Karl

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        Cheguei em casa e já era noite, me deitei na cama e fiquei olhando para a janela. O céu estava lindo, as estrelas brilhavam fortemente, a Lua sorria. Passou uma estrela cadente, fechei meus olhos e pedi.

- Sophie... volte por favor. Deixe me entregar a você sua foto, me complete de novo. Seja minha metade, seja quem eu nunca serei, seja meu porto seguro de novo. Você se lembra?  Se lembra de quando estávamos na praia e cantávamos "Brilha, Brilha estrelinha" deitados na areia? Você... - paro quando me lembro de que estou louco e que nunca a verei novamente. - você nunca vai me ouvir...

        Minha mente está uma loucura, minha vó e agora descobri que Sophie também está morta. Não consigo entender, minha vida está sem sentido. O vento ficou mais forte. Invadia meu quarto com um frio imenso, movimentava as cortinas mais do que o normal. Um lado do quarto estava escuro. Sentei na beira da cama e analisei-o de uma extremidade a outra.

- Tem alguém aí? 

        Estava um silêncio total, meu coração acelerava, eu conseguia ouvi-lo pulsar dentro de mim. Algo estava lá. Algo próximo a porta. Eu sentia alguém me observar. Fui andando devagar em direção a saída do meu quarto, passo por passo e... ouço minha mãe gritar.

- Karl! A comida está pronta.

        Os ventos ficaram normais novamente, o frio já era o mesmo. As cortinas se comportaram de novo. Acho que foi só coisa da minha cabeça. Preciso de um psicólogo.

- Vamos fazer nossa maratona de séries, o que acha? - minha mãe continua.

        Saio do meu quarto e encaro-a colocando os pratos na mesa. 

- Mãe, não estou com cabeça pra assistir The Mistery of Revenge hoje. - Ela se aproxima de mim e passa a mão no meu cabelo.

- Querido, sua vó está em um lugar melhor. Apenas lembre-se de como ela era feliz.

- Mas acontece que não é só ela mãe!

- Descanse um pouco, quem sabe amanhã iremos a praia tentar se afastar do barulho da cidade.

- Mãe! - olhei fixamente em seus olhos. - Sophie está morta!

        Ela demorou um pouco para se lembrar quem era Sophie, mas logo lágrimas escorreram sobre seu rosto. Ela não falou nada, apenas bebeu um copo de água e saiu da cozinha visivelmente arrasada. Até porque ela gostava de Sophie. Eu fui para o meu quarto e fiquei pensando um pouco. Como será que ela morreu? Como foi a vida dela? Ela por algum momento se lembrava que eu sequer existia? Quero respostas para essas perguntas, quero saber mais. Essas perguntas sem respostas ficaram me incomodando por alguma horas. Então resolvi pegar a chave do carro dos meus pais que ficava sempre em cima da mesa e ir para a antiga casa de Sophie. Quem sabe seus pais ainda estariam lá? Quem sabe eles poderiam me dar respostas? Não hesitei e em meio às 01:00h da madrugada, destravei o carro, entrei nele, engatei a primeira marcha e fui. Me lembro que a casa de Sophie era de primeiro andar, branca e com detalhes azuis. Se não me engano, morávamos na rua 17 da avenida Hoffmen. Eu não sabia dirigir muito bem, mas uma vez meu pai me ensinou quando eu tinha 12 anos no grande quintal da casa de minha tia. 

***

        Estacionei o carro no jardim da casa de Sophie e analisei a mesma de baixo para cima. Aparentemente estava um pouco velha. Havia algumas casas de cupins nas paredes, que em vez de serem brancas, estavam meio amareladas. O balanço do terraço da frente da casa se movia com vento e ruía por causa de um pouco de ferrugem. Hesitei, será que alguém ainda mora nessa casa? Acho difícil... Ela está tão acabada, mas não custa tentar. Saí do carro e senti o vento em meu corpo, estava mais frio que o normal, como quando estava no quarto. Acelerei o passo, subi os três degraus que levavam ao terraço e parei em frente a porta, toquei no trinco, respirei fundo e abri. Fedia a mofo e... e a morte. Como eu sabia disso? Acho que instinto. Dentro da casa estava totalmente escuro.

