Capítulo 7. A melhor maneira de evitar a escola

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   A melhor maneira de evitar a escola, como todo mundo sabe, é ficando doente.
   Mas nem todas as doenças são iguais. Algumas são melhores do que as outras.

   Amigdalite, por exemplo, é otima. Você consegue tomar todo o sorvete que quiser. É o meu sonho ter amigdalite um dia.
   Apendicite é bom também, mas não tão bom quanto um apêndice estourado, o que faz com que você tenha de ser mandado para o hospital na ambulância a toda velocidade, com as sirenes tocando. Isso aconteceu quando o apêndice do Calvin estourou e a mamãe o encontrou no chão da cozinha. Ele tem muita sorte!

   Gripe é bom, mas não é ótimo. Você só pode tomar chá de gengibre e bolacha água e sal, o que é bem chato. Mas, geralmente, você consegue assistir a todos os programas de culinária e desenhos que quiser.

   O resfriado comum? Vitaminas riuns, lenços de papel e você volta para a escola no dia seguinte.
   Mistérios da medicina? Se você pegar síndrome do sotaque estrangeiro ou loucura galopante, ou fobia a giz, pode esquecer. Volta para a escola no mesmo dia.

   Então, você precisa ter paciência. É como escolher um carro ou uma casa; minha mãe diz que não devemos aceitar a primeira oferta porque um negócio melhor pode estar por vir.
   E estava.

   Um dia, Jules não foi para a escola - estava com catapora.
   - Não se aproxime da casa de Jules - a Srta. P. avisou à nossa sala. - Vai demorar duas semanas para que todas as bolinhas sumam totalmente. Até lá, Jules pode passar catapora pra qualquer um.

   Qualquer um?
   Senti vontade de dançar!
   Quase estourei como bombinhas!
   Mas não fiz isso.
   Precisava esperar a aula terminar.

                 ★~★~★~★~★~★~★~★

   Foi difícil não chegar perto da casa de Jules. Fica no caminho para todos os lugares. É como se a casa de Jules fosse um grande ímã e eu uma peça de ferro. Sempre que saio da minha casa, sou atraído para a dele, simples assim.

   Quando terminei de tomar o café da tarde com minha mãe e finalmente saí de casa, foi exatamente o que aconteceu! Fui puxado com tanta força para a casa de Jules que quase não consegui pegar o sapo gordo que estava no meio do caminho. E quando cheguei à casa de Jules, já havia uma fila atrás dos arbustos altos da frente, igualzinha à fila do cinema quando algum filme de terror está em cartaz.

   - Ei, pessoal - eu disse.
   - Shhhhh - Eli disse. - Fale baixo ou a mãe de Jules vai nos ver e vamos ter que voltar para casa.
   - Espere a sua vez ou caia fora - disse Hobson, que sempre dá opções às pessoas. - Esta operação é totalmente secreta. Vamos um por um, ou não vai ninguém.
   - Tudo bem, eu espero - eu disse.
   - Uuuurrrgggh - disse o sapo em minha mão.
   - O que você tem aí? Um sapo? - Nhia perguntou.
   - É - respondi.

   Coloquei o sapo na grama e todos saltaram ao redor dele tentando pegá-lo por um tempo. Foi fantástico. E, quando percebi, já era minha vez. Peguei o sapo, corri pela lateral da casa e trombei com Miúdo bem embaixo da janela de Jules.
   - Olha por onde anda - Miúdo disse. Ele esticou o braço com uma lata. Na lata havia o rótulo:

        Visita de um minuto: $0,50
                  Pular na cama: $1

   - Você tem um dólar? - Miúdo perguntou.
   Eu me assustei. Miúdo não costuma falar comigo. Geralmente, não fico no caminho dele, de jeito nenhum.
   Mas eu estava ali, naquele momento!
   Balancei a cabeça. Não tinha um dólar.

   - Tem cinquenta centavos?
   - Não.
   - Então vou ficar com o sapo - Miúdo disse.
   - De jeito nenhum - eu falei, colocando o sapo embaixo do braço. - É para Jules.
   - Sem dólar, sem sapo, sem serviço - Miúdo disse.
   - Espere! - lembrei lembrando de um pedaço não mascado de chiclete guardado em meu bolso de trás. Eu o peguei. Estava quente e macio.

