You're Alive

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"É, mas você está viva e o mais importante, eu estou também. E não deixarei que nada te aconteça." Lauren deu um beijo na testa da menina, voltando ao seu lugar anterior. "Já que está decidida e não temos muito tempo, o seu depoimento deve ser entregue a polícia, junto de meus relatórios, vamos começar.. Karla, se concentre no que você sente, em relação a esses lapsos e me explica, como é."

"Se for pra definir em uma palavra, com certeza, confuso." Ela disse calmamente. "É como se em um momento, eu estivesse aqui e no outro, apenas observasse de longe. Como se algo me forçasse a fazer certas coisas e me comportar de certa maneira.."

"A Camila é sem dúvidas, muito diferente de você. Mas ao mesmo tempo, é uma parte verdadeira de si. Que foi criada em um momento, em que você sentia necessidade de ser você mesma e fugir do que lhe fazia mal. O que vamos fazer é conciliar Karla e Camila, em uma só." Foi o que Lauren propôs e funcionou como um enorme progresso pelo resto da tarde. Elas conversaram e apenas no primeiro dia, Karla já tinha consciência de seu problema e dos métodos para superá-los. Não poderia dizer que já estava recuperada, mas era um ótimo começo e agora, não teria mais dias como uma e dias como outras, mas sim dias como si mesma. Conciliaria as duas, sem deixar nenhuma parte se perder, já que querendo ou não, Camila fazia parte de Karla e vise-versa. Uma precisava da outra, para existir.

Lauren conseguiria os medicamentos para sua esquizofrenia no dia seguinte e informaria a Christopher da melhora da mesma, para que a papelada e burocracia na delegacia, poderia ser esquematizada. Ao invés de chegarem afirmando que Sinuhe possuía a doença, a tática agora era afirmar que Karla tinha e era hereditária. 

Depois de mais algumas horas dentro da sala, a psiquiatra organizou a bolsa, notando no relógio preso a parede, que em um dia normal, já teria ido para casa. Mesmo arrumando suas coisas e tendo em mente a necessidade de sair do sanatório, a preocupação com o estado de sua paciente, era o que mais lhe importava no momento.

"Você está bem mesmo, Karla?" Jauregui perguntou mais uma vez. 

"Sim. E pode me chamar de Camila, se quiser." Ela mentiu rindo fraco. Não sabia o que sentia e muito menos o que devia sentir. Tudo ecoava em sua cabeça em uma só voz e vinha á tona. Fazendo com que a mesma se questionasse e se auto-flagelasse ainda mais. Por mais que ela desejasse estar viva, uma parte de si, só reforçava a ideia do suicídio.

Lauren suspirou, se levantando, ato que a paciente repetiu. O pouco espaço entre as duas, foi vencido por um abraço apertado que a menina recebeu. Seguido de um beijo no canto da boca.

"Eu te prometo que não está mais sozinha." Karla sorriu e assentiu, entrelaçando suas mãos com a de Jauregui, num ato mudo e carinhoso. Era algo que Camila faria, mas que mesmo assim, fez a mesma corar e sentir como se algo fervesse dentro de si. Só com essa demonstração, viu o quão difícil seria conciliar suas duas personalidades.

Após alguns segundos constrangedores, separou as mãos da mulher das suas e deu as costas em passos rápidos. Era muita coisa para processar, por mais que odiasse admitir, estava assustada, não sabia o que devia fazer ou esperar para o dia seguinte. Os apagões poderiam acontecer a qualquer momento, mesmo agora ela tendo consciência, que havia outra vida dentro de si, ainda era muito cedo para uma melhora imediata. Ela tinha medo do que podia fazer, era outra pessoa e o pior, nunca conseguia se lembrar. 

Entrou em sua cela, se deitando na cama, ela se mexeu algumas vezes, até encontrar a melhor posição. E de bruços, encarando o chão imundo, com marcas de sangue, ferrugem, goteiras e irregularidades no concreto, fechou os olhos.

Lauren disse a mesma, que não deveria deixar nenhuma parte de nenhuma das personalidades se perder, já que ambas a faziam ser quem era. Com o conseguiria compreender e aceitar tudo que acontecia dentro de si, mas se essa simples conversa de hoje, já havia sido difícil, temia o resto. 

Os enfermeiros a levaram direto para sua cela. Haviam terminado mais tarde que o normal e no dia seguinte, acordaria cedo novamente. 

Algo que os psiquiatras odeiam dizer para seus pacientes, é que antes da melhora, sempre vem a piora do problema. - Era o que ecoava em sua cabeça, junto da voz agridoce da mulher. Rouca, porém ao mesmo tempo, suave. Cada palavra que ela proferia era apreciada e escutada por Karla, como as notas da mais bela sinfonia clássica, a qual seu pai costumava ouvir. Ela amava música clássica. 

Já havia decorado todos os detalhes, jeitos e manias da mulher. Os dedos inquietos, olhos brilhantes, corpo admirável, coxas grossas e bunda tão grande e macia, que ela recordava pôr as mãos e desejava fazê-lo outra vez. O pescoço esguio, que sempre atraía seu olhar de hora ou outra. 

Não podia negar, que a tensão sexual que existia ali, só fazia crescer. Não podia e nem queria. Tudo que pensava, desejava e a motivava mais que sair dali e conseguir uma vida melhor e livre com seu irmão, era estar com a psiquiatra. Era errado, insano e perigoso. Lauren poderia perder seu emprego, sua licença, fora tudo que elas teriam de enfrentar para ficar juntas. Todo o preconceito, recriminação.. E quem em sã consciência desejaria ficar ao lado de uma maluca? 

Karla já sentia aos poucos, a ansiedade ir a consumindo e se espalhando por todos os poros de seu corpo. Os calafrios, frio na barriga e nervoso já conhecido voltavam e os pensamentos acelerados, a cada milésimo de segundo, invadiam sua cabeça. A deixando perturbada. Ela se lembrava da escola.

Havia momentos em que tentava prestar a atenção no que seus professores diziam, mas as vozes ao redor e as de sua cabeça, se misturavam, fazendo um barulho ensurdecedor dentro de si. Ela lembrava-se das lágrimas descendo pelos seus olhos e inconscientemente, começava a chorar em puro pavor. Karla não desejava ter de passar por tudo aquilo de novo. Já foi angustiante demais pela primeira vez. 

Respirou fundo e apertou as unhas curtas na palma das mãos, balançando a cabeça negativamente. Inspirando contando até 5, ela expirou devagar contando até 8. E repetindo o exercício por mais vezes, pôde perceber aos poucos, os sintomas físicos se acalmarem. Os mentais, continuavam batucando em sua cabeça, mas mesmo assim preferiu se concentrar em sua melodia, pessoa, personalidade e figura favorita naquele momento: Lauren Jauregui. 

Ela havia lhe prometido a melhora e Karla havia acreditado. Pela primeira vez em muito tempo, confiou de verdade na palavra de alguém e por mais difícil que fosse e por mais que pudesse demorar, ela acreditava e desejava essa melhora. Sabia que a depressão não passaria de hora para outra, muito pelo contrário, os pensamentos suicidas continuavam, mas ela preferia não focar nisso. 

Depositou toda sua confiança, admiração e paixão em Jauregui e tudo que esperava em troca, era sua honestidade e transparência. Ao contrário, ela sentia que nunca mais poderia confiar em ninguém ao seu redor.

Sweet MiseryOnde histórias criam vida. Descubra agora