– É melhor eu providenciar um quarto para você. – ele falou, se levantando. – Provavelmente passará alguns dias aqui, e não pode subir para sua nave enquanto os traidores estiverem livres.
– Qualquer um que vir minha nave terá certeza de que estou aqui. – comentei, sabendo que ele já teria cuidado disto.
– Ninguém vai vê-la. – o homem sorriu. – Ela está sob a mesma ilusão que esconde nossas naves capitais.
Não contive minha risada. Já fazia algum tempo que estava pensando em quantas coisas poderiam estar escondidas por ilusões, então esta resposta não era exatamente uma surpresa. Mas eu realmente não tinha imaginado que os c’erit tivessem naves capitais.
Ainda sorrindo, me levantei e acompanhei Kai até uma porta na direção oposta à que eu havia entrado. Seguimos por um corredor pequeno, que terminava em outra sala. Eu podia ver três portas à nossa frente, e os espaços livres das paredes estavam ocupados por estantes repletas de livros. Vários sofás estavam espalhados pelo cômodo, e alguns livros pareciam ter sido esquecidos sobre eles.
Kai percebeu meu olhar e deu de ombros.
– Desde a morte de Sirra, ninguém entra ou permanece nos meus aposentos sem minha presença. – contou. – Isto quer dizer que nem sempre estes cômodos estão organizados.
Eu não ia falar nada sobre organização. Na verdade, a sala me passava a impressão de ser um lugar de calma, quase um refúgio. Aquele era seu espaço pessoal. Mas sua explicação, dada de forma tão natural, me deixou pensativa. Fazia dois anos que ninguém ficava sozinho dentro daqueles cômodos. Ainda assim, havia sido sua escolha encobrir minha presença de uma forma que me obrigaria a ficar ali. Por quê? Ou melhor, como ele podia se arriscar desta forma, depois de anos de cuidado?
Ele abriu uma das portas, me mostrando outra sala, esta menor e com uma decoração aconchegante, que me fazia lembrar da fazenda. Uma mesa baixa, de madeira, ocupava o centro do cômodo, cercada por almofadas. As tapeçarias nas paredes de pedra mostravam cenas coloridas e vibrantes, e pequenos artefatos, feitos de algum tipo de material perolado, completavam o ambiente.
– A outra porta dá para o quarto. – o homem falou, gesticulando. – Se precisar de qualquer coisa, é só avisar.
Assenti, e ele saiu, fechando a porta atrás de si. Rapidamente, atravessei o cômodo e abri a porta que dava para o quarto. Um olhar de relance me mostrou uma decoração semelhante à da sala e uma grande cama. Sorri, incapaz de me conter. Uma cama de verdade, sem ser aquelas ridículas e desconfortáveis imitações tecnológicas que existiam na maioria dos dormitórios dos Guardiões e em todas as naves.
A tentação de me deitar era grande, e em parte por causa da bebida, eu tinha certeza. Por isso mesmo, abri a outra porta que havia no quarto, imaginando que daria para o banheiro. Meu sorriso se alargou. Um chuveiro antiquado, dos que ainda usava apenas água, estava a um canto, por trás de um campo de energia que impediria respingos pelo restante do cômodo. Perfeito, era tudo o que eu queria naquele momento.
Olhando ao redor, pude ver uma cabine de limpeza, na direção oposta ao banheiro. Eu realmente não entendia como alguém podia preferir aquelas coisas e perder a sensação da água no corpo, mas já tinha me acostumado com as cabines, por força da necessidade. Ao lado dela estava uma lavadora instantânea. Esta sim, tinha sido uma boa ideia.
Ainda sorrindo, tirei meu uniforme e joguei tudo dentro da lavadora, antes de ligá-la. Então, fui para o chuveiro. A água morna foi o suficiente pra acabar com os últimos efeitos do álcool e, por um instante, senti saudades do tempo em que podia me permitir ficar bêbada. Esquecer de tudo ao meu redor, das minhas preocupações e problemas, mesmo que por pouco tempo, tinha sido uma bênção. Mas não mais. Não podia me dar a este luxo.
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Sentinela (Crônicas de Táiran #1) [Degustação]
Ciencia FicciónDesde sua criação, ninguém atravessara os portões do Reino C'erit. Ninguém sabia o que acontecia por trás dele, ou o que acontecera com as pessoas que, tempos atrás, haviam se instalado ali para construir um novo lar. Por isto, até mesmo os Guardiõe...