Capítulo 1

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Mais uma vez, mergulhado em um déjà vu monótono, encontrava-me diante do espelho, refletindo sobre a imagem de meus cabelos vermelhos e entediado com as reflexões costumeiras. A escola era o cerne de toda essa tediosa rotina, e sua repetição incessante tornava-a o ápice desse desinteressante ciclo.

Descendo as escadas em passos cautelosos, alcancei a cozinha para pegar uma maçã antes de apressadamente dirigir-me à porta de saída. Dispensei as previsíveis despedidas e encorajamentos habituais que ecoavam todos os dias. "Tenha um bom dia de aula, seja um bom aluno!", todas aquelas baboseiras costumeiras.

Ao atravessar os pequenos degraus na porta de casa, senti o vento frio beijar meu rosto. Coloquei os fones de ouvido e prossegui pelas ruas, sentindo os pingos de chuva se formarem e descerem suavemente sobre minha pele. A toca do casaco e as mãos nos bolsos protegiam-me do frio enquanto me deleitava com a rara mudança de cenário. A escola em meio à chuva, uma novidade que, surpreendentemente, me agradava. A rua, quase tão deserta quanto minha festa de 15 anos, era povoada apenas pelo garoto de capuz no final do caminho, concedendo à cidade uma aura de abandono.

A chuva persistia e o enigmático garoto mantinha-se imóvel, sua presença e olhar fixo causando-me desconforto. Seu capuz sombreava seus olhos, e seu sorriso psicótico provocava calafrios enquanto a chuva corria por seu rosto, acentuando a expressão sinistra. Acelerei o passo para me afastar dele, liberando o ar aprisionado em meu peito. Porém, uma risada baixa e abafada fez-me fitar o vazio; o garoto havia desaparecido, deixando um rastro de inquietação em mim. Respirei fundo e segui apressado em direção à escola.

Desde a partida de Dray, meu melhor e único amigo, a escola perdeu sua antiga essência. O mistério de seu desaparecimento permanecia sem resposta, deixando-me sozinho e amedrontado, gostava de pensar que ele apenas havia se mudado de cidade tal como no passado. Acreditei que ele já havia feito novos amigos em sua nova escola, pois Dray sempre fora exímio em criar laços afetivos.

O sinal soou, e observei os corredores inundarem-se de alunos correndo para as salas como se escapassem de um abismo iminente. Rapidamente peguei minhas coisas no armário e apressei-me rumo à sala de aula.

Ao entrar na sala, optei por qualquer assento disponível, encontrando-a quase vazia, exceto pela garota rodeada de livros no fundo da classe. O ambiente logo se encheu com os mesmos rostos de sempre, como se estivessem evitando o abismo sem fim. A aula começou, mas a intervenção da orientadora chamou a atenção de todos.

— Com licença, professor! — ela adentrou a sala, abrindo mais a porta para dar passagem ao garoto ao seu lado. Meu coração acelerou ao vê-lo, minhas mãos tornando-se úmidas, dominado pelo mesmo medo anterior. Era ele, o rapaz do capuz. Seu olhar cruzou o meu, e um frio intenso percorreu minha espinha, enquanto seu sorriso psicótico estampava os lábios. Engoli em seco e me ajeitei desconfortável na cadeira.

— Pessoal, esse é Tyler! Aluno novo! — a orientadora anunciou, sorridente. — Sente-se, Tyler. — indicou, e o garoto caminhou lentamente em minha direção, sentando-se ao meu lado. Seu sorriso, agora doce e amigável, contrastava com a estranheza que sentia. Esperou o professor se virar para o quadro e me olhou, estendendo a mão.

— Prazer! Eu sou Tyler. Lembra de mim? Eu te dei "Oi" hoje de manhã. — disse, estendendo a mão em minha direção. Intercalei olhares entre sua mão e seu rosto, que exibia tranquilidade.

— Ah, sim... Lembro sim... Mas... Você não me deu "Oi"! — respondi, apertando sua mão com cautela. Ele arqueou as sobrancelhas, fazendo uma careta curiosa.

— Eu dei sim! Mas você saiu correndo! — disse, rindo, soltando minha mão.

— Desculpe, mas você estava me assustando — Digo desviando meu olhar do seu.

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