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O portão estava, aparentemente, flutuando no meio do nada. Encarei aquilo, mal acreditando nos meus olhos, sem ter certeza de que podia acreditar no que via. A Arqui-Guardiã havia me avisado sobre o que encontraria, e eu não tinha levado muito a sério. Mas o portão estava ali, feito do metal negro tão prezado pelos Guardiões, desenhado em diversas filigranas que sempre conseguiam remeter ao símbolo que era o brasão da minha Ordem. Eu não conseguia imaginar seu tamanho, não tinha nenhum ponto de referência. Estava em uma parte de Ionessen onde não havia nem mesmo um asteróide em um raio de meio dia de viagem. Mas, pela forma como minha nave parecia minúscula ao seu lado, eu diria que era grande o suficiente para que uma das naves capitais passasse.

Se aquela era a entrada, o que encontraria ali dentro?

Nem mesmo minha superiora sabia o que esperar do Reino C’erit. Que eu soubesse, mesmo com a paz inquieta em que estávamos, nenhum dos Guardiões jamais entrara ali. O Reino havia sido fundado durante a Primeira Era, como um refúgio para aqueles que discordavam do governo central. Eles tinham se mantido afastados de todos, com exceção dos airenis, escondidos em um reino que a lógica dizia que não deveria existir, e cujo único sinal visível era o portão. Por fim, o Reino e Airen haviam se aliado e dado início à guerra que quase destruíra nosso universo e que causara a criação da Ordem dos Guardiões.

Pelo que tinha entendido, até mesmo os Altos-Guardiões, a autoridade máxima da Ordem, haviam se surpreendido quando a mensagem chegara. Eram poucas palavras: “Os c’erit requisitam a presença dos Guardiões”. Uma escolha de palavras peculiar, usando o formato que havia sido comum no início da Ordem. Não fazíamos ideia do que estaria acontecendo por trás daqueles portões. Não sabíamos quem havia enviado a mensagem.

E era exatamente por isto que eu havia sido escolhida.

Normalmente aquela missão estaria aos cuidados do Arqui-Guardião Aldaron Táiran. Ele era o melhor que tínhamos para lidar com situações voláteis, e um diplomata nato, além de ser um dos mais fortes entre nós. Mas ele nunca retornara da missão na nebulosa Ar-kari. E eu, sua melhor pupila, havia recebido esta missão, mesmo que muitos tivessem dúvidas sobre minha estabilidade.

O pensamento foi como uma faca em uma velha ferida, e o joguei para o fundo da minha mente. Iria provar que estavam errados, de uma vez por todas.

Lentamente, aproximei a nave do portão. Muito tempo atrás, logo após o fim da Grande Guerra, os Guardiões haviam descoberto que a entrada do Reino C’erit se abriria para qualquer um com uma determinada característica em seu DNA. Eu não sabia os detalhes, não era uma cientista. Mas haviam me informado que todos os que eram aceitos na Ordem possuíam essa mesma característica. Não fazia ideia do que isto queria dizer, a não ser que o portão, teoricamente, se abriria para mim. E esta era minha única garantia: uma teoria antiga o suficiente para ter sido esquecida por grande parte dos Guardiões.

Contendo minha ansiedade, esperei, todos os sensores da nave calibrados para sensibilidade máxima. Não queria correr o risco de ser atacada por algum tipo de defesa automática antes mesmo de entrar no Reino. Um instante depois, os portões começaram a se abrir. Contei os segundos em voz baixa, esperando ter espaço o suficiente para passar. Eu seria capaz de apostar que os c’erit tinham algum tipo de alarme de abertura dos portões. E, se tivessem um alarme, também teriam alguma forma de reverter o comando automático.

Avancei assim que percebi que o espaço era o suficiente para que minha nave passasse, sem esperar até ter uma abertura mais confortável. Com os portões perigosamente próximos do casco da nave, entrei, em uma manobra que qualquer um dos meus superiores teria reprovado.

A escuridão era completa, mas os sensores da nave reconheceram que eu estava em um túnel. O comunicador brilhou, recebendo alguma informação. Um mapa simples, com a trajetória que deveria seguir. Estaria sendo recebida pelos c’erit, ou aquilo era apenas mais uma ação automática do sistema? Provavelmente a segunda opção. Tão depressa quanto era capaz, segui as instruções.

Sentinela (Crônicas de Táiran #1) [Degustação]Onde histórias criam vida. Descubra agora