante os momentos ruins.
-Você tem certeza disso Coren?
-Absoluta.
-E não me acha mais louca?
-Acho. Maluquinha. Completamente pirada. Mas é a sua loucura que faz minha sanidade.
Killena se acolhe em meus braços e deita em meu peito, os corpos sujos e quentes envolvidos por um abraço aconchegante. Nenhum dos dois diz mais nada, porque sabemos que não há necessidade de nada ser dito. Às vezes, os gestos tiram a necessidade de palavras.
* * *
Sentado no sofá, que agora está no quarto, junto a Killena observo os desenhos e fotos na parede.
Há desenhos de árvores com suas folhas caindo, corações partidos, crianças brincando quartos de hospitais e auto-retratos. Ela não havia me mostrado esse dom até então, mas adorei conhece-lo. Papeis com letras de música estão colados por uma grande extensão da parede, assim como fotos, não nossas, mas de coisas importantes para nós. Há também um canto com uma foto dos meus pais e uma dos dela logo abaixo.
Killena me mostrou seu caderno, o caderno no qual eu li o poema do incêndio, e disse que quer dar outro sentido a ele. Por isso, o enchemos de frases e poemas que nos ensinam coisas e nos dão motivação para outras. Eu me esforço para não demonstrar desconfiança a ela, e me esforço para confiar nela tanto quanto a amo.
-Você está me devendo uma música Coren.
-Estou?
-Está. Você disse que quando chegássemos aqui, tocaria pra mim.
-Só se você cantar.
Sorrindo, pego o violão no canto do quarto e começo a afina-lo. Faz muito tempo que não o toco, então espero lembrar-me de tudo direito. Decido tocar outra que me lembra dela, chamada “If It Means A Lot To You”. Me surpreendo com o fato de ela realmente saber a letra, que expressa muito o que não conseguimos dizer em palavras:“Hey querida, espero que esteja bem esta noite
E eu sei, você não se sente bem quando vou embora
Eu quero isso, mas não, não preciso disso
Diga-me algo carinhoso para eu levar comigo
Porque eu não posso voltar para casa até que eles cantem
La, la la la, la la la
Até que todos estejam cantandoSe você puder esperar até eu chegar em casa
Então juro que podemos fazer isso durar
Se você puder esperar até eu chegar em casa
Quando chegar o amanhã, isso tudo estará em nosso passado
Isso pode ser para o melhor.”Quando terminamos, batemos palma um para o outro, brincando. Eu queria mais dias felizes como esse, mas nem tudo são flores. De repente, me lembro que Killena não tomou os remédios hoje. Acontece como das outras vezes: Mãos agarrando os cabelos, joelhos no chão, vozes na cabeça e gritos na garganta. Abaixo junto a ela, seguro seus pulsos e tento dizer que está tudo bem. Tento faze-la olhar pra mim e tento conforta-la, mas nada adianta. Seguro-a junto a mim, a fim de que se acalme, mas ao invés disso, ela desmaia.
-Killena! Acorda, por favor. –ela não me responde.
Agarro o celular e ligo para a ambulância. Tremendo, tento segurar o aparelho e me concentrar nas informações que preciso passar. Pego-a no colo e a deito na cama, enquanto busco um pano úmido para colocar em sua testa. Passam-se 15 minutos que parecem uma eternidade até que escuto uma sirene do lado de fora. Saio correndo, abro a porta e espero até que os paramédicos tragam a maca para dentro e saiam com ela para a ambulância. Tentando manter a calma, respondo a pergunta de um deles.
-Você sabe por que ela desmaiou? –ele me pergunta, sério.
-Ela é esquizofrênica. Não tomou os remédios, teve um dos ataques e não consegui acalma-la. Ela vai ficar bem?
-Vamos ver. Tente ficar calmo certo?
Não respondo, pois é impossível simplesmente ficar calmo. Entro na ambulância a fim de acompanha-la e seguro sua mão fria sobre o meu colo. Olho para Killena e não entendo porque alguém que estava tão feliz minutos atrás pode estar assim agora. Não quero sentir pena dela, mas sinto. Porque é uma vida ruim. Não tenho medo de que ela não acorde, porque apesar de estar nervoso, sei que foi apenas um desmaio, ou pelo mesmo espero que tenha sido isso. Tenho medo que façam pior a ela, tenho medo de que mandem-na para um manicômio ou algum lugar rui como o antigo, pois a ficha dela é preocupante.
E já é a segunda vez que as coisas acabam assim para a triste garota do cabelo azul .-----------------------------------------------------------
××Ninguém fala nada, quero saber o que vocês estão achando ;-;
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CRAZY
RomanceO amor é perigoso. Mas o que fazer quando esse mesmo perigo é a única coisa que te mantém vivo? Coren já havia se decidido. Não havia mais motivos pra ficar aqui, não havia pelo que lutar ou viver. Até a chegada de Killena. Uma garota aparentemente...