Cap 2

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Diogo

Meu celular tocou. Estava entediado, deitado na minha cama escutando Guns N' Rouses.
- fala cara.
Era Julian, organizador dos rachas clandestinos que mais me agradavam no momento, apesar de que nos últimos meses eu nem ligava para essas competições. Também tinham perdido a graça, como tudo na minha vida.
- coisa nova no pedaço, Diogo.
- espero que seja. Estou farto daquelas corridas sem graça que voce organizou nos últimos torneios.
- essa vai ser o evento do ano, escuta só! Escolhi dez competidores, só os melhores, você sabe. E o prêmio, você nem imagina.
Os prêmios eram variados. As vezes tinha dinheiro na parada, troca de carros, objetos de valor....valia tudo.
- o prêmio dessa vez será uma mulher- falou entusiasmado.
- não preciso disputar uma corrida para ter mulheres, Julian. Isso parece tão careta- comentei irritado.
Mulheres sempre estavam na minha cola. Tinha sorte com elas. Na verdade eu sabia muito bem como tratar uma na cama e isso era um assunto que corria nos meios em que eu vivia. Quando saíam comigo também sabiam que era só na cama, fora de lá, não tínhamos mais nada para resolver.
- porque você não conheceu a mulher em questão. Paguei uma pequena fortuna por ela.
O comentário me trouxe um certo mal estar. Mulheres não eram um produto que deveria ser vendido. Mesmo para um filho da puta como eu, esse pensamento parecia lógico.
- tô fora. Comprar mulheres Julian? Qual é sua parada agora?
- eu queria inovar. Não é qualquer mulher. É uma das mulheres mais bonitas que já vi na vida e virgem! Estamos até com o laudo médico comprovando. A garota é filé. Não acho que você queira perder, até porque o Bonde, que me arrumou ela, vai participar da corrida.
A menção ao nome de Bonde me fez mudar de ideia no mesmo minuto. Nossa rincha era antiga. Ele não ficaria com o prêmio.
- Bonde está fora a várias corridas. Faz tempo que quero enfrentá-lo. Porque resolveu aparecer?
- parece que deseja a garota mais do que qualquer coisa. Então tá dentro, Diogo?
- as regras?- perguntei.
- hoje à noite, no ponto do Itaquera. Lá explico as regras e como vai ser. Será um torneio, não uma corrida só. Uma hora da manhã esteja lá- falou entusiasmado- Vai ser o bicho!
Desliguei o celular, me animando novamente. Enfrentar o Bonde era um desafio que me entusiasmava.
Escutei alguém esmurrando a porta. Sem nem olhar já sabia que era meu pai. Fingi que não ouvi.
Voltei a me jogar na cama, esperando ele entrar. Já sabia que era o que faria.
Mais alguns murros e a porta se abriu.
Ele me olhou, colocando as mãos no ouvido e depois fez sinal para que eu abaixasse o som.
Desliguei, porque gostaria que ele desembuchasse e saísse logo, não porque eu o temia. Eu nem ligava pra ele.
- tem cartas que chegou para você em cima da mesa da cozinha e seu almoço está no microondas.
Não demonstrei nenhum interesse pelo que ele dizia.
- Diogo, estou falando com você, filho.
- acontece que não estou a fim de te responder e nem olhar para sua cara chata.
Eu o odiava. Nada, nunca, mudaria esse fato. Mesmo não tendo conhecido minha mãe, eu sempre soube que ela era especial. Também soube durante a minha existência que por mais especial que a pessoa fosse, quando ela partia tinha acabado. Não dava para parar de viver quando se perdia alguém e meu pai havia feito isso, mesmo tendo um filho para criar.
Eu nunca o perdoaria por isso, mesmo ele tentando ser legal agora, não colava mais. Ele teve sua chance de ser pai de um garoto sem mãe e a desperdiçou. Agora não adiantava correr atrás do prejuízo. A única coisa para que ele me servia, era me dar dinheiro e manter meu padrão de vida.
Derrotado, ele saiu do quarto.
Aumentei o volume do som. Me joguei na cama  e percebi que estava entediado. Até a hora da corrida eu precisa fazer alguma coisa. Resolvi vestir uma camisa e sair para fazer uma tatuagem que representasse a corrida de hoje.
Ela parecia importante.
Passei na cozinha, peguei uma cerveja na geladeira e conferi as minhas correspondências.
Meus olhos se fixaram em um convite de casamento. Curioso abri o envelope cheio de frescura. Lá estava

Leon Alster e Megan Failen convidam você para viajar no amor.
Dia 23 de Setembro, no navio MSC preciosa, esperamos você para a comemoração de três dias dessa história de amor. Sua suíte já foi reservada.

