Nuvem de felicidade

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"Todos os caminhos trilham pra gente se ver... Todas as trilhas caminham pra gente se achar viu?

Tudo diferente - Maria Gadú

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Acordo com meu despertador, jogo o edredom para o lado e me levanto ainda sentindo toda a preguiça em meu corpo. As cortinas do meu quarto estão fechadas em sinal de que minha mãe não está em casa, suspiro e sigo para o banheiro sem me preocupar em calçar meus chinelos.

 Tiro todas as minhas roupas e como de costume paro em frente ao espelho para verificar minha aparência do dia como se eu ao menos me importasse com algo tão insignificante.

Meus cabelos estão desgrenhados, minhas sardas espelhadas pelo rosto, olheiras leves, lábios ressecados e algumas espinhas.

Uma linda aparência para uma quarta-feira, certo?

Ligo o chuveiro, entro abaixo da cortina d'água fria e fecho meus olhos. Me permito aproveitar cada segundo do banho e ao terminar sigo para o quarto ainda enrolada na toalha preta, paro em frente ao meu guarda-roupas pensando em algo para usar nessa manhã entendiante em que me encontro.

Acabo usando uma calça jeans, blusa creme e casaco da mesma cor, acompanhado de meus all stars brancos surrados e minha mochila.

Desço as escadas correndo, fecho a casa e sigo para o portão. 

Respiro fundo, coloco uma expressão serena no rosto e abro o velho portão que range. Saio pela rua andando com a cabeça baixa por pura desculpa para não falar com ninguém, pelo menos não hoje.

Hoje queria ser apenas invisível.


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A rua inteira está com uma aparência peculiar apesar de estar exatamente igual, nada muda pelas ruas da minha cidade mas hoje em particular sinto uma energia pairar sobre tudo ao redor como se fosse uma nuvem de gás causando felicidade mesmo em meio a desilusão.

Entro na pequena confeitaria que há em meu bairro. Observo atenta o local enquanto penso em coisas aleatórias. As paredes são pintadas em branco com desenhos coloridos de bolos e cupcakes, as mesas de madeira pintadas em branco, o balcão branco contém potes de vidro com biscoitos, vitrines de vidro com bolos lindos e o chão perfeitamente limpo e todo em madeira de lei.

Me senti em um filme clichê ao entrar e ir até o balcão sem saber o que comprar. Acabo pedindo apenas chá de hortelã e dois cupcakes de nozes. Me sentei em uma mesa em um canto afastado, peguei meu livro na mochila e meu celular com meus fones para ouvir alguma música pop qualquer. Abro meu livro na página quarenta e dois e bebo um pouco do meu chá enquanto aliso meus dedos pela página de forma delicada.

Bebo mais um gole do meu chá, leio um pouco do livro com calma, mordo um pedaço do meu cupcake enquanto olho para a porta da pequena loja que, por algum motivo, me mantinha a olhando o tempo inteiro como que a espera de algo ou alguém.

Olho no relógio antigo que ornamenta a parede da loja, são exatamente cinco e meia da tarde, talvez algo esteja apenas me incomodando em vão como por exemplo o chaveiro de Carolina que ainda se encontra em minha mochila, viro a página do livro para a quarenta e três.

Ouço o som do sino da porta, levanto o olhar acompanhando a entrada da pequena loja. Meu coração se acelera, pulsa e quase para com a visão que tenho. Um sorriso surge em meus lábios e então tudo parece ter sentido. Eu estava ali pra ver Carolina outra vez como nos outros dias.

Ela estava mais branca do que eu me lembrava porém continuava linda, os cabelos escuros caindo em uma franja pelo rosto, as bochechas vermelhas talvez por ter corrido, uma camisa preta de uma banda de rock, calça jeans escura e uma mochila preta.

E mesmo assim continuava linda.

A observo ir até uma mesa afastada onde abre sua mochila tirando um tablet e pede apenas um café ao garçom. Chamo uma garçonete tentando não chamar atenção e a mesma se aproxima de mim com um sorriso no rosto.

   — Posso ajudá-la senhorita? — Ela pergunta sorrindo.

— Sim. Pode por gentileza levar um bolo de chocolate com avelã e um cappuccino para aquela mesa por favor? — Indico com o olhar discreto para a mesa da garota que nem nota.

— Posso sim senhorita! — Ela se vira e sai.

Volto minha atenção para o meu primeiro cupcake pela metade, termino de o comer com calma e tomar meu chá enquanto observo as coisas ao redor pelo canto dos olhos. Pego o segundo cupcake observando o movimento ao redor, o mordo com cuidado para não me sujar e noto que a moça está tendo problemas ao entregar o meu pedido para Carolina.

Elas estavam falando alto.

— Eu não tenho como pagar isso e nem posso aceitar de um estranho. — Carolina revira os olhos. — Se a pessoa ao menos fosse conhecida.

— Senhorita, eu apenas trouxe o que pediram. — Explica a moça morena.

— Eu não posso aceitar, desculpa. — Carolina morde o lábio.

— Tudo bem. —  A moça sorri fraco.

Guardo meu livro na bolsa, me levanto rápido e sigo para a discussão com um sorriso tolo nos lábios só por estar a vendo. Seus olhos se espantam ao me notar, seu rosto fica vermelho. Talvez seja vergonha, ou talvez seja só surpresa por me ver.

— Olá Carolina, eu pedi para lhe trazerem isto por pedido de desculpas. — Sorrio.

— Desculpa por ter sido rude... —  Ela diz pra moça e em seguida aceita o cappuccino e o bolo e a atendente se retira. —  Obrigada Renata, nem sei como agradecer. — Sorri fraco.

  — Eu não esperava a ver por aqui. — Arrumo uma mecha do cabelo.

— Eu estou passando férias e logo retorno para meu país. — Morde o lábio.

— Eu posso tentar te impedir de ir? —  Ela sorri.

— O que quer dizer com isto? — Levanta uma sobrancelha.

— Que desde o primeiro dia que eu a vi estou atraída por sua alma e tudo que compõe sua matéria perfeita. — Ela bagunça os cabelos.

— Por isso as flores e o cartão? — Nega com a cabeça. — Você é uma idiota garota! —  Ri.

— Mas eu sou idiota por você. — Solto meus cabelos e os prendo de novo.

— Eu posso fazer uma coisa que devia ter feito desde o primeiro dia?— Ela me encara com aqueles olhos lindos. — Diz que sim.

— Sim Carol. — Sorrio. 

Ela se levanta devagar, me levanto ao mesmo tempo com o olhar fixo ao dela. Sinto tudo ao nosso redor parar, ela segura meus quadris de forma delicada, afasta uma mecha dos meus cabelos e então me beija.

E nada mais importa.

Flores de algodãoOnde histórias criam vida. Descubra agora