- Sra. Mayce? - perguntei e minha voz ecoou pela sala, acreditando que poderia ter alguém naquela casa.

        Os móveis da casa estavam todos bagunçados, alguns comidos, provavelmente por ratos ou algum animal do tipo. Dei alguns passos para frente. Procurei onde se ligava a luz, tentei ligá-la mas continuava escuro, faz um tempo que as pessoas não pagam as contas aqui. Mas estou curioso de mais, pego meu celular e coloco a lanterna. As coisas estão bem diferentes do que eu me lembrava. A televisão não funcionava também. A maioria das coisas estavam cobertas de poeira e a cada passo que eu dava era uma pegada que ficava marcada no chão de tanta sujeira. Subi às escadas rumo ao segundo andar. O quarto de Sophie ainda era no mesmo lugar que eu lembrava, mas sua decoração estava diferente. Tinha um celular em cima da sua cama coberto de pó. Peguei-o e liguei ele. Ele incrivelmente ainda prestava. Ali estava Sophie como papel de parede, tinha um garoto abraçado nela. Senti um pouco de ciúmes e de raiva, mas eu tinha a Hemilly, era justo que ela tivesse alguém ao seu lado também. 

        Resolvi sair pelo quarto procurando algo que me desse respostas. Não achei nada de tão interessante, apenas a foto dela com uma mulher ao lado, parecia ter uns 36 anos de idade. Levei comigo e sai do quarto procurando por algo mais. Meu celular apitou, estava com bateria fraca. Acho que ele aguenta até uma passada no quarto dos pais de Sophie.  A porta estava trancada, porém, assim como o balanço, notei que a ferradura estava enferrujada e a porta estava com a madeira um pouco podre. Joguei a lateral do meu corpo contra a porta com toda a minha força e depois a chutei. Foi o bastante para que ela caísse com um barulho alto no chão. Vi uma elevação debaixo do lençol da cama.

- Oi? Desculpa a invasão, é que a porta estava aberta então entrei. - Eu disse me aproximando da cama. - Ei... estão me ouvindo?

        Tirei o lençol e lá estavam os pais de Sophie.

- Sei que está tarde mas eu que... - toquei em seus corpos. Completamente frios. Gelei, dei um passo para trás. - Acordem, é sério, acordem! - eu disse esperançoso mas nenhum movimento. 

        Não pensei duas vezes, saí correndo em direção a porta de saída da casa. Entrei no carro e pesei o pé no acelerador e disparei rumo a minha casa. Mas no meio do caminho vejo uma luz branca, azul e vermelha. Polícia. Eu estava em uma velocidade muito rápida, pediram pra eu parar. Fui obrigado.

- Tem carteira de motorista senhor?

- Eu... - fingi que estava procurando no porta-luvas. - Acho que esqueci em casa... quer que eu busque? 

- Sem essa. Se não estiver com ela neste momento pedirei que me acompanhe. 

- Espera senhor, acompanhá-lo para onde?

- Delegacia, afinal, quantos anos você tem garoto?

- E o que importa a minha idade?

- Meça suas palavras rapaz, a não ser que queira ser preso por desacato. Agora saia do carro porque eu tenho certeza que você não tem idade para dirigir.

        Ele me levou para a delegacia. Chamar meus pais era tudo o que eu menos queria, mas ser preso era ainda pior. Acordei eles no meio da noite dizendo que estava na delegacia e quando eles chegaram lá apenas me fuzilaram com o olhar e voltamos para casa. Hoje foi certamente...

"O pior dia da minha vida"


A Barreira Entre Nós (FINALIZADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora