III. UM TORNEIO DE SANGUE

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DALLEN ACORDOU COM o ralhar vindo do outro lado da parede. O sujeito agarrou firmemente a adaga na coxa, era a primeira coisa que fazia antes de abrir os olhos. Despertou meio desnorteado, baba lhe escorrera pelos cantos da boca. Vestiu o manto, guardou as facas, escondeu o pote de banha na bolsinha e limpou as remelas das vistas.

Estava tudo escuro, mas isso não era problema para ele. A escuridão lhe agradava, assim como a manhã agradava aos galos, e, para Dallen, era perfeitamente tranquilo enxergar no breu. Abriu a porta com cuidado, vagou pelo corredor, o carvalho estalando nos pés. Parou sobre a porta do salão, onde archotes ardiam nas paredes. Dallen se escorou na soleira para ver a cena que se desdobrava por ali.

— Essa putinha derramou cerveja em mim! — bradou um dos homens com cota de malha e um elmo amassado na cabeça. Ele apertava o pulso da garota.

— Ela não fez por mal, seu guarda, ela não fez! — Hilda suplicou, levando consigo uma flanela para esfregar as calças do homem.

O guarda soltou a mão da garota e agarrou a da mãe. Havia mais dois soldados com ele, ambos embriagados. Com o início do Torneio, vieram guardas de longe, homens do rei. Faziam e mandavam o que bem entendiam por ali.

— Por que não esfrega isso no meu pau, hein? — A barba falhada do homem se esticou num sorriso encardido, um dos olhos do sujeito não abria direito. Os outros dois riram, beberam mais um gole.

— Eu lhe trago um novo caneco por conta da casa, senhor. Não vai se repetir.

— Dois! — O soldado soltara seu pulso, fizera um V com os dedos. — Dois canecos de cerveja — frisou, depois tirou um pigarro da garganta. — E sirva-nos você, quero essa putinha longe de mim!

O homem a encarou com desdém e soltou o pigarro no chão. A menina tinha os lábios trêmulos, talvez não passasse dos dez anos de idade. Ela afagava o pulso, já avermelhado e um tanto inchado, caminhou cabisbaixa até os fundos, engolindo o nó que lhe prendera na garganta.

Dallen decidiu por dar meia-volta. Na verdade, partiria agora mesmo, aquele local já estava começando a feder a merda.

Então a porta da estalagem se abriu, um vento níveo invadiu o salão. Uma figura conhecida entrou com olhar de poucos amigos, um rapaz o acompanhava. O gordo ajeitou a cinta, olhou os guardas de soslaio e disse:

— Por que me olham com cara de cu? — A pergunta fora endereçada aos guardas e à estalajadeira. — Ora, me sirva um caneco, Hilda. — E então se sentou na bancada, mas não sem antes puxar a calça que lhe escapava da bunda. — Sirva-me dois, aliás, um para mim e outro para meu escudeiro.

O escudeiro se chamava Albert, sardas manchavam seu rosto, e seu corpo era franzino como o de uma saracura. O garoto parecia não ter mais que seus quinze anos, e era sabido que apenas Homens-da-Vila podiam ter seus próprios escudeiros.

Waldo Kint olhou para os lados, viu Dallen escorado nos fundos e ergueu o cenho para ele.

— Olha, se não é o pele-de-leite — disse Waldo, surpreso. — Por que não vem até aqui, rapaz? Não vai molhar a garganta?

Dallen vacilou o passo, mas cruzou a sala e se sentou ao lado do homem.

Nessa hora, os guardas levaram as mãos sobre o botão das espadas.

— Que porra é essa? — perguntou o caolho.

— Um cliente da estalagem — respondeu Kint. — E é melhor guardarem as armas. Nada de aço aqui dentro!

— Então tira esse pele-de-porra daqui! — grunhiu o outro sentinela.

— O rapaz não está incomodando ninguém — Wal manteve o tom de voz. — Está apenas tomando uma cerveja, e logo de manhã, irá embora. Ora, se tem alguém que terá problemas com ele é a Igreja, não vocês.

Torneio de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora