OS NOVE IRMÃOS pararam diante da lua. Bryston decidiu que era melhor montar acampamento ao lado das colinas. A Companhia atou os cavalos às árvores, e, logo em seguida, descansaram sobre o estalar da fogueira. Era uma noite fria, parecia que os choupos assobiavam para eles uma brisa de inverno.
Alec farejou o ar, podendo sentir a maresia vinda do oceano. Já estavam no décimo segundo dia de viagem, e as coxas dos homens já ardiam por conta dos cavalos. O Iniciado, porém, estava tranquilo, e até mesmo aliviado por não terem lhe dado um palafrém. O encosto da carroça era duro, com certeza, mas definitivamente melhor que o balanço de uma sela.
— A última vez que fiquei assado desse jeito foi num dos bordéis de Cascuna. — Oitavo-Irmão Arister se sentou com as pernas travadas; ainda era ele um rapaz e não passa dos vinte e um. — Não sabia que cavalgaríamos até o inferno.
— Faltam ainda uns quatro dias. — Terceiro-Irmão Parle olhou para as estrelas. Era uma noite limpa. O orderio já passava dos trinta, tinha o queixo pontudo, liso, os cabelos para trás num rabo-de-cavalo. Tirou a bota de couro com certa dificuldade, seus pés fediam a queijo mofado temperado no verão.
— Jogue isso longe! — Sétimo-Irmão Evric tapou o nariz. — Você cagou aí dentro?
— Ronsey deve ter peidado no seu pé — Quarto-Irmão Dewey, o ruivo, fez troça. — Nunca vi um desgraçado peidar tão fedido quanto ele.
— Cale a boca! — Quinto-Irmão Ronsey retrucou. Até mesmo sua voz parecia mais gorda quando falava. — Você vive falando perto de nós com bafo de pinto, e nós não reclamamos.
Lauren e Evric competiram para ver quem gargalhava mais alto. Primeiro-Irmão Bryston preparava o fogo, Oitavo-Irmão Arister despelava um coelho, Alec dava atenção aos cavalos.
— Ei, Roynard — Dewey lhe jogou um pedregulho no joelho, o homem estava quieto afiando uma adaga.
O Irmão da cara rasgada ergueu a cabeça.
— Que foi?
— Faz aquilo de novo — Dewey pediu.
— Isso. — Arister o encorajou, parou de esfolar o coelho e ajeitou uma mecha castanha atrás da orelha. — Faça de novo.
Roynard estalou a língua e se levantou.
— Achem-me um rato — pediu ele. — Achem-me um, e eu faço.
Não se demorou muito para que Evric lhe trouxesse um rato. Até Alec parou de escovar o pelo dos cavalos para observar a cena.
Segundo-Irmão Roynard vedou os olhos com uma fita de seda e esfregou os dedos no cabo da adaga.
— Agora, todo mundo cale a boca — e, em seguida, disse: — Soltem o rato.
Roynard afiou os ouvidos, o rato corria em volta dos homens, assustado e faminto, não estava nem um pouco acostumado com a presença de gente e do fogo.
O camundongo passou pelos pés de Ronsey e depois pelos de Lauren. Roynard esticou o braço e, em seguida, arremessou a faca; a lâmina atravessou a barriga do roedor. Os Irmãos aplaudiram.
O homem com um rasgo no rosto fez uma reverência, retirou a venda e se sentou novamente. Alec voltou a esfregar o pelo dos garranos.
— Ainda tem vinho? — Ronsey, o mais parrudo dos nove, indagou com o cenho erguido.
— Deve ter. — Parle deu de ombros. — Ei, Iniciado, tem vinho?
Alec parou o que fazia e checou a carroça, trazendo com ele um garrafão para baixo da metade. Mesmo assim, Ronsey esticou as bochechas inchadas num sorriso.
— Vai dar só para essa noite — o ruivo lamentou. — Bom, vamos beber!
E beberam.
