Por muito tempo me considerei um fantasma, vagando pelos corredores do Glorious Academy. Vendo tudo e todos, mas nunca sendo visto. Ouvindo todas as conversas sem realmente me importar com os desfechos delas. Mas eu não era um fantasma de verdade, eu era de carne e osso, assim como você. Eu era um garoto magro, não tão alto, propenso a brigas e aquele cujos olhos estavam sempre vermelhos. Vivia numa bolha bem cômoda e gostava disso, mas, infelizmente, a minha bolha não durou por muito tempo... porquê eu a conheci.Foi na semana do halloween e até hoje penso que a primeira e a última vez em que nos vimos foram muito similares.
Era dia 28 de outubro, as casinhas na rua onde eu morava estavam decoradas com abóboras, esqueletos, morcegos e todas essas coisas de halloween. A minha em particular estava tão cheia de lanternas de abóboras que alguém facilmente poderia pensar que tínhamos uma plantação de abóboras no jardim. Minha irmã, Charlotte, estava trancada no quarto com algumas amigas, a música pop saía alta pela janela e, por mais incrível que pareça, suas risadas chegavam a encobrir a música. Irritado, eu já havia gritado um pedido nada singelo para que elas abaixassem a droga do volume, mas fui devidamente ignorado.
Esperei durante longos vinte minutos que aquelas três criassem juízo, mas era como esperar que canivetes caíssem do céu. Então, frustrado, calcei meus tênis, vesti a jaqueta que estava largada sobre minha mochila, peguei os fones e saí batendo a porta. A minha intenção era que elas ouvissem a porta bater como um sinal da minha indignação, mas duvido que o barulho dentro daquele pequeno inferno lilás tivesse possibilitado isso. Conectei o fone ao celular enquanto descia as escadas e sai de casa com minha playlist favorita praticamente estourando meus tímpanos.
Eu gostava de morar em Cincinnati. As ruas eram bonitas, os parques eram limpos, a maioria das pessoas eram gentis, as comidas eram gostosas, mas eu gostava principalmente do inverno de Cincinnati. Era gostoso me abrigar em casa sob uma pilha de cobertas quentinhas e assistir televisão enquanto a neve branquinha caía sem parar do lado de fora. Eu gostava demais daqui e saber que nosso tempo de estadia estava lentamente acabando me deixava triste.
Caminhei por alguns minutos, observando as decorações de halloween nos quintais e casas do bairro onde morava. Todas elas eram incríveis. Os vizinhos realmente tinham se empenhado. Olhei em volta e atravessei a rua, seguindo para a ponte Pendleton. A ponte Pendleton era uma pequena ponte de pedras que ligava as duas margens do rio Liberty, cujo atravessava a cidade. Nos fins de tarde dourados do outono, é recomendável que se veja o pôr do sol de lá de cima. É uma vista adorável.
As ruas estavam quase vazias naquele finalzinho de tarde e o sol começara a se pôr, tingindo o céu com uma variedade de tons de laranja e cor-de-rosa. Eu não imaginava na época que aquele seria meu último dia de silêncio. Meu último dia dentro da bolha. Porque foi naquele exato instante que eu a conheci. A garota que dominou minha mente e tirou o pouco autocontrole que restava em mim. Ela estava ali, em pé, sob a murada de pedras da ponte Pendleton. Braços abertos e olhos fechados como se quisesse que o vento soprasse forte e a levasse para longe daquele lugar. Para longe de Cincinnati. Eu me aproximei devagar dela e a observei por alguns segundos. A jardineira jeans estava suja de diversas cores de tinta, mas os all stars amarelos estavam impecavelmente limpos. Seus cabelos eram compridos e verdes como a grama na primavera e no septo havia um piercing. Encostada na murada, havia uma delicada bicicleta azul turquesa.
— Olá? — chamei-a — Você está bem?
Ela abriu os olhos devagar e me olhou. Associei seus olhos à mais pura perfeição naquele mesmo instante e segui com essa linha de pensamento até meu último dia de vida. Em seus olhos, o azul era predominante, mas, de perto, era possível identificar um pouco de verde em volta das pupilas. Uma verdadeira beleza. Ela sorriu e seu sorriso era a coisa mais linda que eu já vira. Um autor uma vez dissera: seu sorriso era tão belo que poderia acabar com guerras e curar o câncer. E era exatamente assim que eu classificava o sorriso dela.
— Eu estou ótima. Obrigada. — ela respondeu.
Seus olhos voltaram, então, para o lindo pôr do sol. Que conjunto de vistas perfeito. Meu Deus . Ela fechou os braços, dobrou os joelhos e se sentou sob a murada de pedras. Seus pés balançando livremente no ar enquanto o rio seguia calmo e ininterrupto sobre eles. Estava tudo bem. Ela própria dissera isso. Então por que eu estava tão hesitante em deixá-la lá?
— Eu... Posso? — perguntei, indicando o lugar vago ao seu lado. Ela deu de ombros sem me olhar.
Sentei-me ao seu lado e tirei meus fones, deixando-os pendurados no pescoço.
— O pôr do sol de Cincinnati é o mais belo de todos. — ela confidenciou, sorrindo fraco — Mas as pessoas estão sempre muito ocupadas com seus problemas para simplesmente sentar e observar um pôr do sol. Isso é tão triste.
— É deprimente, na verdade. — falei e dei de ombros.
Ela se virou e focou seus olhos em mim.
— Você não é daqui, não é? Tem um sotaque diferente.
— Eu não sou de lugar algum, mas ao mesmo tempo de vários lugares. —confessei e ela arqueou as sobrancelhas — Minha família se muda muito por conta do trabalho do meu pai, nunca ficamos mais de um ano e meio num lugar.
— Você tem sorte. Eu gostaria de poder sair daqui. — disse ela — Cincinnati é um lugar muito belo, mas também muito tóxico. Ficar aqui me deixa doente.
— Literal ou figurativamente?
— Isso importa?
— Eu não sei, na verdade.
O silêncio predominou entre nós por alguns instantes. Era um silêncio bom. Eu gostava daquele silêncio. O vento soprava uma brisa morna de outono contra nossos corpos, jogando meus cabelos para trás e bagunçando os dela. O pôr do sol chegava ao fim mais uma vez, despedindo-se do dia e cumprimentando a noite com algumas singelas estrelas. Um casal de mãos dadas passou por nós e nos desejou boa noite. Sorri em resposta, mas ela não se mexeu. Os olhos bicolores focados e atentos no horizonte. E então, para acabar com aquele momento silencioso e calmo, o celular dela começou a tocar. Ela não atendeu, mas tirou o celular do bolso da jardineira jeans e conferiu o número antes de encerrar a chamada.
— Bom, foi legal te conhecer...
— Brett. Meu nome é Brett.
— Foi legal te conhecer, Bretty. — ela se levantou e desceu da mureta. — Mas eu preciso ir.
Rapidamente, ela montou na bicicleta azul turquesa e começou a pedalar.
— Ei, espera. — gritei — Qual o seu nome?
Mas ela já estava longe e não respondeu. Fiquei sentado ali por um tempo depois que ela partira, observando as estrelas que surgiam no céu e pensando se algum dia eu a veria de novo.
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Linha Azul
Romance❝LINHA AZUL❞ ━ História original. Brett tinha apenas 17 anos e já tinha se mudado mais de 7 vezes ao longo dos anos por conta do trabalho do pai. Ele nunca se importou com as mudanças e entendia os motivos do pai, então Brett sempre buscou...