III

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Acordo antes do alvorecer, espero impacientemente a luz do sol entrar pela abertura da caverna para sair desse lugar.

Olho para onde o Forasteiro dormi e percebo que ele vai acordar com uma dor infernal no pescoço, já que o mesmo está dormindo sentado e rezo para que eu não sinta o mesmo.

A fogueira na minha frente está apagada e minha faca ainda permanece onde ele a jogou, me levanto lentamente e vou em direção dela, a pego e a guardo. Me aproximo do Forasteiro e tiro o sheema do meu cinto, colocando-a ao seu lado, o olho uma última vez e vou para a saída da caverna.

Sigo pelo túnel estreito de rochas e logo me vejo ao ar livre. O vento frio bate em meu rosto descoberto e puxo o pano para cobrir do nariz para baixo, não querendo ser morta por causa dos grãos de areia. Olho para onde os primeiros raios de sol saem e sigo na direção que tenho que tomar lançando um último olhar para trás.

• • •

Paro em baixo do que seria antigamente uma enorme árvore e me sento, meu corpo pede por comida e sei que não vou durar muito se não comer nada em algumas horas.

Me lembro quando vi minha imagem na água, quando consegui achar um pequeno riacho dentro de uma caverna e de como me assustei com a imagem que vi de meu corpo. Antes eu possuía um corpo bonito e cheio de curvas, mas hoje meu corpo está magro, os ossos sobressaltam em minha pele e já não existe vestígios do que eu era.

Olho para o céu e vejo que o sol ainda não se mexeu, é como se ainda fosse de manhã, mas sei que já deve passar do meio-dia. Suspiro e olho ao redor, alguns corvos rondam o céu em busca de alguma carcaça que esteja em decomposição.

Desvio meus olhos de volta para o céu rapidamente e me ponho em pé. Aquilo no céu não são corvos. Muito menos qualquer outro tipo de pássaro que teria antes do apocalipse, já que os que estavam nesse local foram reduzidos às cinzas.

Os pássaros estão entretidos com algo e aproveito para me distanciar. Corro desajeitada, já que a areia está mais solta do que nunca. A duna de areia parece cada vez mais extensa, meus pés começam a escorregar, porém não desisto e forço as minhas pernas a subirem mais rápido. Quando chego ao topo me jogo na areia e deixo que ela faça o resto, me levando para baixo bem mais rápido do que seria possível estando em pé.

O grito de uma ave ecoa pelo céu e eu, sem saída, vou em direção das montanhas rochosas. Olho para trás bem a tempo de ver a ave mergulhar em minha direção, quando ela se aproxima o suficiente me jogo ao chão protegendo minha cabeça, suas garras passam raspando em minha mão esquerda.

Me ergo o suficiente e pego minha besta, a destravo e miro na ave, a mesma faz a volta e começa a subir de volta para o céu, sigo ela com a arma e atiro. O dardo acerta a ave e ela cai, mas não antes de gritar em aviso, levanto o resto de meu corpo e corro em sua direção, pego o dardo que está atravessada em seu pescoço e limpo o mesmo em suas penas.

Quando o recoloco na arma ouço um grito parecido ao da ave que acabei de matar. Sem me preocupar em guardar a besta, começo a correr. Avisto ao longe duas pedras em pé se cruzando nas pontas, como se fosse um X.

Corro em direção das pedras, pelo menos teria proteção por cima, sinto uma inquietação dentro de mim e demoro para perceber que não vem de mim e meus pensamentos vão para o forasteiro. E por um momento sei que ele está vindo em minha direção.

— Droga. — Murmuro.

O barulho de asas batendo me chamam à atenção, lanço um olhar por cima do ombro e vejo o tão perto elas estão. Volto meu olhar para frente e vejo que não falta muito para alcançar as pedras, então aumento a velocidade, tentando a todo custo não tropeçar em minhas próprias pernas.

Sinto a presença dele e sei que ele não está muito longe, provavelmente já deve ter chegado aqui. Retiro qualquer pensamento sobre ele de minha mente, preciso salvar minha pele em vez de ficar pensando em algo inútil.

Uma ave passa por mim indo até lá na frente e virando de volta, mergulhando em minha direção, suas asas enormes estão coladas em seu corpo, seu olhar é de um predador experiente e sua boca se abre em expectativa. Levo minhas mãos a minha cintura e puxo uma adaga, a arma é um pouco menor que meu antebraço e a lâmina é tão afiada que cortaria um osso sem qualquer dificuldade.

A adaga se encaixa perfeitamente em minha mão direita, ajeito ela pronta para atacar, espero o momento certo, minha respiração sai lenta e controlada mesmo com a corrida, meus olhos se focam na ave, a mesma chega cada vez mais perto, mas não é o suficiente. Minha mão esquerda ainda segura a besta e a aperto ainda mais em minha mão.

Alguém grita ao fundo, porém não ouço, minha atenção está na ave. E então ela chega exatamente onde eu a quero, pulo em cima de uma pedra pegando impulso, meu corpo vira um mortal no ar passando por cima da ave, estico a adaga, aprofundando-a na pele da criatura ao mesmo tempo em que atiro com a besta na ave contrária à nós, a mesma tenta me bicar, porém seus esforços são em vão.

A adaga desliza pelas costas da ave, que grita de forma horrível, quando começo a cair, seguro ainda mais forte o cabo da arma que se aprofunda na carne por causa do meu peso - não que eu seja pesada, pois não sou -, e eu a solto quando o chão já parece mais perto.

Meus pés doem quando atingem o chão, um dos meus joelhos está na areia enquanto o outro está dobrado, ergo minha cabeça bem a tempo de ver as criaturas se colidindo e depois caindo.

Me ergo do chão exausta e vou até a ave que acertei com a adaga, tiro ela do corpo e a limpo nas penas da ave antes de guarda-la, em seguida vou até a outra criatura pegando o dardo e fazendo o mesmo processo para limpa-lo, antes de coloca-lo junto com as outras. Quando me viro vejo que alguém me observa e em seus olhos vejo surpresa e um pouco de admiração, mas quando ele percebe que estou o olhando, seus olhos mudam para inexpressivos.

— É tenho que admitir, você é melhor do que eu imaginei que seria. — Ele diz.

—Vou tomar isso como um elogio — Digo passando por ele, voltando para a linha de trem.

— Onde você pensa que vai? —Sua mão segura o meu braço e meus olhos vão para sua mão antes de subir o olhar para seu rosto.

—Já disse que vou para Gaston e não vai ser você que vai me impedir —Lanço um olhar afiado — Agora tire suas mãos de mim, Forasteiro.

Vejo em seus olhos ele lutar internamente consigo mesmo, mas ele tira sua mão com relutância.

—Tudo bem. - Ele diz e cruza os braços. —Vamos fazer um acordo, então. O que acha?

Olho para ele o avaliando e vejo a sinceridade em seu rosto.

—Depende do que se trata. —Digo desconfiada.

—Você vai comigo para Solarium, nós quebramos a nossa ligação e você pode seguir com seus planos. —Ele diz, eu não posso ver sua boca mais sei que ela está franzida.

Penso no que ele diz, se eu for com ele tenho a chance de conhecer outro lugar e ainda ficar livre dele, isso é maravilhoso para ser verdade, mas por outro lado Gaston me chama desesperado e sinto uma dor no peito só de pensar que tudo o que eu quero terá que esperar muito mais tempo do que eu gostaria.

—Então, temos um acordo? —Ele levanta uma sobrancelha em desafio.

—Tudo bem, temos um acordo —Digo ainda relutante. —Mas assim que chegarmos em Solarium, quero que você procure alguém para remover a ligação.

—Ótimo.

Sinto a satisfação emanar dele e me vejo odiando ainda mais a ligação entre nós, se eu posso saber o que ele sente, então ele também sabe o que eu sinto. Respiro fundo e o cheiro do deserto preenche minhas narinas, olho para o céu e o sol está à dois dedos de desaparecer, franzo a testa e sigo para as montanhas, ignorando o homem atrás de mim .

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