Capítulo XXXII - Perguntas

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Nunca prestei muita atenção no trabalho dos poros de meu corpo, mas agora tenho o conhecimento que eles podem trabalhar bem até demais quando querem. Estou simplesmente encharcada de suor, e Natália Trindade ainda não abriu a boca para fazer nenhuma pergunta.

Respiro fundo, tentando me acalmar. É só uma entrevista. Quer dizer, uma entrevista que pode decidir meu futuro, entre acabar completamente com minha vida junto às pessoas que amo, ou permanecer com elas. E Lucas ainda tem enormes vantagens em suas mãos.

Isso definitivamente não me faz suar menos.

- Samantha. - Senhora Ana percebe meu estado, e me olha com uma sobrancelha erguida enquanto sussurra. - Se recomponha, e não deixe nada que sair da boca deles mexer com você.

Assinto com a cabeça, mas não deixo de engolir em seco. Professora Mabel, ao meu lado, olha com bastante raiva e range os dentes para a mão de Lucas acariciando a de Natália. Passa por minha mente que ela ainda não o superou completamente, mas não quero acreditar nessa possibilidade. É impossível ela... sentir ciúmes, certo?

No canto da sala, está Júlia. Eu já a vi muitas vezes com pose de Meio-Diretora, mesmo a considerando parte da família, mas nesse momento, não há profissionalismo, apenas repulsa. Ela deixa claro que detesta o que quer que esteja acontecendo entre esses dois.

Sinto que todos nessa sala, talvez uns mais que outros, são bombas-relógio prestes a explodir. O perdedor é aquele que o fizer primeiro.

- Então, Samantha Datena. Esse é o seu nome completo? - Natália começa, dando uma rápida olhada em sua prancheta.

- Não. - Suspiro internamente, feliz pela primeira pergunta ser melhor que o imaginado. - Datena era o sobrenome do meu pai, além de ser o último que compõe meu nome, e eu gosto bastante dele, então sempre assino e me apresento assim. Mas o completo é Samantha Andrade Datena.

- Confere. - Ela afirma com a cabeça. - Algum motivo em especial para preferir o de seu pai? Sua relação com ele era melhor do que com sua mãe?

- N-não, longe disso! - Aumento meu tom, mas diminuo assim que relembro das palavras de Ana. Não posso deixar isso me atingir. - Eu não lembro claramente tudo que eles já fizeram e falaram enquanto ainda estavam comigo, mas sei que eu os amava muito. Ainda amo, aliás. Meu pai era gentil e engraçado, e minha mãe tinha um jeito que fugia do padrão, ela era muito sincera.

- São boas lembranças, então. - Tenho a impressão que ela sorri por um segundo antes de voltar a sua expressão usual. - E quando aconteceu o acidente? Você se lembra de algo?

- Não muito. Eu lembro que ri no início, parecia uma piada. E então eu chorei. Chorei muito mesmo, e meus olhos ficaram tão inchados que eu não conseguia enxergar. Ou talvez fossem só novas lágrimas tampando minha visão, não sei.

- Você se lembra detalhes específicos do enterro? Algum indício de qual seria seu futuro?

Dou de ombros. Realmente não me lembro muito e, se pudesse escolher entre saber ou não, acredito que continuaria assim. A ignorância é uma bênção, existem coisas que prefiro não conhecer.

- Então, acredito que posso refrescar sua memória? - Ela pergunta. Estou pronta para negar o pedido, mas não espera minha resposta. - As Meio-Diretoras do Conquista organizaram o funeral e, poucos dias após ele, já tinham documentos o bastante para iniciar um processo pela sua guarda. Foi uma vitória fácil, acredito. A maioria de seus parentes moram em outro país, e a mudança, principalmente de língua e costumes, seria impactante demais. Seus avós já haviam falecido. Elas eram o meio mais fácil para te retornar à vida.

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