Não ficaram embriagados, pois infelizmente não era tanto vinho. A fogueira ainda estalava, aquecia o corpo esfriado dos homens. Alguns ali se encolheram, quase todos tinham os braços dobrados sobre o peito, e, mesmo com as vestes de couro, tiritavam.
— Conte-nos uma história para passar o frio, Primeiro-Irmão — pediu Evric, alisando os dedos no cabelo raspado.
Bryston levantou os olhos, estava absorto e admirado pelas chamas. O velho tossiu um pigarro da garganta e pensou um pouco.
— O que querem ouvir?
— Diga-nos algo sobre a Inquisição — sugeriu Arister.
— Não — Alec o interrompeu, e todos os olhares se voltaram sobre ele. — Conte-nos sobre açonegro, Primeiro-Irmão. É real?
Arister levantou um sorriso, também ficara curioso.
— Açonegro, é? — Bryston eriçou o sobrolho, grosso como uma taturana. — Bom, senhores... — Ele tossiu, e, desta vez, escarrou. — Eu já vi açonegro com meus próprios olhos, se querem saber.
Até mesmo os grilos pararam de cantar, todos os oito estavam atentos ao que o velho dizia.
— Foi há vinte e dois anos... vinte e quatro, talvez, eu não me lembro bem. Foi numa das expedições ao sul. — Ele olhou para a lua, como se voltasse a sentir a dor do gelo cortando o couro da roupa, rasgando na pele. — E lá, sim, faz frio. Naquela época, eu era um Sexto-Irmão, assim como Lauren. Era mais bonito, e traçava mais putas também.
Lauren não conteve o riso. Bryston prosseguiu:
— Entramos nas ruínas de um castelo, tudo estava branco, coberto de neve; a guarita principal, então, tombada fazia uns quatrocentos anos, quem sabe mais... Ventava muito, tínhamos passado por uma nevasca que levou alguns dias. Fomos pela liderança do Primeiro-Irmão, o lugar todo parecia um labirinto. Tinha armadilhas espalhadas aqui, lá. Um orderio acabou se machucando feio na coxa. Ficou manco pro resto da vida. Quando chegamos no covil, encontramos ouro, bastante ouro. Acabei achando uma bainha escondida num monte de teias, e, dentro dela, uma adaga. Lembro que era leve como um galho, e quando a revelei, o aço chiou como se o próprio vento chorasse de dor.
— E como era o aço? — o Irmão da cabeça raspada perguntou.
— Aquela merda cerrava até pedra — Bryston respondeu, seus olhos agora admiravam o fogo outra vez. — Cortava prata, cortava malha... cortava tudo. E era tão resistente quanto diamante.
— E é tão negro quanto dizem? — Alec indagou, curioso.
— Na verdade, não. — O velho balançou a cabeça. — Estava mais para a púrpura. Na sombra, se parece com negro, é verdade, mas é no sol que se vê a verdadeira cor.
— E esta foi a única vez que vistes algo assim, Primeiro-Irmão? — questionou Evric.
Bryston repuxou a memória.
— Sim, a única. E, depois disso, nunca mais a vi. Creio que a adaga deva estar no alto de um campanário neste exato momento, aos cuidados de um Irmão-da-Torre.
Os Irmãos ali presentes refletiram por um tempo, arrepiaram-se com a ideia de encontrar algo do tipo nesta expedição. Aquela história havia reforçado o espírito dos homens, esquentando seus corações mais do que alguns goles de vinho poderiam. Nono-Irmão Alec dormiu feliz naquela noite, até mesmo esqueceu do frio.
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Torneio de Sangue
Fantasy+18| ATENÇÃO: HISTÓRIA COMPLETA A ORDEM DOS Nove-Raios é a forma mais segura que a Igreja encontrou para resgatar artefatos de eras passadas. Na época em que os vampiros ainda reinavam sobre o mundo, o clero teve de tomar uma decisão: originar uma g...