Sete

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Acordei nos braços de Kai, sem realmente acreditar que estava ali. Não deveria ter feito aquilo, não deveria ter permitido que chegássemos àquele ponto. Ia contra todos os procedimentos padrões de uma Guardiã em missão, contra tudo o que eu tinha sido ensinada e em que acreditava... Contra todos os meus instintos de sobrevivência. Mas não conseguia me arrepender. Aquelas horas tinham sido incríveis, e serviriam a um propósito.

Era uma pena que eu não conseguisse pensar naquilo friamente.

Podia sentir o homem como uma presença no limite da minha mente. A ligação tinha sido criada, e era forte. Não tinha como ser diferente, não depois das últimas horas. Mas apenas o tempo nos diria as consequências daquilo.

Com cuidado para não acordar Kai, saí dos seus braços e me sentei na beira da cama. Um rápido olhar me mostrou que minhas roupas não estavam ali. Não, estariam na primeira sala. Balançando a cabeça, me levantei e fui buscar meu uniforme. A sala informal tinha marcas de nossa passagem – agora havia livros no chão também, e um dos sofás estava com suas almofadas jogadas de forma estranha. Na outra sala, nossas peças de roupa estavam espalhadas por toda parte, um lembrete de como o homem havia me colocado contra a parede, de mais formas que apenas fisicamente. Ele não tinha me deixado nenhuma forma de fugir, nenhuma forma de negar que aquela atração entre nós existia.

Reunindo todas as roupas, voltei para o quarto de Kai. Ele ainda estava dormindo, e por um instante as linhas que atravessavam seu corpo atraíram meu olhar, de forma quase hipnótica. Me repreendendo mentalmente, deixei as roupas do homem sobre a cama, antes de ir para o quarto que ele tinha me oferecido. Precisava de um banho, de preferência gelado.

Antes mesmo de sair do banheiro, a ligação me permitiu saber que Kai estava acordado. Rapidamente, me vesti e fui até a sala de controle, onde ele me esperava. Parei na porta, hesitante, sem saber prever como o que acontecera entre nós iria afetar a minha missão ali. Alguns instantes depois, eu respirava fundo e abria a porta.

Kai estava debruçado sobre um grande mapa do Reino, fazendo ajustes no foco. Seu olhar se ergueu assim que entrei, e pude ver uma faísca brilhar neles. Com aquela forma de se mover que fazia com que me lembrasse de grandes felinos, ele se endireitou e veio até onde eu estava. Pensei que ele me beijaria, e então eu teria que impedi-lo, criando uma situação desagradável dali para a frente. Não podia me permitir mais distrações, não podia correr riscos. Mas ele parou diante de mim e me puxou para um abraço, o gesto simples dizendo mais que qualquer beijo poderia, naquele momento.

– Eu sabia o que estava fazendo. – Kai falou, sua voz abafada pelo meu cabelo. – Já li sobre esse tipo de ligação, e sei o que representa. Peço desculpas por ter forçado você a fazer isto... – ele hesitou, como se não soubesse como continuar. – Considere como uma garantia palpável das promessas que fizemos. Uma forma de garantir que sempre sejam honradas.

Um lampejo de memória, e algo dentro de mim pareceu gelar. Uma ligação não é uma garantia – para isto existe sua palavra. Uma ligação é algo muito mais importante que isto, não finja que não sabe. As palavras de Aldaron Táiran queimavam em minha mente, algo que ele me dissera ainda no início do meu treinamento. A ligação entre nós – a que ele dizia ter me forçado a aceitar – era algo sagrado, um voto de confiança profunda. E, para Kai, era apenas uma ferramenta. Uma forma de garantir que eu cumprisse minha promessa. Aquilo não deveria me surpreender, tinha falado para mim mesma que isto era tudo o que eu era, uma ferramenta. Mas os pequenos gestos do homem tinham feito que eu esquecesse daquilo, e agora sua fala me levara de volta ao passado, àquele momento em que tinha percebido que as pessoas ao meu redor só estavam ali para me usar. Suas palavras não deveriam me causar aquela sensação de abandono, aquilo era culpa das minhas ilusões, das minhas esperanças. Eu era uma Guardiã, meu único compromisso era com a missão que aceitara.

Sentinela (Crônicas de Táiran #1) [Degustação]Onde histórias criam vida. Descubra agora