Jesus Salva

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Capítulo XIV

Eram duas da manhã quando Renata anunciou que ia dormir. Despediu-se com um beijo carinhoso e um abraço desengonçado, já que Rafinha estava dormindo com a cabeça apoiada nas pernas de Carmo. Deu um beijo em Jesus e durante um ou dois minutos, o casal debateu se deixavam Rafa ali ou a levavam para a cama. A segunda opção foi a vencedora. 
"Você devia vir mais vezes. Todos aqui sentem muito a sua falta." Disse Jesus depois de acompanhar Renata e ajuda-la a colocar Rafa na cama.
"Eu sei. Mas para mim é complicado, você sabe."
"Saia da polícia. Venha trabalhar comigo. Ponho você em um dos negócios que não envolvam distribuição. Abri vários outras empresas no último ano, empresas legais."
Carmo não respondeu. Não precisava. Seu olhar já deixou bem claro para Jesus que esse assunto estava encerrado.
"Você disse que precisava fazer algumas perguntas. O que era?"
Carmo enfiou a mão no bolso do seu casaco e retirou o pequeno frasco com comprimidos.
"É seu?" Perguntou passando o frasco para as mãos de Jesus.
"Sim. É um dos meus. Vendo esse padrão,  esse da flor, na região de Ruanda. Povo exigente e que não se importa em pagar mais por qualidade. Ótimos clientes."
Jesus devolveu o frasco para Carmo.
"Esse frasco foi encontrado com uma vítima de assassinato. Existe algum modo de identificar quem vendeu para ela?"
"Se quem comprou mora em Ruanda, sim. Está falando das notícias que vi hoje cedo? É isso?"
"Isso. Estou num beco sem saída. A única testemunha que tinha não deu em nada e o fato de a vítima estar usando Pefils faz toda diferença...Pelo menos para mim."
"Carmo, não quero te ensinar a fazer seu trabalho. Sei que você não é ingênuo. Mas uso de Pifels em Ruanda e algo extremamente comum. Não vejo como isso poderia te ajudar. Acha que meu distribuidor matou essa garota? Você sabe que não agimos assim."
"É bem mais complexo que isso."
"Confie em mim Carmo. O que está acontecendo?"
Carmo brincou alguns instantes com o pequeno frasco. Guardou-o finalmente de volta no bolso e disparou:
"A vítima não é humana. É a porra de um andróide."
" Andróide?! Não meu velho, eu vi a foto da moça que foi morta nos noticiários. Aquilo não é um andróide."
"Marques demorou quarenta minutos para descobrir que ela era artificial. Quarenta minutos!"
"Enganou o Marques?!"
"Pelo menos por quarenta minutos, sim.""
"Durante uma autópsias?!"
"Pois é."
Jesus parecia não acreditar nas palavras de Carmo.
"Espera aí! Minhas Pifels estavam com
uma andróide? Não faz sentido! E você está investigando isso por que? É uma máquina Carmo! Ninguém morreu afinal de contas, não é?"
"Uma máquina perfeita em todos os detalhes, tanto anatômicos como comportamentais. Eu vi os vídeos das câmeras de segurança. É um ser humano perfeito. Se quem atirou nessa andróide não soubesse de sua natureza artificial, sim, pode ser considerado assassinato. A lei de intenção garante isso."
"Tem uma foto dela?" Perguntou Jesus. 
"Sim."
"Jogue na minha rede. Vou passe pro Alan. Ele é meu distribuidor em Ruanda."
Jesus e Alan conversaram por uns cinco minutos. Sim,  aquela moça era freguesa das Pifels de Alan. Comprava semanalmente. Toda sexta-feira, sem falta, ela e seu namorado compravam para uma semana.
"Namorado?"
Uma pequena luz brilhou na escuridão onde Carmo estava preso. Algo a que se agarrar. Jesus agradeceu a ajuda de Alan e desligou. Ficaram calados por alguns minutos. 
"Como funciona seu esquema de venda de Pifels Jesus. Como não tem problemas com overdoses de felicidade?"
"Recomendo aos distribuidores que vendam no máximo para três dias. Se o cliente voltar antes, nunca mais compra da gente. Além disso coloco uma trava de fidelidade nos comprimidos"
"Como é?"
Jesus respondeu rindo:
" É simples. Existe um composto químico nas minhas Pifels que anula o efeito se o cliente comprar de outro fornecedor. Além de evitar overdoses de felicidade, ainda crio a impressão que o produto concorrente não funciona."
"Você não vale nada Jesus."
"Juro que quando pensei nisso, a ideia foi exatamente evitar as overdoses. O resto foi um efeito colateral muito bem vindo."
Conversaram por mais algumas horas e depois finalmente se despediram. Carmo precisava dormir. Pelo menos por umas duas ou três horas antes de ir bater um papo com seu novo amigo, Alan de Ruanda.



 

O Deus da MáquinaOnde histórias criam vida. Descubra agora