Histórias de Família

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Capítulo IV

Os naturalistas foram um fenômeno social interessante. Começaram a aparecer há uns oitenta anos. Primeiro um ou outro caso que era visto apenas como curiosidade bizarra ou até mesmo como exemplo irrefutável da capacidade humana de tomar péssimas decisões.
Mas com o tempo seus ideais se espalharam até se tornarem um problema sério de saúde pública.
Basicamente o que os naturalistas pregavam era a negação da manipulação genética em seus bebês, ou seja, as mulheres naturalistas não se submetiam a correção genética que visava eliminar qualquer doença que o feto pudesse desenvolver, tanto na gestação quanto em toda sua vida futura.
Diziam que o homem não tinha o direito de interferir nos rumos que a natureza tomava. Que fazer isso era algo imoral.
É certo que existia um certo exagero no uso da manipulação, onde os futuros pais utilizavam esses recursos para personalizar a estética de seus bebês, algo totalmente dispensável e que não era o foco dessa tecnologia.
Mas no início ninguém se importou muito com isso. Taxavam os naturalistas de malucos irresponsáveis e pronto.
Porém uma parte da comunidade médica era contra essa prática e apontava motivos assustadores para isso.
Sem manipulação genética, doenças desde as mais simples como a gripe até as mais graves como câncer, extintas há mais de dois séculos voltariam, e as consequências disso eram obviamente desastrosas.
Houve debates acalorados. Argumentos como o bem estar coletivo do lado dos antinaturalistas e o fato de exporem seus bebês à várias doenças já erradicadas eram rebatidos pelos naturalistas com idéias de respeito à uma condição humana mais próxima à natureza e a liberdade social plena, um conceito onde cada indivíduo poderia fazer o que bem quisesse de seu corpo e o Estado não poderia intervir.
Porém, com a volta da AIDS, esses argumentos dos naturalistas começaram a ruir. A disseminação de uma doença já extinta foi realmente um sério problema para as autoridades médicas. Milhares de pessoas morreram antes que uma vacina plenamente eficiente fosse desenvolvida.
Os naturalistas então foram sumariamente proibidos e a manipulação genética passou a ser obrigatória.
Diferentemente de Carmo, Chaveirinho era neto e filho de naturalistas.
Esse fato explicava sua baixa estatura. Tinha um metro e sessenta enquanto a média entre os homens eram de um e oitenta e cinco. Carmo, por exemplo, tinha um e noventa e quatro.
Se conheceram ainda crianças, na escola, e como Chaveiro era perseguido por outras crianças, sua amizade com Carmo o ajudava a ficar fora de encrencas.
Agora trabalhavam juntos, lado a lado nas forças de segurança, e esse "lado a lado" mais a estatura dos dois explicava o apelido.
Não que Chaveiro se importasse. Não ligava desde que não passassem dos limites. Mas ter um cara de um metro e noventa com noventa quilos de músculo ao seu lado sempre era uma boa idéia quando sua aparência atraia encrenqueiros.
Carmo sempre gostou de Chaveiro. Era divertido, confiável e leal. Mas a característica que mais impressionava Carmo era a capacidade de Chaveirinho em perceber quando alguém estava mentindo. O homem era um verdadeiro polígrafo.
Chaveiro aguardava Carmo na cena do crime. Os legistas já haviam ido embora há algumas horas e levado corpo e as pistas. Haviam deixado um holograma tátil no local e Carmo poderia aciona-lo assim que chegasse.
Um ping se fez ouvir na cabeça de Chaveiro.
"Onde você está cara?"Perguntou Chaveiro.
"Chegando. O Corpo ainda está aí ou apenas o H.T.?
"Só o H.T., o resto foi pro Marques."
"Marques? Ótimo, confio nele. Onde você está?"
"Octigentésimo nonagésimo quarto andar, apartamento 8942."
"Legal. Me dê uns vinte minutos e chego até aí."
"Sim senhor, senhor. Vamos brincar de esperar."
Carmo dirigiu-se aos grandes portões dourados de Ruanda e logo depois ao intrincado sistema de metrôs suspensos. Ainda tentava lembrar o nome do filme dessa madrugada, mas o nome continuava a lhe fugir. Poderia perguntar a rede, mas seria como ser derrotado.




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