Morto & Carmesim

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Quando entraram em casa, o prédio de aparência vitoriana, não parecia uma boa locação. Estava caindo aos pedaços, sem água ou energia, tão próximo de um pesadelo que assustava a coragem do mais velho.

    Jackie estava sentado no chão, sobre o tapete manchado com a substância escarlate que um dia correu às veias do Velho Jack, observando todos aqueles desenhos estranhos, com traços e pontos esticados, nas bordas, próximo à costura. O assobiar do vento, balançando as cortinas putridas, cheirando à poeira e mau uso, era o único ruído que sobressaltava o zunir das lembranças que a casa sussurra. Era impressionante como as portas ainda estavam fechadas, do mesmo jeito que sempre ficavam, ocultando segredos desconhecidos quais os irmãos jamais poderiam ter acesso. Sentia como se a família estivesse toda ali: a mãe e seus poemas, o pai e seus negócios, os irmãos e suas diversas formas de divertimento, todos escondidos em seus aposentos, vivendo livres em seus mundinhos arrepanhados.

    O mais velho, vestindo a couraça que um dia fora do caçula, foi até o quintal e observou a lama espessa jogada sobre a moradia profunda e apertada do Velho Jack. As lembranças daquele dia ainda perturbam as órbitas preenchidas do garoto, desde então, tudo o que ele vê é morto e carmesim.

    Com a austeridade pesando sobre suas costas e a tristeza transbordando os bolsos, o mais velho dos Orestes sentou-se, ali mesmo, na lama. Com os olhos sufocados em lágrimas e os pensamentos engolfados no medo de que elas transbordem, ele olhou para aqueles frágeis gravetos enfiados na terra com pressa e primazia. Aqueles são a lápide que Jack não teve, uma cruz mal amarrada, pendendo para um dos lados, ameaçando cair, mas sobrevivendo aos dias como se esperasse unicamente por esse momento, o momento da volta de seus criadores.

    Jack, ele devia estar sob toda aquela terra, grama, lama e tempo. Calado, carmesim e morto, como o filhos o deixaram. Mas Jack ainda está sobre aquele telhado, andando pela casa, adentrando os cômodos, apagando e ascendendo as luzes, enrolado em seus termos negros e camisas muito brancas, o sinto com a cobra na fivela, os sapatos gigantes, os dedos leves e ásperos, alisando os pensamentos cheios de rudeza do mais velho, mantendo-os ávidos, vividos, famintos e obcecados ao menos tempo em que os sufoca.

    Vingança.

     Ele supria e era consumido por vingança. Seu alvo está perto, e ambos os Jacks, tanto os mortos que permanecem vivos, quanto os vivos que estão mortos, queriam aquilo, mesmo que não fosse justo, mesmo que não bastasse, mesmo que não apagasse nem mudasse nada... Eles queriam, todos eles desejavam a vingança, até mesmo os que suportam todo o peso em silêncio, debruçados em tapetes manchados e fedorentos, fingindo que o mundo ainda pode girar para um outro lado.

Enquanto Formos Jack (Raison D'être)Onde histórias criam vida. Descubra agora