Capítulo 15. O problema de entrar para uma gangue

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   O primeiro problema de entrar para uma gangue é que a pressão começa logo de cara.
   - Duvido que você mostre a língua para a motorista do ônibus - Miúdo mandou. A gangue nos acompanhou quando descemos do ônibus.

   Fiquei em pé na calçada de minha casa. Mostrei a língua para a motorista do ônibus. Ela não pareceu muito contente. Mas o Miúdo sim.

   - Duvido que você grite um palavrão para o ônibus - Miúdo mandou, enquanto o ônibus se afastava. - Agora!
   - SOVACO DE COBRA! - gritei com toda a força.
   - O quê? - Eli perguntou.
   - Fique de olho na estrada, cara de galinha enfezada com diarreia! - acrescentei, por garantia.
   - Tá, pode esquecer - Miúdo disse, impaciente. - Deixa pra lá.

   O segundo problema de entrar para uma gangue foi que Pulga fez aquela cara, virou-se e desceu a rua, balançando a perna dura e tudo, sem dizer nada.

   O terceiro problema de entrar para uma gangue é que não sei o que eles vão me mandar fazer… mas tinha a sensação de que seria assustador. Pensei nisso enquanto sabíamos a minha rua.
   - Eu duvido que você… - Miúdo disse, olhando para cima - pule do telhado da sua casa!
  
   - Vou contar para a mamãe - disse Calvin, que estava bem atrás de nós.
   Ele correu para dentro de casa.
   - Mamããããããeeee! - escutei quando ele gritou. - Mamãããããããeeee!

   Meu coração disparou. Minha mae é uma salvadora. Ela me salvaria. Sempre salva.
   Mas minha mãe não saiu. Nem Calvin.
   Então olhei para o lado esquerdo. Então olhei para o lado direito. Depois olhei para bem alto. Engoli em seco. Tentei me controlar para não chorar. Mas é importante, em momentos assim, não demonstrar como você se sente. É como jogar pôquer. Mesmo que você esteja perdendo, precisa fingir que esta ganhando.
  
   - E então? - Miúdo perguntou.
   - Tudo bem - eu disse. Mas eu não estava bem. Estava prestes a fazer xixi na calça. Num momento eu estava em pé na calçada, no outro podia estar espalhado na calçada, morto, de repente.
   - E aí? - Miúdo perguntou. - O que está esperando?
   - Preciso ir ao banheiro primeiro - eu disse. Corri para dentro, subi as escadas e usei o banheiro.
   E então entrei no meu quarto e olhei pela janela.
   O telhado era bem longe.

   Calvin e Anibelly estavam brincando de pega-pega com gunggung no quintal. Mais longe, na rua, Pulga estava brincando sozinha no quintal da casa dela, construindo uma coisa que parecia uma pirâmide. Era bem legal, mesmo de longe.

   - Vamos jogar bola - era a voz de gunggung entrando nos meus ouvidos. Ele é meu avô por parte de mãe. Quando ele está em casa ao chegarmos da escola, quer dizer que minha mãe está trabalhando; e ele cuida da gente.
   Olhei para Miúdo. Ele gritava alguma coisa para mim e seu rosto estava muito vermelho. Ele parecia bem menor do que é. Na verdade, de onde eu estava, o Miúdo era só um miúdo.
   Desci de novo.

   - Não vou pular do telhado - eu disse para Miúdo.
   - Por que não?
   - Tenho acrofobia - eu disse.
   - Hein? - Miúdo perguntou.
   - Medo de altura - expliquei.
   - Bem, então… - Miúdo disse. - Duvido que você… assista a um filme de terror!
 
   Fiquei congelado. Detesto filmes de terror. Eles me fazem ter pesadelos. Depois que assisto a um deles, não consigo comer, não consigo falar, não consigo dormir, não consigo esquecer. Mas concluí que seria melhor do que pular do telhado para morrer na calçada e ainda ser atropelado pela Louise.

   Senti vontade de chorar como um bebê. Mas não chorei. É importante, em momentos assim, não demonstrar como você se sente de verdade. É como entrar no consultório do médico para tomar uma vacina. Apesar de a injeção poder matar, você precisa demonstrar que não sabe disso.

   Então eu comecei a marchar.
   Felizmente, o caminho mais comprido até a TV de nossa casa é pelo quintal dos fundos.
   - Oi, Alvin! - Anibelly chamou alegre. Ela sempre fica alegre ao me ver, principalmente depois da aula. - Era você xingando o ônibus da escola feito um feioso?
  
   Não respondi. Anibelly estava usando minha luva de beisebol, aquela com meu nome. E estava lançando a minha bola, aquela que pertencia a Daisuke Matsuzaka, com os dois dedos unidos em cima. Ela pegou a bola com a luva de gunggung. Ffffffffit. El estava fingindo jogar com rapidez.
  
   Mas o som da bola de Anibelly, batendo na luva é um pouco assustador. Fez com que a gangue parasse.
   - Quer lançar, Alvin? - Anibelly perguntou. - Vou pegar.
   - Não, obrigado - eu menti. - Tenho uma coisa melhor para fazer.
   - Como o quê, por exemplo?
   - Como provar a valentia dele - Miúdo disse -, para poder brincar com a gente na escola.
   Anibelly quase fechou os olhos. Ela colocou o pé na frente no estilo hokey pokey e fez uma careta que dizia que eles teriam de enfrentá-la antes.

   - Anibelly - gunggung disse. - Se Alvin prefere não brincar de pegar, tudo bem.
   Meu gunggung adora beisebol. Ele é uma máquina de atirar bolas. E brincar de bola com ele é o que mais gostamos de fazer depois da escola, sempre que ele está por perto. Então, Anibelly e gunggung voltaram a jogar a bola e a gangue e eu ficamos olhando.

   - Agora vamos jogar soquinho - gunggung disse, mostrando a Anibelly e Calvin. Ele fechou a mão e deu soquinho na bola, lançando-a para Calvin. Foi lento e esquisito. Calvin não sabia bem aonde ela estava indo.
   - Agora vou mudar - meu gunggung disse. Ele esticou o dedo do meio e o quarto dedo para pegar a bola por cima, com o.dedo indicador e o mindinho segurando pelas laterais e o polegar embaixo, e a lançou para dentro da luva de Anibelly. Ummmf. Não parecia tão rápido. Outra bola que enganou. Ela pode enganar você, fazendo com que tente rebater cedo demais.
  
   E então meu gunggung demonstrou o lançamento com dois dedos e o com quatro dedos. E então o lançamento com dedos separados e o lançamento mais lento. Foram iraaados, ou seja, fantásticos!

   Nem acreditei. Adoro jogar com meu gunggung. Gosto mais do que abrir buracos. E com certeza gosto mais do que aceitar os desafios do Miúdo. Para piorar as coisas, ali estava Anibelly usando minha luva e minha bola!
   - Pensei que vocês tivessem coisa melhor para fazer - meu gunggung disse.
   Ninguém se mexeu. Uma brisa moveu as folhas ao redor dos nossos tornozelos.
 
   - Oh sim… - Miúdo disse por fim. - Temos.
   E esse é o maior problema de entrar para a gangue. Outra pessoa fala por você.

Alvin Ho Onde histórias criam vida. Descubra agora