Limite

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Dias e dias trancados numa grande caixa de madeira marrom com traços tão verdes e caracóis chamuscados, fizeram a claustrofobia do mais velho — só por alguns minutos — escorrer pelas laterais e manchar todo o chão encarpetado do trem. Talvez a Itália fosse capaz de pôr homens do governo atrás desse Jack por manchar o chão de sua bela monstruosidade mecânica e invadir suas terras clandestinamente.

     O mais jovem dos Orestes nada podia fazer a não ser deixar bem claro que monstro algum conseguiria passar por ele e fazer o mais velho rir de vez em quando.

    Para Jack, o mundo estava meio de cabeça para baixo. O estômago virando e revirando, girando e regirando. Aqueles monstros que Jackie citava, poderiam aparecer em qualquer lugar entre as cidades e as florestas, que surgiam e desapareciam nas janelas. O almoço, que não passou de ravioli e um grande e muito cheio copo de suco de maçã, estava pedindo para voltar ao prato.

    Jackie, quem odiava trens, parecia cada dia mais empolgado. A empolgação não demonstrava ser vinda de um futuro banho de sangue, apenas das mesmas cidades nas mesmas janelas em que o medo de Jack ganhava forma, foco e peso.

    Aqueles pontos fracos, estampados em sua cara, faziam de Jack um ser tão pouco perigoso, que seria difícil acreditar que ele um dia punha armas em mãos de crianças e as ensinara a matar velhos ricos, na calada da noite, por mero capricho. Não há ferocidade em seus olhos, nem coragem sobre suas palavras, tampouco há rispidez em seus movimentos. Há apenas uma porção de ânsia e dor de barriga. Aquilo o irritava, a irritação lhe dava dor de cabeça. Mais dores é o que ele menos precisava.

    Quando a linha que limita os territórios francês e italiano lançou ao horizonte os grandes e magros picos das montanhas da fronteira, o trem deu uma guinada sonolenta para a direita e desceu algumas pequenas ladeiras. Jackie fora possuído em um instante. Sentou-se, erguendo as pernas para o assento e acolhendo os joelhos entre os braços.

    Logo as curvas se tornam mais violentas, o trem gemia e assobiava sempre que os pés de uma montanha pareciam muito próximos. As pontes eram perigosamente finas aos olhos de Jackie, finas de mais para uma coisa tão grande e pesada como um trem passar sem fazer grandes estragos. Então vieram os túneis. Ah, os túneis causavam uma espécie de euforia nos olhos cinzentos de Jackie. Ele os fechava até que a luz assombrasse o outro lado e o sol aquecesse novamente suas bochechas. O mais velho enrolou-se numa grande manta verde e deitou-se sobre o banco, encolhido feito um gato.

    Seu teatro carmesim estava distante de mais para continuar sendo levado a sério. Eles pensavam em desistir e esquecer de vez cada uma das órbitas vazias do Velho Jack. Mas as órbitas não quiseram ser esquecidas, e, persistentes, obrigaram os pobres Orestes à resistir por todo o caminho, até que a França estivesse bem diante de seus olhos, e os perigos, escondidos em seus becos e vielas escuras, se convidassem para a peça.

Enquanto Formos Jack (Raison D'être)Onde histórias criam vida. Descubra agora