Hoje esquece o dinheiro, esquece as contas a pagar, esquece as desgraças que entram pela tua casa adentro. Hoje sai pela casa fora, sai de ti para fora. Beija quem tiveres de beijar. Mas beija mesmo. Beija com língua, beija com o corpo todo, beija contigo todo, beija como se o único limite fosse o do que sentes. E o que é a felicidade senão fazer do que sentimos o único limite?Hoje esquece o pudor, esquece as falinhas mansas, esquece o politicamente correto. Hoje sê obscenamente incorreto, pornograficamente imperfeito. Apalpa, experimenta, brinca, corre, faz o que bem quiseres porque se bem queres é porque te faz bem querer. E o que é viver senão fazer, pelo menos às vezes, aquilo que bem queremos?
Hoje esquece o que podias ser, o que já não és, o que nunca foste capaz de fazer. Hoje és exatamente aquilo que querias ser, exatamente aquilo que és, exatamente aquilo que sempre foste capaz de ser. Aproveita como um louco o que há para aproveitar — e há tanto para aproveitar. Uma pele, um sorriso, um cheiro, um toque, um prazer simples. E o que é a vida senão aproveitar cada prazer simples que ela tem para nos dar?
Hoje esquece o que dói, o que mói, o que te espreme por dentro. Hoje muda o mundo de uma vez por todas. Ajuda um velhote a atravessar a rua, vai doar sangue, faz voluntariado, carrega as sacas de compras de quem precisa, joga no parque com um menino solitário, faz uma manifestação onde uma manifestação é necessária, faz uma festa sem motivo nenhum porque esse já é motivo mais que suficiente para fazer uma festa. E o que é persistir senão fazer de motivo algum motivo suficiente para festejar?
Hoje esquece as retas, a rotina, a vida pequenina. Hoje vai pelas curvas, vai pela adrenalina, vai por ti e por quem te apanhar. Escolhe o caminho difícil, entra pela janela e não ligues para a porta, escreve um poema e declama-o em voz alta, declama-o aos berros no meio da rua: não se vive sem pão nem sem poesia. E o que é um poema senão a melhor maneira de encher uma mesa?
Hoje esquece. Esquece sem medo. E lembra-te sempre disso.