   Miúdo pegou o chiclete, abriu e o colocou dentro da boca.
   - Certo - ele disse. - Você tem um minuto.
   Peguei meu sapo e pulei a janela do quarto de Jules.
   Jules estava na cama.
   Dei o sapo a Jules.

   - Valeu - ele disse.
   - Uuuuugh-rrrrgh - fez o sapo. - Urrrrgggggh.
   Em inglês, catapora é doença da galinha, então eu perguntei, olhando ao redor do quarto de Jules:
   - Cadê a galinha?
   - Eu também queria saber - Jules respondeu. - Sei lá.
   Fiquei muito desapontado. Como se pega doença de galinha sem pegar uma galinha primeiro?
   - Vim aqui para pegar doença da galinha - eu disse. - Não a doença normal.

   Mas a doença normal não era muito ruim. Tinha transformado a cabeça de Jules em uma batata coberta com olhos vermelhos. Alguns olhos choravam, outros estavam com casquinha. Muito legal! Jules nunca tinha botado tanto medo antes.
   - E aí, o que está fazendo? - eu perguntei.
   - Nada - Jules disse. - Bem, acho que estou me coçando um pouco.

   Jules se coçava pra valer. Não sei se ele é menino ou menina. Às vezes brinca com os meninos e às vezes brinca com as meninas. “Jules” pode ser apelido de “Juliano” ou de “Julia”. É difícil saber. As bolinhas também não ajudavam muito. Na verdade, faziam com que Jules não se parecesse nem com um menino nem com uma menina. Na verdade, Jules se parecia bem com um alienígena. Uma batata viva de verdade, saída de um objeto voador não identificado.

   - Você tem tanta sorte! - eu disse. - Eu adoraria ficar assim.
   - Sim - Jules concordou. - É bem legal, tirando a coceira.
   - Tem algum lugar que você não alcança? - perguntei.
   - Sim, bem no meio das minhas costas - Jules disse, fazendo uma careta.

   Entao, ajudei Jules. Acho que é uma das regras dos cavalheiros, mas não sei de verdade, não me lembro.
   - Valeu - Jules disse.
   - De nada - respondi.
   - Acabou o tempo! - Miúdo avisou da janela.
   - Falou - eu disse.
   - Falou - Jules respondeu.

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   Nenhum de nós pegou uma galinha, nem nunca viu nenhuma. Então, ninguém ficou com a doença da galinha naquele dia. Nem com a doença normal. Que decepção!

   E então, bastante tempo depois… quando todos nós tínhamos esquecido de Jules e da doença da galinha e quando nenhum de nós estava tentando pegar mais nada… um milagre aconteceu.
   Nosso professor de arte, o Sr. Gruenert, estava mostrando retratos famosos, uma tarde.

   Frida Kahlo me pareceu um tanto esquisita com galhos saindo de seus cabelos.
   Paul Gauguin parecia ter febre, porque estava no Taiti, onde é muito quente.
   E Vincent van Gogh, com seu chapéu de palha, era bem esquisito.
   Muito esquisito.

   Então, recebemos os espelhos e os pincéis para que pudéssemos pintar nossos autoretratos. Meu autoretrato ia ser uma obra de arte. Mas que estanho… não estava interessado em pintar. Não estava interessado em nada.

   - Vocês estão um pouco esquisitos - o Sr. Gruenert disse.
   Eu me sentia esquisito.
   E então olhei no espelho. Uma coisa assustadora estava na minha frente.

   - Aaaaaaaaaaaiiiiiiii - o grupo todo gritou. Eles também estavam olhando no espelho!
  E então Pulga, que estava ao meu lado, olhou para mim.
   - Aaaaaaaaaaaaiiiiiiiiii - ela gritou, derrubando suas tintas.
   As outras meninas também gritaram. Algumas correram depressa. Outras correram mais depressa ainda.
   Dava para pensar que a gente era um bando de alienígenas ou alguma coisa assim.

   A escola ficou fechada por duas semanas e meia depois disso. Saiu uma reportagem sobre nós no jornal, e as pessoas que estavam longe, lá em Andover, Massachusetts, que também é difícil de escrever, leram sobre a grende epidemia de catapora em Concord. Estávamos famosos! No jornal, estava escrito que…

   A primeira vítima tinha sido mantida em cuidadosa quarentena.
   E todas as crianças tinham sido alertadas para que mantivessem distância.
   Como a epidemia começou era um grande mistério.

Alvin Ho Onde histórias criam vida. Descubra agora