O quê? Eles se casariam?  Em um navio? Tudo idiota como aquela história toda.
Quando vi Megan pela primeira vez ela estava toda machucada, tinha levado uma surra e depois de tantos anos, ela trouxe de volta aquele garoto que almejava fazer o bem. Eu desejei cuidar dela. Não era amor, não era paixão....era só um cuidar sem razão.
Então do dia pra noite ela apareceu com aquele babaca do leon e agora se casariam.
Se eu iria? Abri um sorriso um malicioso. Claro que iria!
Eu estragaria aquele casamento, atormentaria o noivo e quem sabe até roubaria um beijo da noiva.
Abri o lixo de pia e joguei o convite dentro. Peguei o molho de chaves no armário e sai.
Na garagem, fiquei em dúvida de qual carro pegar. Optei pelo golf GTI , minha mais nova aquisição, modificado com 415 cavalos.
Entrei no carro, liguei o som em um altura que meu pai dizia estourar meus tímpanos e sai puxando feito louco pelas ruas de São Paulo.
Quando encostei em frente ao estúdio de tatuagens do Dragão, meu celular tocou.
Olhei para o visor e vi o nome da Julie, minha irmã. Na verdade, a mais nova descoberta do meu pai. Ele como o pai negligente que sempre seria, tinha perdido essa filha no meio do caminho depois de dormir com uma louca por uma noite. Julie tinha aparecido fazia quase três anos. Era o meu oposto: meiga, doce, gentil, olhar de anjo....
Fazia questão de tentar ficar próxima a mim. Já eu fazia questão de desfazer dela o tempo todo. Na verdade ela e meu pai eram a combinação perfeita. A sobra da equação de família era eu.
- fala- atendi sem muito ânimo.
- Diogo, onde você está?
- não é do seu interesse- respondi secamente.
- me....desculpe- ela falou. Sempre tão correta, pedindo perdão para um filho da mãe como eu- eu só queria te convidar para o almoço de domingo. Faz tempo que o Joe não faz seu famoso churrasco. Você vem?
- se eu não encontrar nada melhor no mundo inteiro para fazer, eu vou.
- tudo bem. Espero que venha.
Desliguei sentindo um pequeno incomodo por ter sido tão grosso, mas esqueci assim que entrei no estúdio.
Fiquei mais irritado, quando depois de meia hora, sai de lá sem nenhuma nova tatuagem. Nada me agradou. Estava sem motivação.
Talvez isso melhorasse depois da corrida.
- Diogo- alguém chamou quando estava entrando no carro.
Olhei e encontrei Daiana encostada no muro fumando um cigarro que deveria ser de maconha.
Abri um sorriso e fui em sua direção.
- olha quem vai alegrar meu dia.
Jogando o cigarro no chão, ela passou braços por meu pescoço e me beijou. Apertei ela no meu corpo e dei um tapa na sua bunda.
- vamos nessa. Tenho planos- falei no seu ouvido.
- só ser for agora, gato- ela piscou e saiu correndo para o carro.
Voltei para casa, passei o resto do dia na cama com ela e quando escureceu, mandei ela embora. Sem nem ao menos pagar o táxi. Não me importava, já estava satisfeito.
Se elas se incomodavam? Nunca. Todas já sabiam o que teriam de mim.
Tomei um banho, vestir uma calça e uma camisa preta e fui para a corrida.
Agradeci por meu pai não ter aparecido. Era sempre assim. Durante o dia, enquanto ele trabalhava o território era meu. A noite, quando ele estava em casa, eu sumia.
Cheguei uma hora antes da corrida, no local marcado. Já estava lotado de carros, sons se misturando por todos os lados e mulheres vulgares subindo no colo dos rapazes.
- e aí campeão- julian se aproximou. Estendi a mão e ele deu um soco me cumprimentando- pronto para a corrida da sua vida?
- sempre pronto, cara. Só que essa não é a corrida da minha vida. Você está dando importância demais para essa competição.
- isso porque você não conheceu a garota. Olha lá- ele apontou para o outro lado da rua.
Vários rapazes se misturavam em um bolo de gente, todos focados em alguma coisa que estava no meio da roda. Eu não conseguia ver.
- lá está Lorena, o anjo mais desejado do momento. Pode ir conferir. Depois você me diz o que achou do produto.
- tem centenas de mulheres aqui que estão dispostas a passar o resto dos dias na minha cama- fAlei irritado com a forma como davam tanta importância à uma única mulher- estou nessa pela corrida.
- olhe primeiro, Diogo, eu acho que vai mudar de ideia.
Então Julian colocou um apito na boca e assobiou, fazendo quase todos os caras da roda olharem pra ele, abrindo passagem e lá surgiu ela.....
Não era qualquer mulher.
Era um anjo.
Um anjo de olhos azuis tão claros, que me lembrava as águas do Caribe.
Os cabelos castanhos ondulados, eram como o mel embebedando as ondas do mar.
Pela primeira vez na vida, eu não olhei para só para o corpo de uma mulher, porque quando ela me olhou, eu tive a certeza de que enxergava minha alma.

Inexplicável amor  (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora