Meus joelhos entram em contato com a areia, meu corpo tomba para frente e se não fosse pelas minhas mãos, eu estaria com o rosto enterrado na areia ou até mesmo rolando ribanceira a baixo.
Minha visão fica turva e minha cabeça dói a cada movimento que eu faço com ela, até mesmo andar faz ela doer. Minha barriga dói à ponto de me causar enjoo, mas sei que mesmo se fosse para mim vomitar, não sairia nada pela minha boca, pois faz dias que eu não como ou bebo.
As coisas se tornaram mais difíceis quando a tempestade começou, acabei me desviando da minha rota e agora estou alguns dias de atraso, o que torna as coisas piores para mim. Pois se o último sobrevivente que eu encontrei não me enganou, tem uma cidade à cerca de duas semanas de distância. E se eu quiser tirar o tempo perdido terei que seguir pela linha de trem, o único problema é que os ferros foram soterrados pela areia.
Olho para o céu e solto um longo suspiro, só tenho algumas horas até escurecer. Com a pouca força que eu tenho, me ordeno a levantar. Franzo minha boca quando a dor preenche meu corpo, olho ao meu redor e sigo em frente.
A cada passo em que eu dou mais meus pés afundam e escorregam, me fazendo desequilibrar, já não sei quantas vezes acabei me machucando feio descendo uma duna de areia, pois sempre acabo caindo em cima de alguma coisa.
O sol quente bate contra meu rosto e eu passo a mão sobre a testa, não sei o por quê, mas parece que o sol está a fim de ficar além do normal. Já era para ele ter mudado de lugar no céu, mas parece que ele prefere ficar onde está.
Os dias nesse enorme deserto nunca são iguais, quando você acha que o sol vai lhe dar a graça de sua humilde presença, ele simplesmente não aparece e você se vê presa na escuridão da noite com criaturas imensas procurando por carne. E quando você acha que a noite fria vai cair para você poder descansar, o sol simplesmente fica no céu, como se estivesse zombando de você.
Escorrego em um pedaço de pedra solta e caio na areia, meu corpo começa a escorregar, fazendo entrar areia pela minha roupa. Me levanto quando para no fim da duna e começo a bater em minhas roupas, tentando tirar uma boa parte dos grãos.
Um guincho agudo me faz erguer a cabeça, meu corpo fica tenso e minha mão vai rapidamente para minha besta que está presa em minha cintura. O dardo já está em sua posição, meus dedos rápidos destravam a arma e logo estou mirando a cabeça da criatura.
Percebo que a criatura não notou a minha presença, algo está ao seus pés e ela se move como se estivesse curiosa. Meus olhos se prendem no ponto preto que chamou a atenção da criatura e percebo que é um corpo. Dou um passo pra frente e a criatura vira a cabeça em minha direção.
Ergo novamente a arma, que nem tinha percebido que tinha abaixado e miro no corpo da criatura. A mesma solta um grito, como se fosse um aviso e vem em alta velocidade em minha direção, atiro o primeiro dardo, ele se finca em seu peito, porém a mesma somente grita e continua a vir furiosa em minha direção. Viro meu corpo e começo a correr, e agradeço pela areia conseguir atrasar a criatura, se não ela já teria me alcançado. Ergo minha mão e pego outro dardo, com certa dificuldade o coloco na besta, mas antes que eu pudesse atirar a criatura pula em minhas costas, a arma voa de minha mão e por instinto rolo para o lado, por pouco a criatura não finca seus dentes em mim.
Meus dedos tateiam pela areia e eles se envolvem ao redor de uma pedra, com a força restante bato a mesma na cabeça da criatura, ela se afasta e eu vou atrás da besta, me viro, miro e atiro. O dardo atravessa seu crânio, a mesma fica imóvel por dez segundos e depois cai morta ao chão.
Fecho os olhos por um instante e respiro fundo, tentando acalmar meu coração, abro-os novamente e me levanto. Guardo a besta na cintura e caminho em direção do corpo, mas não antes chutar a carcaça e pegar meus dardos.
Quando me aproximo curiosa, vejo que se trata de um homem, ele traja roupas de couro, porém não à nada cobrindo parte de seu rosto e me pergunto se foi por isso que ele não aguentou ao deserto, pois os grãos de areias são mortais aos humanos, basta você ter um pouco dentro de si mesmo e sua morte já está garantida.
Me aproximo ainda mais dele e me agacho ao seu lado, sua expressão é séria e seus lábios estão franzidos, como se estivesse tendo um pesadelo, presto atenção em seu peito e me surpreendo ao ver que ele ainda está respirando. Levo minhas mãos ao seu pulso e vejo que ele está muito fraco, pois a pulsação está lenta.
Percorro meu olhar sobre seu corpo e meus olhos se prendem em seu cantil, minhas mãos são mais rápidas do que os alertas em minha mente, abro a tampa e tomo grandes goladas de água, quando acabo com a água coloco o cantil onde estava. Olho mais uma vez para o rosto do homem e o avalio, seu corpo é forte e ele parece ser bem maior do que eu. Me pergunto como ele acabou no deserto, já que se há tantos lugares para se estar e ele não parece ser desse lugar, já que sua pele é branca.
Não muito distante vejo um pedaço de pano negro, me levanto e o pego, percebendo que é um sheema¹, olho para o homem pensativa e o guardo em minha cintura.
Sinto minha visão girar, dou um passo cambaleante para o lado, minha visão volta ao normal, mas quando ando para frente ela se escurece e sinto a areia entrar em contado com meu rosto, minha visão volta novamente, porém está tudo embaçado, meus olhos estão na direção do rosto do forasteiro e quando meus olhos se fecham os dele se abrem.
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1. Lenço usado para cobrir metade do rosto, para que a pessoa não respire os grãos de areia. É usado principalmente nos desertos.
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A Filha De Raziel
FantasyTalvez em algum momento a bíblia estivesse certa, não posso saber ao certo, pois eu não estava lá para presenciar a destruição. Mas sei que algo aconteceu, pois assim que acordei já não havia mais nada, somente destroços. Alguns dizem, que o mundo a...