Cartas na mesa - n°2

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    Três toques na porta, e um silêncio fúnebre sem resposta. Mais três toques e a porta se abriu, revelando um Aaron sorridente e de cabelos ainda úmidos, desta vez vestido. Ele aumentou a passagem da porta permitindo sua entrada.

-Quer sentar? - perguntou o jovem, apreensivo.

-Não, eu quero conversar com você! - respondeu Melissa.

-Nós temos tantas pontas soltas, quer falar sobre qual?

-Eu tenho uma lista na cabeça, então vamos começar com a morte da minha mãe.

-Está certa de que quer falar sobre isso? - ele transmitiu preocupação na voz.

-Não, mas eu já decidi. - houve uma pausa, como se para que ela buscasse as palavras certas para começar - A minha mãe, como você deve saber, se matou. Eu e ela... tínhamos os altos e baixos.

    "Éramos eu e ela, e um belo dia apareceu um cara dizendo que era um velho amigo, meses depois e ele já estava morando com a gente. Eu tinha nove anos quando ela viajou e me deixou com ele. Nós tentamos nos dar bem mas parece que não fluiu.

    Quando ela voltou era tarde e ele estava sentado nos pés da escada esperando por ela, eles se abraçaram como se tivessem ficado anos longe um do outro. Nessa madrugada eu a encontrei chorando enquanto trancava as cartas numa gaveta, ela me deu a chave e oito anos depois se matou. Nas cartas ela dizia que quando os meus amigos virassem as costas pra mim, eu devia ler a próxima carta.

    Ela já planejava aquilo há oito anos atrás, e às vezes eu me pergunto se não foi culpa minha, mas agora que eu estou começando a descobrir o que realmente estava acontecendo na vida dela... não sei o que realmente a motivou.Com o tempo eu comecei a me dar bem com o Ashton, nós respeitamos um ao outro mas eu não sei se nos amamos, eu não nos entendo bem!

    Na última carta ela disse que tinha escrito um diário de quando ela procurou você, acho que sei onde está, ela mencionou seu nome e disse pra eu não duvidar que era mesmo você."

    Enquanto isso o garoto assimilava calmamente as palavras que Melissa dizia, mentiras não se encaixavam com a personalidade dela. Era perceptível que a garota não suportava mentir pra ele, ela não aguentava o peso de suas mentiras, seu semblante era cansado e ao mesmo tempo aliviado e ele parecia finalmente entendê-la. Ela suspirou brevemente e então prosseguiu:

-E como você disse que era pra eu ser sincera, contar com você, é preciso dizer que... - houve uma pausa - A sua entrada na minha vida não tem sido muito fácil, tudo está muito conturbado!

    "Eu não sei se o que este nosso envolvimento significa, e se eu estiver confundindo tudo? Se for muito fácil confundir isso? E se isso já aconteceu com outros como nós?"

    Ele a encarou com ternura como se entendesse seu lado e estivesse, ao mesmo tempo, encantado com o jeito como ela pensava.

- Eu tenho medo de que a gente acabe sem sincronia e atrapalhando um ao outro. O pior de tudo é que acho que se não conseguirmos parar por aqui eu vou acabar me apaixonando por você, o que não parece bom pro meu emocional abalado.

    Eles se encaram por um tempo enquanto Aaron decidia sua resposta, ele não ficou surpreso com o que a garota disse, ele mesmo já havia pensado na possibilidade de estar confundindo as coisas, o que não seria improvável. Proteção, carinho e compreensão se encaixam nas descrições de vários tipos de relacionamentos, e se encaixavam no deles também. Finalmente ele disse:

-Eu entendo as suas preocupações, e eu te darei o espaço que precisa. Além disso, nenhum de nós teve um convívio muito longo com "outros como nós" - ele gesticulou as aspas enquanto falava - Somos jovens e imaturos e talvez simplesmente não saibamos lidar com a situação. O que significa que eu vou respeitar os seus limites, e podemos ser apenas amigos.

-Obrigada! Por tudo, por cada pequeno e importantíssimo conselho, pelo apoio e por estar por perto quando eu preciso.

-O prazer foi meu, e eu espero continuar sempre presente por você. Eu sinto muito que tenha que ser assim difícil pra você, mas é como as coisas eram pra ser desde que você nasceu.

-Errado! - disse a princesa com incerteza e amargura na voz - É como as coisa eram pra ser desde que minha mãe se envolveu com um homem casado! - ela disse com um sorriso sarcástico - Mas eu vou sobreviver.

-Então você é filha biológica da rainha usurpadora e filha adotiva da amante traidora? Ual! - ele disse com um semi-sorriso no rosto.

-Eu já disse que sobrevivo! - ela disse rindo.

    Houve uma pausa e ele viu uma expressão nova no rosto dela, era como se finalmente ela começasse a ter esperança. Ele então se lembrou que ela odiava que lamentassem a morte da mãe, talvez porque depois de tudo que havia descoberto não encontrava motivos para que estranhos sentissem falta dela. Mas nunca ninguém mencionara o quanto a ausência de um pai em sua vida pode ter doído, ainda mais agora. Então ele disse:

-Sinto muito que não tenha conhecido seu pai, sei que você deve sentir falta, mas eu também sei que Ashton faz de tudo para que não sinta falta dele. Por mais que não tenha certeza, ele te ama.

-Merize escreveu que gostaria que você leia o diário comigo, mas eu não quero te pressionar. Vou começar a ler amanhã, me avise sobre o que decidir.

    E ela simplesmente caminhou até a porta e saiu, ele notou a incrível capacidade que ela tinha de desviar dos assuntos que podiam doer, o quanto ela se esforçava para demonstrar força e capacidade, tudo isso quando por dentro ela estava apavorada com a idéia de ter que amadurecer mais cedo que o previsto, e enfrentar responsabilidades maiores do que o seu sonho de se formar em uma universidade norte-americana, de ter um marido e filhos, e nunca negar a eles o direito de saber quem é o pai, ou o direito de saber que vão acordar todas as manhãs e sua mãe ainda vai ter uma incrível vontade de viver, viver por eles, para que fossem bem preparados para enfrentar o mundo.

    Tudo que Melissa desejava era um dia tornar todas as inseguranças que tinha, certezas para alguém que a amasse, e que fosse fiel a ela. Assim como Ashton era fiel a Merize...

***

Um beijo e um queijo, o beijo com carinhos e o queijo com furinhos!

The ReignOnde histórias criam vida. Descubra agora