IV

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Havia me despedido dele quando entrei em casa e ainda não entendia nada do que tinha acontecido naquele dia...

- Pai?! – subi as escadas, o procurando.

Vi as fotos que costumávamos pendurar nas paredes da escada... Até que vi uma de minha mãe... Peguei aquela foto e lembrei-me do dia que a tiramos... Lembro que aquele tinha sido o nosso primeiro piquenique depois que viemos morar aqui. Se não me falha a memória, eu tinha doze anos. 

*****

Antes de Ubá, morávamos em Mariana, um município perto de Ouro Preto. Desde lá, conheço a Aline. Amigas inseparáveis. Dividíamos todas as nossas aventuras, estudávamos na mesma escola, morávamos no mesmo bairro. No quesito intimidade, só não somos irmãs porque nascemos de mães diferentes, risos. 

Lá, minha mãe era dona de uma loja de orgânicos (a maioria eram produtos de nossa fazendinha, os outros de alguns amigos dos meus pais). Tudo ia bem até que um amigo do meu pai visitou-nos, numa manhã de segunda: 

Barulho de campainha

- Ricardo! - ele chamou. 

Já estávamos, eu, minha mãe e meu pai, sentados para o desjejum quando meu pai nos pediu licença e foi atender.

- Grande Eduardo! - reagiu ao ver o amigo. 

Eles entraram. O senhor Eduardo cumprimentou eu e a minha mãe enquanto eles se acomodaram na sala de estar. Nós retribuímos. Havia algo estranho no ar. O senhor Eduardo apresentava um semblante preocupado.

- Então, meu amigo. Alguma novidade? Como está a família? - meu pai começou.

- Estão todos bem, graças a Deus. Renata agradeceu pela torta, dona Marília. Como sempre, estava maravilhosa. - voltou a dirigir-se à minha mãe.

- Que bom, senhor Eduardo. Obrigada! - minha mãe retribuiu.

- Desculpe atrapalhar a manhã de vocês, Ricardo. Infelizmente, não trago boas notícias. Ontem, durante o meu turno na empresa, o senhor Aristóteles parou a produção e nos deu a notícia que a empresa tentou segurar todas as pontas, mas não deu para evitar. - meu pai estava perplexo - Ele disse que os custos ultrapassaram os lucros e infelizmente a empresa não conseguiria mais continuar aberta.  

Chocado com a notícia, meu pai ficou em silêncio durante alguns minutos. 

- Obrigado por me avisar, Eduardo. - disse tocando no ombro do amigo que o acompanhara no silêncio. 

O senhor Eduardo despediu-se de nós e meu pai o levou até o portão. Voltou abatido. Minha mãe também estava com um semblante preocupado. Fizemos o desjejum em silêncio. Eu fui para escola, provavelmente, minha mãe foi trabalhar, mas meu pai, que também iria para empresa, ficou em casa.

A primeira consequência foi minha mãe fechar a loja, pois o dinheiro passou a ficar escasso para sustentá-la. Depois, começaram a chegar nos correios algumas cobranças... Meus pais tentavam transparecer para mim que tudo ia bem, mas eu sentia que não. Dois meses depois, eles me deram a notícia que precisaríamos ir embora durante um tempo. Eu fiquei triste, claro, mas fui compreensiva. 

Vendemos nossa fazenda em Mariana e compramos uma menor em Ubá. Depois de nos mudarmos (três semanas, para ser mais específica), Aline fez a cabeça dos pais e os convenceu a virem também. Eu agradeci por isso. Sem ela, tudo seria mais difícil. 

*****

Nesse piquenique ela estava tão feliz! Minha mãe parecia determinada a recomeçar. Era uma vida nova. A maior parte de nossos lanches tinham sido feitos com coisas que começamos a cultivar nos últimos seis meses. Minha mãe fazia uma geleia de morango divina... Virou sucesso na feira de Juiz de Fora... Ela era incrível! Para tudo tinha um jeito. 

Continuei a subir as escadas, ainda agarrada ao retrato.

Quando cheguei ao corredor da parte superior da casa, ouvi o que parecia meu pai chorando... O som vinha do quarto que era deles. Abri a porta, que estava encostada, sorrateiramente...

- Pai?! - Coitado! Estava agarrado ao vestido que ela mais gostava de usar: um lindo godê turquesa!

- Ela era tudo para mim... Acompanhou-me nas loucuras mais insanas! Deu-me tudo o que um homem podia querer: Uma família! Eu deveria ter feito tantas coisas por ela. – Ele chorava de soluçar... Era muito difícil vê-lo naquele estado. - OH CÉUS!

- Ei! Olha para mim. – segurei o rosto dele e limpei uma lágrima que escorria... – Sabemos que será difícil, mas precisamos tentar! Por ela. JUNTOS!

Ele me olhou fixamente. Suspirou. Levantou, foi ao banheiro, jogou uma água no rosto... Voltou. Deu-me a mão.

- JUNTOS! – com um leve sorriso em seu semblante.

A partir dali, tocamos a vida como dava... Tranquei a faculdade depois de duas semanas, já que não tinha estrutura psicológica suficiente para continuar frequentando. Nas sextas, continuei indo a feira local para vender as coisas da fazenda... Não era a mesma coisa! Sentia falta dela... As vendas não iam bem. Após 4 meses, meu pai foi dispensado do emprego, depois de crises constantes de choro e depressão. Ele não saía mais de casa. Ficava sentado em uma poltrona perto da lareira o dia todo, praticamente, e quando levantava, era para fazer o chá que os dois tanto gostavam.

Chegou o tempo que não dava para continuar morando naquele lugar. Não... Não pensávamos em nos desfazer da propriedade, por ora era apenas espairecer a mente por um tempo mesmo. Decidimos ir morar em uma cidade um pouco mais movimentada. Um dúplex em Uberlândia, MG chamou nossa atenção. Em poucas semanas, a diferença já era notável: meu pai voltou a trabalhar, agora era vigilante em uma das escolas aqui de perto de casa mesmo; voltei a estudar, estou me preparando para um novo vestibular; nos tempos vagos, dava reforço a algumas crianças da vizinhança e a vida voltou a tomar forma.

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