DÁLIA RESPIROU O ar frio da manhã, renovada, finalmente chegaram até onde bem entendiam. Foram-se duas semanas de viagem, e Valemonte começou a surgir por detrás das colinas. Era uma vilazinha não muito diferente de Campina-Baixa, exceto por moinhos que giravam nos campos e o clima úmido.
A menina perguntou a um camponês alguma coisa, e ele apontou o dedo. A garota assentiu, açoitou os cavalos e parou não muito depois.
Dallen cobriu os olhos quando vislumbrou a claridade, cobriu-se com o manto, não queria chamar atenção.
– É aqui? – eles estavam diante de uma porta, a menina o fitou com olhos murchos, parecia ter um vazio dentro do peito.
– Acho que sim.
– E se sua tia não estiver morando mais aí?
– Ela está, tenho certeza.
O sujeito não sabia muito bem como agir. Deu alguns passos para trás, então deus as costas. Ele não sabia muito bem como era uma despedida, na verdade nunca havia se despedido de alguém... bom, nunca de alguém ainda vivo, pelo menos.
– Ei, para onde pensa que vai? – Dália franziu o cenho, correu até ele.
– Eu... eu...
O albino tentou balbuciar alguma coisa, uma desculpa, quem sabe, mas foi interrompido por um aperto na cintura. Dália o abraçou com força, e Dallen estranhou o gesto. Já havia sido abraçado antes, mas em circunstâncias diferentes... uma delas quando tentaram matá-lo com uma chave-de-braço.
O sujeito abriu um sorriso torto, sem jeito, jurou que sentiu os olhos ficando úmidos.
– Obrigada – Dália o confessou. – Obrigada por tudo. Você me salvou. Volte algum dia. Quando eu estiver mais velha, leve-me com você pela estrada.
– É uma ideia idiota – Dallen balançou a cabeça, os braços da garota ainda o envolviam sobre o peito, ele era quase dois queixos mais alto que ela. – Seu lugar é aqui.
– Meu lugar é pelo mundo, Dallen. Ainda me verá com uma espada na cintura, rasgando a garganta de alguém.
O sujeito sorriu outra vez.
– Até lá vai precisar melhorar a sua mira, ou vai acabar cortando o próprio dedo.
Ela lhe deu um tapinha no peito.
– Até mais, Dallen.
– Até mais, garota...
Os dois se afastaram, Dália caminhou até a porta. O homem subiu na carroça, olhou uma última vez para a menina. A porta se abriu, uma mulher parecida com Hilda estranhou o garoto de cabeça raspada à sua porta logo de manhã.
Dallen partiu dali devagarinho, com os pensamentos nas nuvens. Sentia no coração algo novo, uma afeição que não sentia há muito, desde que o velho de títeres o criara na infância. Percebeu naquele instante que o que sentia era compaixão, de que nem tudo acabava de uma forma ruim, de que, afinal de contas, algumas histórias haviam finais felizes. Bom, pelos menos por enquanto.
Enxugou uma lágrima com a manga da camisa e jogou-se outra vez para o mundo.
*****
Roynard se levantou com as costas doendo, já era um novo dia quando despertou. Estalou o pescoço e andou manco até os corpos, viu seus Irmãos rodeados por moscas e envoltos em poças de sangue.
Torceu a cara quando viu o que sobrara de Evric e das tripas de Ronsey. Aquilo com certeza faria um homem de estômago fraco vomitar.
Olhou cada um dos corpos, não enxergou mais a carroça, os cavalos haviam sumido. Vasculhou os cadáveres, sentiu a falta de dois.
– Malditos novatos – escarrou o chão, sangue saiu misturado ao cuspe. – Covardes do caralho.
Pilhou algumas moedas, fechou os olhos dos Irmãos que ainda possuíam olhos, pôs o polegar na testa dos defuntos e proferiu uma oração. Arrastou-os até a beira da estrada.
– Bando de imbecis, como diabos vou explicar essa porra para a Igreja? – chutou o cadáver inerte de Lauren, a garganta do homem estava destroçada.
Levou as mãos à cabeça, olhou para os lados. Pensou mais um pouco, tirou das vestes de Lauren e Ronsey os odres que levavam, cheirou o recipiente e afastou o nariz. Derramou aquilo sobre a pilha de defuntos, usou a pederneira que sempre levava consigo para atear fogo.
Aquilo não iria queimá-los até os ossos, mas seria suficiente para derreter as vestes e o brasão. Ninguém saberia que uma Companhia inteira morrera ali.
Agora, no entanto, Roynard precisava achar a carroça e dois covardes.
Andou pela estrada, um caminho alternativo, por sorte quase ninguém passava por ali. Vagaria até Campina-Baixa, e lá procuraria pelos dois.
No vilarejo, conversou com um caolho, e ele disse:
– Não vi outro Irmão por essas bandas não, senhor – coçou o sovaco embaixo da malha. – Mas acho que você vai gostar do albino que surgiu por aí. Um filho da puta atrevido, vestido de cinza, parece perigoso.
Roynard franziu o cenho.
– Consigam-no para mim – disse ele. – Aliás, soube que está havendo um Torneio por aqui também, vocês me parecem da Capital.
– Somos sim – respondeu um dos guardas. – Viemos fazer a guarda do Torneio, precisavam de homens.
– Bom, se virem alguém de preto que não seja eu... avisem-me. São dois bostinhas, dá para reconhecê-los de longe. Contem aos outros guardas o que lhes disse, pagarei bem se os encontrarem.
Os homens assentiram, Roynard ainda parou na estalagem, bebeu dois canecos de cerveja. Sua busca estava longe de acabar, e ele tinha um bom pressentimento para aquela noite.
*****
Alec enterrou o saco com os pergaminhos ao lado de um salgueiro, cavou o buraco com as próprias mãos. Se o encontrassem, pelo menos o manteriam vivo, pois só ele sabia a localização dos escritos. O rapaz ainda mancava. Faminto e com sede, tinha ainda respingos de sangue manchando na roupa.
O jovem arfava, ofegava de cansaço e de medo. Andou pelos bosques até encontrar uma choupana abandonada, arrombou a porta e se sentou sobre uma cadeira.
Olhou o tornozelo inchado, aquilo não se resolveria sozinho. Procurou por um pouco de comida e água. Não achou nada. Vagou até às margens de um riacho, onde matou a sede. Voltou pouco depois, bloqueou a porta com uma ripa de madeira e permaneceu ali. Tinha de dormir um pouco, o mínimo que fosse. Vagara pela floresta a noite inteira, suas solas encheram-se de bolhas, o couro grudava na pele por causa do suor.
Rasgou o brasão no ombro, era o fim para ele. Desertaria da Ordem, ainda mais com o que havia acontecido e com as coisas que ele havia visto. Ainda não acreditava naquilo, na criatura que matou seus Irmãos... na traição de Lauren.
Adormeceu sentado e acabou despertando com algo lá fora. Não sabia quanto tempo havia dormido, mas sabia que estava sendo procurado. O coração de Alec disparou, botou as mãos no cabo da espada e espiou pela fresta da janela. Seus dedos suavam e tremiam.
– Droga! – disse ele quando viu o que havia lá fora.
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Torneio de Sangue
Fantasi+18| ATENÇÃO: HISTÓRIA COMPLETA A ORDEM DOS Nove-Raios é a forma mais segura que a Igreja encontrou para resgatar artefatos de eras passadas. Na época em que os vampiros ainda reinavam sobre o mundo, o clero teve de tomar uma decisão: originar uma g...